O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O mais dramático relato de seca que já vi.

 

Fonte: https://uqdcriticanageografia.blogspot.com/2016/07/a-problematica-da-regiao-nordeste-seca.html


Esqueça tudo o que você já ouviu ou leu, ou mesmo assistiu, de relato contra a seca até o momento, nada, absolutamente nada, supera a descrição da seca que assolava o sertão baiano feita em 1947 pelo vigário de Jeremoabo, o Monsenhor José de Magalhães e Souza.

Em que pese a característica narrativa dramatizada e carregada de emoção desse religioso, os fatos narrados aqui são de amolecer até mesmo os mais duros corações, pois se trata da mais dura descrição do sofrimento dos nossos ancestrais, sertanejos que sofreram as agruras da estiagem não muito longe daqui, no atual território do vizinho município de Antas.

Em 1947, Antas ainda era um pequeno arruado pertencente à Cícero Dantas, sob a administração religiosa do padre de Jeremoabo. Naquele ano, a seca assolava o Nordeste, uma estiagem que, de tão hedionda, inspirou Luiz Gonzaga a escrever a célebre música “Asa Branca”.

Após muito clamor popular, conseguiu-se um caminhão munido de tambores para transportar água para as áreas mais críticas. Ao que parece (naquela época), o veículo pegava água do rio Vaza Barris, na altura do município de Jeremoabo e transportava para Antas, que sofria com os piores efeitos imagináveis da seca.

Era mês de janeiro e não se viam motivos para celebrar o ano que se iniciava. No livro de Tombo da Igreja de São João Batista, em Jeremoabo, o Monsenhor Magalhães anotava:

 

Flagelo da seca, Antas sem água

 

Antas, grande comércio de Bom Conselho, nosso vizinho, começou a fazer dor no coração, sem uma gota de água.

 

          Logo em seguida, registra a chegada do caminhão de ajuda com o título “Socorro do Governo”:

 

Já tendo sido pedido com verdadeiro clamor, socorro ao governo, veio um caminhão mandado pelo Dr. Secretário de agricultura o Excelentíssimo Orlando Ferreira para socorrer Antas com tambores de água. Chegando no dia 14 de janeiro com os tambores e carregando em Jeremoabo para Antas, eu pedi ao encarregado do carro, o Sr. Nelson, para ir com ele. Assistir a distribuição do primeiro caminhão de água em Antas, levei o Padre Jorge também.

 

          A seguir, a descrição do padre começa a demonstrar o sofrimento das pessoas:

 

Vi clamor

Chegando perto do sítio do chagas, encontre já ao curvar, mais de cinquenta potes de barro na beira da estrada e mais de trinta havendo pedido que os socorresse, pedi ao Sr. Nelson que deixássemos ali um tambor; ele acordou e logo desceu um tambor e se ensinou em haver tirar água com um pedaço de mangueira.

          Mas a situação se mostra verdadeiramente caótica quando o religioso, a bordo do caminhão que transportava água, encontra uma mãe em desespero:

 

Mãe chorosa

 

Saltei do caminhão com o Sr. Padre Jorge e do mato apareceu uma senhora com uma criança no colo e veio à minha frente clamando a chorar: Graças a Deus que veio, senhor vigário! Eu sei que o senhor não (ilegível). Sr. Vigário, me diga: Esta água tem sezões? Oh, quanto me doeu na alma! A pobre mãe com sede e os filhinhos nas angústias com receio de que a água tivesse sezões!!!

Logo a acolhi dizendo: Muito obrigado, minha filha, por confiar em mim! Posso garantir-lhe que esta água não tem sezões. Nem faz mal a ninguém! Toda a cidade de Jeremoabo bebeu desta.

          José de Magalhães e Souza costumava fazer registros detalhados de suas atividades. A partir dos seus escritos, é possível depreender que parte desses relatos era feito, por parte do religioso, com a clara intensão de deixar registros históricos, como parece ser o relato abaixo:

 

Para a eterna memória – e acrescentei, mais à mulherzinha, para que todos saibam que o vigário de Jeremoabo não dormia quando é preciso defender o sertanejo, Senhor saiba que eu estava em Jeremoabo espiando de onde enchiam os tambores de água e carregavam da boa, pois se quisessem carregar do Vaza Barris – eu daria o meu grito para a saúde pública não consentir, pois seria uma derrota para o povo.

 

A pobre senhora ficou rogando a todos os homens ficaram confortados com a nossa palavra de que estava vigiando pela causa do povo!!!

 

O Padre segue com o caminhão para Antas e o cenário ainda era desolador:

Seguimos para Antas, chegando a sete horas da noite. Lá foi uma luta para a distribuição. Gritava um! Gritava outro! Ouvia-se o quebrar de mais um pote! E logo outro!

          A situação no arruado era de caos, com a chegada do caminhão com água, as pessoas sedentas criam logo um tumulto e no afã de conseguir o precioso líquido, muitos potes de barro acabam quebrando durante o tumulto. Imaginar pessoas em desespero por um pote de água é algo muito forte, com frequência, visto por nós como algo distante.

          Com o cair da noite, o padre e os demais ocupantes do caminhão resolvem passar a noite no povoado, mesmo com a carga do veículo já esgotada e os relatos que ouvem dos locais dá ainda um ar ainda maior de angústia ao terrível roteiro:

 

Enfim, demorando, tivemos que dormir; ficamos em casa do Sr. João Nilo, onde ouvíamos falar de senhoras que tinham saído nesse dia de madrugada, a pé, para ir ver um pote d’água no tanque da estrada e chagaram ao meio-dia de sol abrasador, com areia escaldante; a estrada quase três léguas da distância! Pobres mães!

 

          Nos dias atuais, é quase inimaginável conceber a ideia de viajar a pé, sob o sol inclemente do sertão, por quase 18 quilômetros (Três léguas) para conseguir um pote d’água.

          Ouvida a história, os ocupantes do caminhão vão dormir, mas a seca não dá tréguas nem mesmo com a escuridão da noite:

 

Não dormi

 

Deitado em uma cama no quarto, junto à rua, toda a noite ouvia o falar de junto dos tambores; eram pessoas conferindo se ainda tinha água. De manhã, quatro horas, levantei-me, abri a janela e que quadro aterrador, vi seis ou sete homens agarrados a um tambor grande (de 600 litros) e virando a boca dele para baixo para escorrer algum copo de água que parecia ainda ter.

          No dia seguinte, o veículo retorna à Jeremoabo para buscar novo carregamento de água e o desespero de quem presenciou tanta agrura continua:

 

Voltamos a Jeremoabo, dia 15, às cinco horas da manhã, voltamos para Jeremoabo onde eu procurava ouvir e pedir ao senhor Nelson que andasse ligeiro para socorrer o povo de Antas. Ele trazia ordem de que o caminhão da rodagem (D.E.R) acompanhasse ele no socorro a antas; mas insignificante não vi muito boa vontade e pouco ajudou.

 

          Estudando os registros da igreja de Jeremoabo, em busca de outras temáticas, me deparei com esse relato angustiante, um cenário desolador para sertanejos da primeira metade do século XX que são pegos indefesos pela dureza da terra e do clima. Sem acesso a água encanada, nem mesmo a uma fonte segura de água, os habitantes de Antas são massacrados pela seca, socorridos de forma dramática pelo vigário.

          Para qualquer pessoa, esse relato é angustiante, para os que presenciaram aqueles fatos, certamente foi muito mais e para um estrangeiro, como era o Monsenhor Magalhães, o impacto de presenciar tamanho sofrimento deve ter sido monstruoso.

Moisés Reis, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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quinta-feira, 18 de abril de 2024

A notícia da morte de Hitler Chega ao Sertão.

 


 

Em 30 de abril de 1945, Adolf Hitler cometeu suicídio em seu Führerbunker, localizado em Berlim. O líder austríaco-alemão, conhecido por liderar o Partido Nazista e ser o chanceler da Alemanha de 1933 a 1945, bem como o Führer (ou “líder”) da Alemanha Nazista de 1934 a 1945, atirou contra a própria cabeça após o cerco soviético à capital alemã. No mesmo dia, sua esposa, Eva Braun, também se matou ingerindo cianeto. Seguindo as instruções de Hitler, seus restos mortais foram incendiados no jardim da Chancelaria do Reich, fora do bunker, após serem encharcados com gasolina. Até pouco tempo, acredita-se que os corpos teriam sido completamente consumidos pelas chamas, restando apenas cinzas, contudo, recentemente, a Rússia divulgou ter se apossado de parte dos restos mortais do líder alemão.

Esse cenário macabro marcava o fim da odisseia da Alemanha na segunda Guerra Mundial. A notícia da morte de Hitler chocava o mundo, ao mesmo tempo em que causava alívio na população por ser vista como um sinal claro do processo de finalização do conflito. Jornais do mundo todo noticiaram o ocorrido, alcançando todos os cantos do globo.

Aqui no sertão não foi diferente, nos centros urbanos mais populosos, o rádio já era uma realidade, mesmo que para poucos. Em Jeremoabo, o vigário José de Magalhães e Souza (o construtor da igreja de Fátima) registrava em seu livro de tombo o ocorrido:  

 

Notícia de paz

 

Maravilhosa coincidência: Enquanto a Bahia e assim o Brasil, fazia grandes festas ao senhor do Bomfim, chegavam os primeiros rumores do fim da guerra, da morte de Hitler e, portanto, da paz. E assim, aqueles que caçoavam do general brasileiro (surdo, mudo e cego) como diziam, os alemães viam o seu esfacelamento na hora em que o Brasil (pela Bahia) cantava as glórias ao seu padroeiro – o senhor do Bomfim.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

A herança de Severo Correia


 

No inventário de Francisco Correia de Souza, falecido em 1884, consta uma enorme lista de bens a serem divididos entre os herdeiros. Naturalmente, a viúva, Dona Maria Arsênia de Jesus, fica com metade de tudo e o restante é dividido entre os dez filhos do casal.

Entre os herdeiros, o seu sétimo filho, Severo Correia de Souza herda, de acordo com o documento, a importância de dois contos, duzentos e quarenta e cinco mil réis.

Não há descrição de dinheiro em espécie, sendo essa quantia distribuídas entre 3 fazendas (Maria Preta, Surjoa e Lajes), um quinhão de terra na fazenda Queimadas e outros bens sobre os quais falaremos a seguir.

Aqui cabe um adendo para explicar duas questões a serem compreendidas nesse contexto bastante regionalizado. A primeira delas é que “Queimadas” corresponde a uma quantidade imensa de terras que vai desde a Queimada Grande (Município de Fátima) até o atual território do município vizinho de Adustina; a segunda questão é relativa ao termo “Quinhão de terras”. É difícil definir essa antiga unidade de medidas, uma vez que quinhão varia muito de região para região. Um consenso é que um quinhão de terras equivaleria a uma determinada área que pudesse ser cultivada por uma família, dessa forma, me arrisco a estipular que seria essa um pedaço de terras de aproximadamente dez tarefas.

Mas voltando ao inventário e à herança de Severo, consta que ele recebeu além das terras, 1 escravizado; 2 casas (uma na Vila do Bom Conselho e outra na Fazenda Maria Preta); 86 cabeças de gado; 45 ovelhas e 3 cavalos e burros.

Sabe-se atualmente, que Severo não figurava entre os mais ricos da região, na verdade, provavelmente era um homem bronco, semiletrado e de hábitos simples. Contudo, baseado no documento acima citado e no que já se sabia desse indivíduo, pode-se afirmar que ele chegou a aumentar os bens recebidos como herança em algum momento da vida, embora tenha morrido pobre.

Exemplo disso seja o número de escravizados sob o seu domínio, uma vez que é de conhecimento que o fazendeiro tenha tido em algum momento, ao menos 10 escravizados prestando serviço para ele, o que, por si só, já representava uma quantia considerável em dinheiro, uma vez que um escravizado adulto chegava a valer o equivalente a 25 cabeças de gado.

Outro ponto importante é o fato de Severo ter escolhido viver na fazenda Maria Preta entre as outras duas propriedades que recebeu dos espólios do seu pai. A Maria Preta também nunca foi uma grande propriedade, sendo mais provável que tenha tido um porte médio e, ao mesmo tempo, ficava a uma distância de mais de uma légua do Bom Conselho, onde residiam seus irmãos e sua mãe.

O que teria contribuído para que a Maria Preta tenha sido a propriedade escolhida por Severo para viver? Bem, eu tenho uma teoria, mas ainda acho cedo falar sobre isso. Serão cenas dos próximos capítulos.

  

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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

MATARAM CORISCO E BALEARAM DADÁ! Como a notícia da morte do Diabo Loiro chegou à Jeremoabo.

 

Fonte: Blog do Mendes.

Por Moisés Reis.

 

Obs. Esse texto é baseado na obra O EMBAIXADOR DA PAZ.

 

No livro O EMBAIXADOR DA PAZ, abordo a atuação do vigário de Jeremoabo, o português Jose de Magalhães e Souza que buscou por anos intermediar a rendição de grupos de cangaceiros e pacificar o sertão.

Como é conhecido pela história, os bandos de Ângelo Roque e Corisco, foram os últimos em atividade, estando atuantes mesmo após a morte de Lampião. Com a rendição de Labareda em Paripiranga-Ba, apenas Corisco, embora fora de combate, ainda perambulava pelas caatingas.

O vigário, com isso, temia que Corisco arregimentasse novos membros e voltasse ao combate e acompanhava com certa angústia o desenrolar dos fatos até que a notícia da morte de Corisco chega à Jeremoabo, conforme se lê no relato feito a próprio punho pelo padre no livro de tombo da paróquia:

 

 

No dia 28 de maio, chegou aqui pelo rádio a notícia de que tinha sido morto, acima de Morro do Chapéu, perto de Barra do Mendes, o chefe do último grupo dos bandidos (o terrível Corisco) que, apesar de aconselhado, como foi Ângelo Roque, atacou um dos missionários de paz de 1933, dele pediu dinheiro sob prova de morte e teve ocasião depois de dizer a alguém que, quando alguém falasse em entregar-se, que “arrancasse a língua com o punhal”. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

          O lamento do padre, adapto da política da não violência, se deve ao fato de ele mesmo e de outros religiosos terem tentado por diversos meios convencer Corisco a se render. Na sequência, completa:

 

Esse não quis atender ao convite do Capitão Felipe, a quem tinha garantido entregar-se em Paripiranga no dia 19 de maio e assim enganou o capitão e não quis acatar o conselho firme do vigário de Jeremoabo que lhe pediu por Nossa Senhora. Então tomaram uma menina e fugiu com a companheira Dadá e a menina e viajaram rumo a Jacobina, Morro do Chapéu e dali em diante como se fossem romeiros que ia para Bom Jesus da Lapa. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

No trecho que se segue, o vigário reporta como, em seu ponto de vista, Zé Rufino teria rastreado Corisco e conseguido interceptá-lo na fazenda Pacheco:

Afinal, em Bebedouro, conseguiu convencer um dos cabras dele que se entregou[1] e, mais ou menos, indicou o roteiro e foi no calcanhar dele o Tenente Zé Rufino, que foi alcança-lo perto de Barra do Mendes e ali ainda travaram fogo, sendo ele abatido e a companheira gravemente ferida. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

         

Curioso é pensar que Zé Rufino e o padre não mantinham estreitas relações, muito pela postura de cada um frete ao cangaço. Enquanto o religioso buscava auxiliar a polícia para que os bandos se rendessem pacificamente, Zé Rufino era um caçador em busca de presas, durante a sua carreira como militar sagrou-se como “O matador de Cangaceiros”.

Na sequência, em tom de regozijo, o padre anota:

 

Viu-se assim a esperança raiar aurora de paz. Brasileiros e sertanejos nordestinos. Louvando, agradeci a Nossa Senhora Aparecida que lhe deveis como vos pode jurar aos pobres. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

O trecho que se segue, relata a missa celebrada após a morte de Corisco e a celebração pelo fim do cangaço:

 

No dia 30 de maio, reunida toda a população da cidade, não só a classe armada, como também os paisanos, convidados para uma comissão, tendo por chefe o D. Montalvão. Teve lugar no altar de São João Batista, Querido padroeiro desta freguesia, uma missa em ação de graças por haver terminado o banditismo pela entrega de Ângelo Roque e a morte do Corisco. No fim da missa, fui ao púlpito onde dei infinitas graças a São João Batista e a Nossa Senhora em cujas mãos foi lançado naquele altar em novembro de 1930 o pedido para se entregarem e cujo pedido, chegando aos ouvidos de Lampião, o fez retirar-se em 30 de novembro de 1930 para as brenhas com os seus 18 companheiros, esperando o que faria em favor dele o novo governo, por intermédio do governo Juracy[2] e de cujas brenhas saíram em março de 1931, quando alma perversa lhes mandou embaixador que não confiou no padre porque o padre nada fazia que servisse a eles. (Livro de Tombo da Igreja de São João Batista de Jeremoabo, p. 116)

 

            José de Magalhães e Souza foi enérgico no combate pacífico ao cangaço, durante as negociações, recusou-se a ir à Portugal visitar o pai em seu leito de morte com medo de perder a janela temporal que acreditava estar aberta a permitir o fim do banditismo no Nordeste.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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[1] O cangaceiro que entregou o paradeiro de Corisco foi Velocidade II, José Porfírio dos Santos, natural de Bebedouro, atual cidade de Coronel João Sá. Quando Corisco decide fugir, ele se desfaz do antigo traje de cangaceiro para melhor disfarce, entrega suas roupas a velocidade que vai à polícia se entregar levando consigo as roupas do antigo chefe. É ele o autor da celebre frase: “Corisco não se entrega por causa da mulher”, se referindo a uma possível resistência de Dadá para aceitar a rendição, mesmo com Corisco já incapacitado de brigar por conta de graves ferimentos em seus braços.

[2] Juracy Magalhães foi nomeado interventor da Bahia no governo Vargas, era militar e adquiriu grande prestígio durante a revolução de 1930 liderando uma coluna militar que percorreu o Nordeste pelo litoral, adentrando os territórios de Alagoas, Pernambuco, Sergipe e Bahia. É pai do político Jutahy Magalhães e o avó de Juracy Magalhães Júnior. Foi Senador Federal, Embaixador, Ministro de Estado, Presidente da Petrobras e da Vale do Rio doce, entre outros cargos importantes.

 


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

NEGOCIAÇÕES COM ÂNGELO ROQUE.


 

Nos eventos das entregas de 1938 em Jeremoabo, Bahia, o arisco Ângelo roque reluta em ceder aos apelos do vigário da cidade para se render. No trecho abaixo (parte do livro O EMBAIXADOR DA PAZ) veremos como essa difícil negociação foi conduzida pelo religioso.

Como se sabe, Ângelo Roque e Corisco ainda relutavam em se entregar. Não há registro de tentativa de contato do padre com Corisco, já com Ângelo roque, as negociações parecem ter se arrastado por muito tempo e a insistência do vigário pode ter ajudado o pernambucano Labareda a tomar a difícil decisão de se entregar. No afã de ver Labareda se entregar, o religioso toma uma atitude ousada, atitude essa, desconhecida até esse momento em que escrevo essas páginas, a despeito da sua magnífica importância. Escreve o padre:

 

Ainda esperavam nas caatingas e que eram os grupos de Corisco e Ângelo Roque, no dia 3 (1939) eu chamei um paroquiano de confiança e o incumbi de ir urgente em procura de Ângelo Roque e lhe dizer que eu, em nome de Nossa Senhora, lhe mandava dizer que aproveitasse a boa vontade do Capitão Felipe e que se entregasse sem demora e que fosse sem medo, pois chegando na Bahia haveria quem se interessasse por ele e que eu esperava que o próprio Sr. Arcebispo que sabia quanto ele se tinha esforçado 1933 para reunir (como reuniu) muitos companheiros a fim de se entregarem e como esteve com 24 e que só não se entregaram porque houve um mal-entendido do lado das forças ou traição ou não sei o que, que não quero ainda hoje saber, pois este Ângelo esteve desde fins de fevereiro até princípios de agosto quieto, sem roubar nem matar e com vontade de se entregar com os companheiros, o que não aconteceu também porque ele só queria, de acordo com o comandante, a entrega, quando chegasse a Lampião, como chefe geral. – Desta vez, porém, deu bom resultado o nosso apelo e ele mandou dizer que, confiando nos homens e em mim, com o Sr. Arcebispo, estava definitivamente resolvido a entregar-se ao capitão Felipe.

 

Algumas informações importantes que nos ajudam a compreender o processo das entregas podem ser retiradas do fragmento acima que foi transcrito na íntegra. A primeira delas, diz respeito ao fato de o padre aparentemente conhecer a localização de Ângelo Roque, um cangaceiro procurado e ainda em atividade. Isso pode nos revelar uma relação mais estreita entre o religioso e o bandido. Relação essa reforçada pela insinuação de que a ideia da entrega já havia sido apresentada a Labareda em um outro momento pretérito, aparentemente em 1933, como o mesmo padre havia citado anteriormente. O segundo ponto que merece a atenção do leitor é a informação de que, nessa suposta negociação em 1933, o comandante da polícia havia alegado que Ângelo Roque só se entregaria se Lampião também o fizesse. Seria essa uma informação verdadeira? talvez nunca saibamos.

Mas o mesmo trecho manuscrito por José de Magalhães e Souza ainda nos traz algo de muito importante. Note que, no recado enviado a Ângelo Roque, o padre afirma que se valerá do próprio Arcebispo da Bahia para que intercedesse em seu favor em caso de prisão na Bahia (Salvador). Como veremos adiante, a promessa do padre não seria mentirosa pois, uma vez consumada a prisão de Labareda e seu bando e a posterior transferência de todo o grupo de Paripiranga para Salvador, o padre escreve ao arcebispo e cumpre a promessa de ajudar Labareda na prisão.

 

No dia 4 de maio, escrevi ao Arcebispo, D. Augusto Álvaro da Silva[1], lembrando-lhe a obrigação que tínhamos de consciência de interceder pelo Ângelo Roque que, confiando nos homens e sobretudo em mim e no Sr. Angusto, acabara de resolver entregar-se, deixando em paz estes pobres sertanejos já cansados de sofrer. (Livro de Tombo da Igreja de São João Batista de Jeremoabo, pág. 113)

 

          Eis aqui o cumprimento da promessa feita a Ângelo Roque para que se entregasse. Ao que tudo indica, o contato feito pelo padre através de um positivo com Labareda ainda em atividade, foi feito nas imediações de Jeremoabo ainda em 1938, a carta acima citada, é registrada no Livro de Tombo a 4 de maio de 1940, o que indica que a missiva havia sido enviada dias antes e fora lançada no livro para que, como veremos, ficasse o registro para a posteridade tanto do cumprimento da promessa por parte do vigário e da atitude de Labareda no sentido de se entregar.

          É importante ressaltar que a entrega de Ângelo Roque só ocorreria alguns dias depois da carta, em 30 de maio de 1940, o que indica que a correspondência foi enviada antes, como uma espécie de salvo conduto para o chefe de grupo.

          No dia 30, como dito, o Capitão Felipe Castro, citado pelo padre no recado enviado a Ângelo Roque, foi ao encontro do bando em Bebedouro e realizou a entrega com a cessão dos armamentos dos cangaceiros. O grupo seguiu para Paripiranga de onde foi organizada a transferência para Salvador.

          A chegada do grupo de Ângelo Roque também foi noticiada na imprensa da época revelando o quanto os grupos de cangaceiros eram motivo de interesse dos jornais e, sobretudo, a expectativa criada em toda a sociedade com a possibilidade de findar o cangaço no Nordeste.




[1] Nascido no Recife a 8 de abril de 1876, estudou no seminário diocesano e foi ordenado padre em 5 de março de 1899. Em 12 de maio de 1911 tornou-se bispo de Floresta e tornou-se Arcebispo da Bahia em 1936, dois anos antes das entregas. Faleceu em Salvador aos 92 anos a 14 de agosto de 1968.


Já em Salvador, os jornais também noticiaram a chegada dos bandoleiros com frenesi. O ESTADO DA BAHIA, fez o seguinte relato:

 

O bando de Ângelo Roque já está com roupa de gente: nem o chapelão de couro, nem as cartucheiras, nem o fuzil a tiracolo, nem o punhal à cintura. O cabelo, porém, ainda grande, barba por fazer. (O Estado da Bahia, apud BONFIM, 2019, p.75).

          O vigário de Jeremoabo revela toda a sua perspicácia para intermediar situações, mostrando que ele sabia exatamente o que estava fazendo e o fazia de forma deliberada. A fim de oferecer base argumentativa para o Arcebispo em missão de interceder por Labareda, o padre escreve em carta:

 

[...] e que por isso, ele deverá falar às autoridades para usarem com ele da possível tolerância, sendo que, se não fosse por este meio, o sertão ainda tinha de sofrer muito e o governo ainda gastar muito com o movimento de tropas sem nada conseguir a não ser o aumento do sofrimento para o sertanejo e a paralização das plantações no sertão e castigar suas pessoas, as pobres comunidades que sustentam as capitais e que dá comida a todos. É o pobre trabalhador sertanejo. Por ser verdade e para que o futuro conheça o merecimento de Ângelo Roque, pelo esforço dele para servir aos companheiros em 1933, para se entregar, lanço aqui tudo isso.

José de Magalhães e Souza.

 

          Infelizmente, não se tem os registros de intercessão do arcebispo da Bahia em favor do ex-chefe de grupo. É igualmente desconhecida qualquer declaração de Ângelo Roque afirmando ter sido traído pelos religiosos com quem conversou durante o processo das entregas ou qualquer afirmação de sensação de abandono como as tentativas de Dadá de conseguir quem intercedesse por ela enquanto esteve presa.[1]

          Talvez nunca tenhamos a certeza se o arcebispo atendeu ou não aos apelos do Padre Magalhães, contudo, entendo não ser digno de estranhamento pensar que os bons relacionamentos do ex-cangaceiro na capital tenham tido alguma influência do religioso que, naturalmente, gozava de enorme prestígio na sociedade da época.

          Não há o registro da data da visita, contudo, o padre Magalhães reporta em seus registros a visita que fez a Ângelo Roque e parte do seu grupo na penitenciária em Salvador: “Fui confessar os presos que estavam na cadeia e eram em número de 9, sendo 3 do extinto grupo de bandidos e o cabeça, Ângelo Roque”. (livro de Tombo da Igreja de São João Batista de Jeremoabo, p. 152).

          O registro em questão nos mostra que, mesmo após a transferência de Ângelo Roque e seu bando para Salvador, o vigário continuou monitorando as condições em que os entregues estavam sendo mantidos e buscando meios, como vimos, de garantir tratamento digno aos prisioneiros.

          A notícia do julgamento e condenação de Ângelo Roque a 95 anos de prisão parece ter caído como uma bomba para o padre. Com tristeza e resignação, o religioso reporta em suas anotações o ocorrido, ressaltando que todo o seu esforço teve como objetivo alcançar a paz:

 

[...] muito tinha trabalhado para reunir os companheiros a se entregarem, eu, cumprindo o meu dever de consciência, expus aos meus paroquianos o que pensava e o que era digno de absolvição (Ângelo Roque). Não por ele, mas que tinha evitado muitíssimos outros males e que, se ninguém conhecia, era preciso eu explicasse para não ficar com minha consciência doendo como traidor ou como ingrato e para que, no futuro, ninguém tivesse o direito de dizer que não sabia. Afinal, entrou em júri e foi condenado a 95 anos de prisão. (Livro de Tomo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, p. 165).

 

          Vários pontos importantes podem ser notados no fragmento acima para o leitor mais atento. O primeiro deles é a exaltação do papel de Ângelo Roque durante as negociações de paz, depois o vigário segue falando sobre a sua frustração, pois, como veremos adiante, sua expectativa era de que o antigo cangaceiro Labareda tivesse a absolvição por parte dos jurados. Hoje sabemos que a pena inicial foi abrandada, informação que, obviamente, não estava disponível no momento e o vigário acreditava que a duríssima penalização de Roque seria cumprida, fato que muito o entristeceu.

          No relato a seguir, escreve sobre como se dirigiu aos paroquianos manifestando a sua desaprovação à condenação de Ângelo Roque:

 

Como, em meu modo de ver, foi uma ingratidão dos jurados, pois ele não veio ao tribunal arrancado das brenhas pelos soldados e sim, por um convite em nome de Nossa Senhora, a esperança dos homens, cumpriram o que lhe prometiam. Para a eterna memória, lanço aqui a verdade em consciência. José de Magalhães e Souza. (Livro de Tomo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, p. 165).

         

Como vimos, a lealdade do padre ao acordo feito com Ângelo Roque em 1938 se manteve mesmo após o julgamento deste em 1941.

Existem evidências consistentes de que o vigário visitou Labareda e os homens presos em Salvador por mais de uma vez, o próprio vigário lança essa anotação em seu livro de Tombo no princípio dos anos 1940.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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[1] Quando esteve presa em Salvador, Dadá, ex-companheira de Corisco, escreve ao famoso rábula Cosme de Farias e suplica pela sua intervenção. Na oportunidade, Sérgia Ribeiro, a Dadá, encontrava-se em difícil situação na prisão. Sem uma das pernas, amputada após o combate que vitimou Corisco e com pesadas acusações jurídicas contra si, Dadá alega não ter mais a quem recorrer. Cosme de Farias, conhecido como o advogado dos pobres, impetra Habeas Corpus em favor de Dadá, em dezembro de 1941 e consegue libertá-la da prisão. O advogado prático ainda fez mais, presenteou a ex-cangaceira com uma máquina de costura, instrumento com o qual, Dadá se sustentou por anos, criando filhos e netos com a notória habilidade que tinha como costureira desde os tempos do cangaço. 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Quanto valia um escravizado sertanejo?




No princípio do mês de maio de 1884, o velho Francisco Correia de Souza morre em sua fazenda Olaria, nas imediações de Vila do Bom Conselho. Em seu inventário de 85 páginas manuscritas, tocado pela viúva Maria Arcênia de Jesus, um patrimônio enorme é avaliado e descrito pelo juiz municipal.

Entre os bens de Francisco Correia, estão 14 cativos, homens e mulheres. Os adultos têm idade entre 20 e 57 anos e duas crianças, descritas apenas como “os inocentes”.

Já é bem pormenorizado na literatura, que os escravizados tinham preços muito variáveis a depender de fatores como idade, porte físico, estado de saúde, sexo, especialidade no trabalho e outros. Tais características poderiam elevar ou reduzir consideravelmente o preço do ser humano exposto ao sistema escravista brasileiro.

Os escravizados de Francisco Correia, com efeito, estão detalhadamente descritos em seu inventário. É o caso de Maria, assim descrita no documento:

 

Maria, crioula, solteira, com trinta e sete anos de idade com os ingênuos José, Manoel, e Francisco, matriculado sob o número novecentos e noventa e quatro de matrícula geral do município e sete da relação, avaliados por trezentos e cinquenta mil réis;

 

Veja que no caso de Maria e seus filhos, o preço é estipulado em conjunto, como se mãe e filhos pequenos fossem encarados como inseparáveis na hora da venda.

Já no caso dos homens, os preços foram estipulados separadamente, como se fosse bens comuns e valiosos. É o caso de Sérgio:

 

Sérgio, Cabra, vinte e oito anos de idade, solteiro, matriculado sob o número de mil e três da matrícula geral do município e dezesseis da relação. Avaliado por seiscentos mil réis;

 

Sérgio era um dos escravos mais valiosos do inventário. Com base em um outro processo, sabemos que este homem foi assassinado cerca de cinco anos depois por um dos seus companheiros de cativeiro, quando já pertencia a um dos filhos do falecido, Raymundo Correia, que o teria herdado com base no mesmo inventário.

Mas, sabendo que os escravos mais valiosos de Francisco Correia de Souza valiam cerca de 600 mil réis, como é possível termos uma noção do valor prático que essa quantia significava para a época?

A resposta para esse questionamento está no próprio inventário que avalia os demais bens do falecido. Essa relação nos dá uma boa ideia do quão valioso poderia ser um escravo, que poderia valer tanto quanto uma casa de laje na vila do Bom Conselho, de acordo com o mesmo documento.

Para efeito didático, acrescentarei abaixo uma lista com alguns bens e seus respectivos valores, a fim de que, o leitor possa fazer sua própria análise:

 

·       Um boi – valor: 27 mil réis;

·       Uma vaca – valor: 22 mil réis;

·       Uma casa na Vila – valor: 600 mil réis;

·       Uma casa na fazenda – 150 mil réis;

·       Um cavalo russo – valor: 200 mil réis.

 

Com base na lista acima, podemos notar que para adquirir um escravo como Sérgio, o fazendeiro tinha que demandar uma quantia equivalente a cerca de 22 vacas.

Mais uma vez para efeito didático, vamos fazer uma tentativa de transformar esse valor em moeda corrente atual, mas isso é somente uma estimativa.

Tomando como base um valor referência para uma vaca nos dias de hoje, poderíamos afirmar que um animal adulto, de raças que encontramos no sertão atualmente, poderíamos estimar o preço de um homem adulto e possivelmente com alguma especialidade laboral em cerca de 50 a 60 mil reais em valores atuais.

Confesso que esse exercício de calcular o preço de uma vida humana é algo que me causa um certo incômodo, contudo, a proposta desse blog é compartilhar com os entusiastas da história do sertão aquilo o que a documentação nos trás a título de informação e como eu já afirmei aqui anteriormente, o escravismo não carece de romantizações.


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 Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de HistóriaO NazistaFátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da PazMaria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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