O sociólogo Jessé Souza em “A Ralé
Brasileira” defende a tese de que o segredo mais bem guardado, no seio da
classe média brasileira, é a forma como esse ambiente doméstico é construído
para as razões escolares. É dentro do ambiente familiar que as crianças dessa
classe entram em contato com uma socialização capaz de desenvolver uma
identificação afetiva com conhecimento, aprendem a arte da concentração, o
autocontrole, a pautar suas ações no hoje sob uma perspectiva de futuro através
da disciplina e desenvolvem um sentimento de responsabilidade moral com os
estudos.
E como isso é possível?
A resposta para esse questionamento
precisa, antes de tudo, afirmar que a classe média não é (absolutamente)
superior em seus costumes. Dito isso, e refletindo sobre o questionamento, é
preciso entender que a lógica do “faça o que eu mando, não faça o que eu faço”
é, sempre será, ineficiente. Educa-se pelo exemplo! Essa é a lógica da classe
média brasileira. É vendo o pai ou mãe ler um livro, uma revista ou um jornal
que a criança tem o primeiro contato com a leitura e passa, intimamente e de
forma inconsciente, a normalizar o ato de ler, de estudar; É com o carinho de
uma família amorosa e a ciência de que é amada, que a criança cresce com a
autoestima necessária para superar as decepções e não utilizá-las como escusa
para o fracasso; É com a empolgação da mãe com a lição bem feita e a evidente
frustração dessa com um mau desempenho que ela aprende que àqueles a quem ama
dão importância a escola e que ela, na ânsia de agradá-los, passa também a
fazer; É ainda num ambiente familiar seguro – livre de abusos de toda sorte,
insultos e agressões gratuitas – que a criança ou o jovem sente-se a vontade
para estudar.
Em contraposição, existem lares
brasileiros que atingem a cerca de 30 milhões de pessoas, segundo o estudioso
acima, onde as famílias são, em grande medida, desprovidas da figura de pai e
mãe (não necessariamente a dita “família
tradicional”, mas de figuras capazes de tornar o ambiente familiar saudável),
com frequência são lares tocados somente por mulheres ou mesmo com a presença
de problemas relacionados ao alcoolismo, drogas, abusos sexuais, pedofilia,
agressões e outros onde as regras de convivência são frágeis ou inexistentes
que vivem parte de nossos alunos.
Para esse aluno a escola é simplesmente
um lugar estranho, sem significados, cheia de regras, horários e protocolos
que, para ele, não fazem o menor sentido. Quando os seus pais falam da
importância de estudar o fazem da boca pra fora, pois a defasagem entre o
discurso e a vida prática é enorme tornando essa fala vazia e distante, visto
que esses pais tentam ensinar algo que eles mesmos não sabem.
Muitos dos nossos alunos simplesmente
não possuem a socialização necessária para ter acesso a escola, não
desenvolveram os mecanismos psicológicos necessários para a padronização
criadas pela escola brasileira e nós os punimos por isso!
Tal
incompatibilidade e a falta de reflexão nos leva a culpá-los por não terem sido
preparados para a escola ou aos país por “não terem feito a sua parte” sem, no
entanto, nos darmos conta de que seus pais são frutos do mesmo processo fadado
a ser repetido de geração em geração indefinidamente por terem sido abandonados
pelo estado e jogados à própria sorte como cidadãos de segunda classe.
Assim,
nós continuamos a culpar essas pessoas por serem abandonadas com nossas
justificativas toscas dizendo que o aluno “Não tem interesse” e eles mesmos
apropriam-se disso quando afirmam não serem capazes de aprender. Assim o
fracasso escolar é “justificado” pelo próprio aluno e reforçado pela escola
como um “Não querer”
É quando ele (o aluno) pensa decidir
deixar de estudar quando, na verdade, deixa de jogar o jogo da escola porque
esse jogo, com o qual não se adapta, é o que sacramenta o seu fracasso. Fugir,
então, é mais fácil, não o obriga a encarar o seu próprio insucesso.
Para esses alunos a escola cria a
articulação de um estilo de vida que a nega (na escola se valoriza o
conhecimento e a disciplina, ou seja, tudo o que ele não aprendeu a ter como
importante, tudo o que ele não é) dessa forma, nada mais natural à ele do que
voltar-se contra esta instituição
Isso
também causa frustração ao professor que muitas vezes age com raiva diante da
sua impotência, da falta de condições para trabalhar, gera angústia e, por
vezes, indiferença com a sua própria profissão.
Não quero com isso tentar oferecer uma
resposta pronta para as angústias dos colegas professores nem, tampouco,
depositar a culpa no profissional de educação. Busco aqui, tão somente, abrir
um espaço para que pensemos sob outra ótica, a ótica da luta de classes,
deliberadamente tornada invisível pela sociedade. E gostaria de encerrar com
uma frase atribuída a Darcy Ribeiro:
“A
crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”.
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