O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A família Dantas substitui os Ávilas no sertão baiano.

Disponível em: https://www.elo7.com.br/quadro-paisagem-regional-por-do-sol-no-o-sertao/dp/171E459

 

No livro CÍCERO DANTAS MARTINS, DE BARÃO A CORONEL, Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior, narra a chegada do jovem Cícero Dantas Martins, o futuro barão de Jeremoabo, ao sertão. Era dezembro de 1859, e o jovem Cícero, com 21 anos, retornava de um período de cinco anos no Recife, onde cursara a faculdade de direito na capital de Pernambuco. Após uma longa viagem, parte dela a bordo de um vapor, Cícero chegava ao sertão que se enchia de festa com a notícia de um sertanejo doutor.

O poder político dos Dantas, naquele momento, já era consolidado no sertão, mas não somente em Itapicuru e Jeremoabo, como veremos no comentário que se segue na mesma obra:

 

De modo muito particular o recém formando Cícero simpatizava pelas terras em que a 8 de julho de 1812, o missionário capuchinho frei Apolônio de Todi fez erguer uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Bom Conselho e em 1817 se tomou freguesia, sendo desmembrada da paróquia de São João Batista do Jeremoabo do sertão de Cima e parte da de Nossa Senhora de Nazaré do Itapicurú de Cima. A ligação de Cícero com essa terra tinha sua razão de ser. Era atávica. Seu avô, o capitão-mor João Dantas dos imperiais, já havia lá penetrado desde os princípios do século XIX, pois o último tombamento de terras patrimoniais da Casa da Torre, feito em 21 de outubro de 1815, por Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque Cavalcanti de Ávila Pires, já mencionava o nome de João Dantas, com as respectivas fazendas, entre os arrendatários da família D’Ávila: “Quizaba a Francisco Ribeiro Pessoa, Manhenga a José Cardoso de Figueredo, Estrelo a Inácio Teles de Carvalho, Tanque de traz a João Dantas dos Imperiais, Boqueirão a Marcelino de Almeida Soares, Folheira a Antônio da Costa, Tanque Novo a Manuel Nunes do Nascimento, Trindade a Marcelino Soares. (p.63).

 

          A descrição que vemos acima, é um panorama de como ocorreu a mudança de mandonismo no sertão, afinal, a lacuna deixada pela Casa da Torre no sertão, seria preenchida pela família Dantas.

 

Antes de 1832, o capitão-mor João Dantas estreitou ainda mais a ligação de sua família com a freguesia de Bom Conselho, comprando da já decadente Casa da Torre os terrenos que compunham a referida freguesia. Além dessas terras, o avô de Cícero, aproveitando a má administração das terras arrendadas pelos senhores da Torre e a progressiva falta de controle deles sobre elas, foi adquirindo sítios, fazendas, enfim, enormes extensões de Terras que o tomaram a si e a seus descendentes os substitutos dos Garcia Dávila no sertão. (p.63).

 

          Esse processo de transição, como vimos, deu-se a partir do avô do Barão, João Dantas dos Reis Portátil que inicia o decurso de aquisição de terras no sertão. De uma posição privilegiada, o posto de procurador da família Ávila, João Dantas, inicia já em 1815 o processo de aquisição de enormes áreas de terras no sertão e fará dele mesmo e de seus descentes, os mandatários desta região por longos anos.

          O avô do Barão, nasceu João Dantas dos Reis Portátil, em Itapicuru, a 19 de março de 1773, era a segunda geração da família a nascer no engenho Camurciatá, para depois mudar o próprio nome para João Dantas dos Imperiais Itapicuru, na ocasião das lutas pela independência na Bahia e em Sergipe, causa que abraçou com afinco, chegando a formar um exército de dois mil homens e de transformar o engenho camurciatá e fazenda Caritá, duas de suas propriedades, em quartéis generais, dedicados à causa de independência.

          Durante o processo de aquisição de terras no sertão, comprou, entre 1815 e o ano da sua morte, 1862, diversas propriedades em terras sertanejas. Dessas, 4 propriedades, constam nos registros eclesiásticos de terras (APEB) como tombo da casa da torre, indicando que foram adquiridas dentro do enorme latifúndio da família Ávila. São essas as fazendas campos, Jerônimo, Tanque de trás e Sítio da lagoinha.

          Como dito, a propriedade dos Ávilas em princípio do século XIX, abocanhava boa parte do que hoje é a região Nordeste do país, considerados por alguns estudiosos como o maior latifúndio alguma vez já existente na América Portuguesa. De modo que, precisar onde exatamente se localizavam essas propriedades é uma tarefa demasiadamente complexa.

          Entretanto, outras áreas de terras adquiridas por João Dantas Portátil, podem ser mais facilmente localizadas. Dessa forma, consta no mesmo registro de terras eclesiásticas, 8 propriedades no julgado de Jeremoabo, 1 em Nossa Senhora do Amparo (atual Ribeira do Amparo), totalizando 13 fazendas na área atualmente classificada pelo governo da Bahia como Semiárido Nordeste II.

          João Dantas dos Imperiais Itapicuru, veio a falecer em Salvador, a 10 de novembro de 1862, aos 64 anos. Com sua morte, um dos seus filhos, João Dantas dos Reis, pai do barão, herdaria parte dessas propriedades e elevaria o patrimônio adquirido por herança de forma substancial.

          Entre os anos de 1854 e 1860, estão registradas em seu nome 8 fazendas na Vila do Bom Conselho, 12 no julgado de Jeremoabo, 5 em Itapicuru, 3 em Monte Santo, 2 em Tucano e 8 em Capim Grosso. Totalizando 38 propriedades em uma área enorme do sertão que um dia pertencera à Casa da Torre.

          Como podemos notar, João Dantas dos Reis, consolida o mandonismo da família Dantas no sertão. Um patrimônio semelhante, eleva não somente a questão financeira da família, mas também a deixa em posição privilegiada nos aspectos políticos e de prestígio local.

          Embora os Dantas tenham enfrentados reveses políticos, sobretudo ficando por muitos anos como opositores ao governo constituído, sempre gozaram de muitos prestígios e privilégios que permearam por gerações da linhagem familiar.

          O membro do clã que alcançou maior notoriedade política, talvez tenha sido Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, que iniciou a sua vida política na Vila do Bom Conselho, da qual foi o primeiro presidente de câmara em 1875, sua ligação com aquela vila é tamanha que foi sepultado na igreja matriz da localidade que hoje carrega o seu nome, Cícero Dantas.

          Quando da sua morte, em 1903, o Barão tinha, de acordo com o seu inventário, 61 fazendas espalhadas entre o sertão e o recôncavo, duas delas eram engenhos, o Camurciatá, em Itapicuru e o engenho Regalo, no recôncavo. A transformação desta última propriedade em um engenho central, conferiu-lhe o título de Barão de Jeremoabo, conforme se vê abaixo:

 

D. Pedro II concedeu títulos nobiliárquicos ao visconde de Sergimirim, que passou a conde, o barão da Oliveira, a visconde e ao bacharel Cícero Dantas Martins criado barão de Jeremoabo. Essas concessões foram outorgadas pelo fato dos referidos senhores, terem fundado o primeiro Engenho Central do norte e o quinto do Brasil. O primeiro saco de açúcar refinado pela fábrica foi enviado ao imperador. Eis a integra do Decreto de amerceamento do bacharel Cícero Dantas Martins a barão: “ Querendo distinguir e honrar o bacharel Cícero Dantas Martins, pelo relevante serviço que prestou a lavoura do país, construindo, a sua custa, na freguesia de Bom Jardim, termo de Santo Amaro da Província da Bahia, um Engenho Central para a fabricação do açúcar, hei por bem conferir-lhe o título de Barão de Jeremoabo; e quis e mandou que o dito bacharel Cícero Dantas Martins daí em diante se chamasse Barão de Jeremoabo, e com o referido título goze de todas as honras, privilégios, isenções, liberalidades e franquezas, que haviam e tinham e de que usavam e sempre usaram os barões, e que de direito lhe pertencessem. Palácio do Rio de Janeiro em dezesseis de fevereiro de mil oitocentos e oitenta, quinquagésimo - nono da independência e do império”. (cf. Dantas Júnior, O Barão de Jeremoabo..., p.28)

 

          Esse poderio político se estenderia para muito além dos anos de vida do Barão, seus filhos, netos, bisnetos e trinetos foram e ainda são influentes em diversos seguimentos da sociedade.

          A família Dantas hoje, não é mais a detentora de terras que fora no passado, boa parte das fazendas e engenhos que um dia pertenceu ao clã dos Dantas, já foram vendidas por seus descendentes.

As terras que compunham o município de Fátima, contudo, foram vendidas (ao menos a parte mais significativa) por dois netos do barão, filhos do seu primogênito, João Da Costa Pinto Dantas. Os filhos de João e, por consequência, netos do Barão, que venderam essas terras foram: Arthur e Adelaide, ambos da Costa Pinto Dantas.

João da Costa Pinto Dantas, herdou o sítio Camurciatá em Itapicuru e boa parte do prestígio político do Barão. Estima-se que as suas posses (por herança ou adquirida posteriormente) tenham-se concentrado pelo sertão. Em 1895, casou-se com Ana Adelaide Ribeiro dos Santos e tiveram 9 filhos (Jesuína, Mariana, Artur, Antônio, Adelaide, Aníbal, José, João e Cícero, todos da Costa Pinto Dantas). Desse grande quadro de herdeiros, dois herdaram as terras que hoje serve de alicerce para as moradias fatimenses.

Artur e Adelaide, receberam as terras que iam da atual praça Ângelo Lagoa à divisa com o município de Adustina, mais precisamente a atual fazenda Tabuleiro.

De acordo com a tradição oral, Artur e Adelaide foram, inicialmente, negligentes com os terrenos adquiridos do pai. Os seus procuradores na região, acabaram se apossando de boa parte dessas terras e recebendo indevidamente pagamentos por posses alheias.

Para entender melhor, naquela época, para vendas de terras, se usavam nesta área o termo logradouro, que consistia numa faixa de terra, cuja extensão era estimada a olho nu. Como não havia cercas de arame e a extensão dos terrenos era enorme, o que inviabilizava circundar tudo com macambira o gravatá, a solução encontrada era, via de regra, a abertura de finos e imensos corredores, obtidos a partir do desmatamento, entre uma propriedade e outra. Esses corredores utilizados como divisória, foram, aos poucos, sendo utilizados por transeuntes como estradas e isso originou boa parte das nossas estradas vicinais atuais no município de Fátima.

Ocorre que, essa divisão de terras, não era nada precisa e, aos poucos, a propriedade de Artur e Adelaide foi ficando cada vez menor, o que provocou a visita dos irmãos herdeiros para cuidarem pessoalmente do terreno.

E assim, com o desmembramento dessas propriedades, aliás, um enorme e descomunal latifúndio, o município de Fátima foi surgindo, o que, ocorreu de forma semelhante com boa parte dos municípios da circunvizinhança.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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