O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

MATARAM CORISCO E BALEARAM DADÁ! Como a notícia da morte do Diabo Loiro chegou à Jeremoabo.

 

Fonte: Blog do Mendes.

Por Moisés Reis.

 

Obs. Esse texto é baseado na obra O EMBAIXADOR DA PAZ.

 

No livro O EMBAIXADOR DA PAZ, abordo a atuação do vigário de Jeremoabo, o português Jose de Magalhães e Souza que buscou por anos intermediar a rendição de grupos de cangaceiros e pacificar o sertão.

Como é conhecido pela história, os bandos de Ângelo Roque e Corisco, foram os últimos em atividade, estando atuantes mesmo após a morte de Lampião. Com a rendição de Labareda em Paripiranga-Ba, apenas Corisco, embora fora de combate, ainda perambulava pelas caatingas.

O vigário, com isso, temia que Corisco arregimentasse novos membros e voltasse ao combate e acompanhava com certa angústia o desenrolar dos fatos até que a notícia da morte de Corisco chega à Jeremoabo, conforme se lê no relato feito a próprio punho pelo padre no livro de tombo da paróquia:

 

 

No dia 28 de maio, chegou aqui pelo rádio a notícia de que tinha sido morto, acima de Morro do Chapéu, perto de Barra do Mendes, o chefe do último grupo dos bandidos (o terrível Corisco) que, apesar de aconselhado, como foi Ângelo Roque, atacou um dos missionários de paz de 1933, dele pediu dinheiro sob prova de morte e teve ocasião depois de dizer a alguém que, quando alguém falasse em entregar-se, que “arrancasse a língua com o punhal”. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

          O lamento do padre, adapto da política da não violência, se deve ao fato de ele mesmo e de outros religiosos terem tentado por diversos meios convencer Corisco a se render. Na sequência, completa:

 

Esse não quis atender ao convite do Capitão Felipe, a quem tinha garantido entregar-se em Paripiranga no dia 19 de maio e assim enganou o capitão e não quis acatar o conselho firme do vigário de Jeremoabo que lhe pediu por Nossa Senhora. Então tomaram uma menina e fugiu com a companheira Dadá e a menina e viajaram rumo a Jacobina, Morro do Chapéu e dali em diante como se fossem romeiros que ia para Bom Jesus da Lapa. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

No trecho que se segue, o vigário reporta como, em seu ponto de vista, Zé Rufino teria rastreado Corisco e conseguido interceptá-lo na fazenda Pacheco:

Afinal, em Bebedouro, conseguiu convencer um dos cabras dele que se entregou[1] e, mais ou menos, indicou o roteiro e foi no calcanhar dele o Tenente Zé Rufino, que foi alcança-lo perto de Barra do Mendes e ali ainda travaram fogo, sendo ele abatido e a companheira gravemente ferida. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

         

Curioso é pensar que Zé Rufino e o padre não mantinham estreitas relações, muito pela postura de cada um frete ao cangaço. Enquanto o religioso buscava auxiliar a polícia para que os bandos se rendessem pacificamente, Zé Rufino era um caçador em busca de presas, durante a sua carreira como militar sagrou-se como “O matador de Cangaceiros”.

Na sequência, em tom de regozijo, o padre anota:

 

Viu-se assim a esperança raiar aurora de paz. Brasileiros e sertanejos nordestinos. Louvando, agradeci a Nossa Senhora Aparecida que lhe deveis como vos pode jurar aos pobres. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista de Jeremoabo, pág. 121)

 

O trecho que se segue, relata a missa celebrada após a morte de Corisco e a celebração pelo fim do cangaço:

 

No dia 30 de maio, reunida toda a população da cidade, não só a classe armada, como também os paisanos, convidados para uma comissão, tendo por chefe o D. Montalvão. Teve lugar no altar de São João Batista, Querido padroeiro desta freguesia, uma missa em ação de graças por haver terminado o banditismo pela entrega de Ângelo Roque e a morte do Corisco. No fim da missa, fui ao púlpito onde dei infinitas graças a São João Batista e a Nossa Senhora em cujas mãos foi lançado naquele altar em novembro de 1930 o pedido para se entregarem e cujo pedido, chegando aos ouvidos de Lampião, o fez retirar-se em 30 de novembro de 1930 para as brenhas com os seus 18 companheiros, esperando o que faria em favor dele o novo governo, por intermédio do governo Juracy[2] e de cujas brenhas saíram em março de 1931, quando alma perversa lhes mandou embaixador que não confiou no padre porque o padre nada fazia que servisse a eles. (Livro de Tombo da Igreja de São João Batista de Jeremoabo, p. 116)

 

            José de Magalhães e Souza foi enérgico no combate pacífico ao cangaço, durante as negociações, recusou-se a ir à Portugal visitar o pai em seu leito de morte com medo de perder a janela temporal que acreditava estar aberta a permitir o fim do banditismo no Nordeste.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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[1] O cangaceiro que entregou o paradeiro de Corisco foi Velocidade II, José Porfírio dos Santos, natural de Bebedouro, atual cidade de Coronel João Sá. Quando Corisco decide fugir, ele se desfaz do antigo traje de cangaceiro para melhor disfarce, entrega suas roupas a velocidade que vai à polícia se entregar levando consigo as roupas do antigo chefe. É ele o autor da celebre frase: “Corisco não se entrega por causa da mulher”, se referindo a uma possível resistência de Dadá para aceitar a rendição, mesmo com Corisco já incapacitado de brigar por conta de graves ferimentos em seus braços.

[2] Juracy Magalhães foi nomeado interventor da Bahia no governo Vargas, era militar e adquiriu grande prestígio durante a revolução de 1930 liderando uma coluna militar que percorreu o Nordeste pelo litoral, adentrando os territórios de Alagoas, Pernambuco, Sergipe e Bahia. É pai do político Jutahy Magalhães e o avó de Juracy Magalhães Júnior. Foi Senador Federal, Embaixador, Ministro de Estado, Presidente da Petrobras e da Vale do Rio doce, entre outros cargos importantes.

 


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