O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

VAMOS FALAR DE FRACASSO ESCOLAR?


O sociólogo Jessé Souza em “A Ralé Brasileira” defende a tese de que o segredo mais bem guardado, no seio da classe média brasileira, é a forma como esse ambiente doméstico é construído para as razões escolares. É dentro do ambiente familiar que as crianças dessa classe entram em contato com uma socialização capaz de desenvolver uma identificação afetiva com conhecimento, aprendem a arte da concentração, o autocontrole, a pautar suas ações no hoje sob uma perspectiva de futuro através da disciplina e desenvolvem um sentimento de responsabilidade moral com os estudos.
E como isso é possível?
A resposta para esse questionamento precisa, antes de tudo, afirmar que a classe média não é (absolutamente) superior em seus costumes. Dito isso, e refletindo sobre o questionamento, é preciso entender que a lógica do “faça o que eu mando, não faça o que eu faço” é, sempre será, ineficiente. Educa-se pelo exemplo! Essa é a lógica da classe média brasileira. É vendo o pai ou mãe ler um livro, uma revista ou um jornal que a criança tem o primeiro contato com a leitura e passa, intimamente e de forma inconsciente, a normalizar o ato de ler, de estudar; É com o carinho de uma família amorosa e a ciência de que é amada, que a criança cresce com a autoestima necessária para superar as decepções e não utilizá-las como escusa para o fracasso; É com a empolgação da mãe com a lição bem feita e a evidente frustração dessa com um mau desempenho que ela aprende que àqueles a quem ama dão importância a escola e que ela, na ânsia de agradá-los, passa também a fazer; É ainda num ambiente familiar seguro – livre de abusos de toda sorte, insultos e agressões gratuitas – que a criança ou o jovem sente-se a vontade para estudar.
Em contraposição, existem lares brasileiros que atingem a cerca de 30 milhões de pessoas, segundo o estudioso acima, onde as famílias são, em grande medida, desprovidas da figura de pai e mãe (não necessariamente a dita           “família tradicional”, mas de figuras capazes de tornar o ambiente familiar saudável), com frequência são lares tocados somente por mulheres ou mesmo com a presença de problemas relacionados ao alcoolismo, drogas, abusos sexuais, pedofilia, agressões e outros onde as regras de convivência são frágeis ou inexistentes que vivem parte de nossos alunos.
Para esse aluno a escola é simplesmente um lugar estranho, sem significados, cheia de regras, horários e protocolos que, para ele, não fazem o menor sentido. Quando os seus pais falam da importância de estudar o fazem da boca pra fora, pois a defasagem entre o discurso e a vida prática é enorme tornando essa fala vazia e distante, visto que esses pais tentam ensinar algo que eles mesmos não sabem.
Muitos dos nossos alunos simplesmente não possuem a socialização necessária para ter acesso a escola, não desenvolveram os mecanismos psicológicos necessários para a padronização criadas pela escola brasileira e nós os punimos por isso!
Tal incompatibilidade e a falta de reflexão nos leva a culpá-los por não terem sido preparados para a escola ou aos país por “não terem feito a sua parte” sem, no entanto, nos darmos conta de que seus pais são frutos do mesmo processo fadado a ser repetido de geração em geração indefinidamente por terem sido abandonados pelo estado e jogados à própria sorte como cidadãos de segunda classe.
Assim, nós continuamos a culpar essas pessoas por serem abandonadas com nossas justificativas toscas dizendo que o aluno “Não tem interesse” e eles mesmos apropriam-se disso quando afirmam não serem capazes de aprender. Assim o fracasso escolar é “justificado” pelo próprio aluno e reforçado pela escola como um “Não querer”
É quando ele (o aluno) pensa decidir deixar de estudar quando, na verdade, deixa de jogar o jogo da escola porque esse jogo, com o qual não se adapta, é o que sacramenta o seu fracasso. Fugir, então, é mais fácil, não o obriga a encarar o seu próprio insucesso.   
Para esses alunos a escola cria a articulação de um estilo de vida que a nega (na escola se valoriza o conhecimento e a disciplina, ou seja, tudo o que ele não aprendeu a ter como importante, tudo o que ele não é) dessa forma, nada mais natural à ele do que voltar-se contra esta instituição
Isso também causa frustração ao professor que muitas vezes age com raiva diante da sua impotência, da falta de condições para trabalhar, gera angústia e, por vezes, indiferença com a sua própria profissão.
Não quero com isso tentar oferecer uma resposta pronta para as angústias dos colegas professores nem, tampouco, depositar a culpa no profissional de educação. Busco aqui, tão somente, abrir um espaço para que pensemos sob outra ótica, a ótica da luta de classes, deliberadamente tornada invisível pela sociedade. E gostaria de encerrar com uma frase atribuída a Darcy Ribeiro:
“A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”.

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