O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Foto do final dos anos 1980




Esse flagrante é da Avenida Nossa Senhora de Fátima na esquina do Bar 14. Na imagem é possível visualizar um ônibus estacionado na frente do referido bar e um passageiro desembarcando. A avenida tinha calçamento apenas nas proximidades do Mercadinho JR, sendo o restante ainda sem pavimentação, o canteiro central, entretanto, já havia sido construído. A foto é mais uma contribuição de Juan Kléber para o Blog HF.

Fátima FM, o início do rádio em Fátima




Em 1998, a Associação Rádio Comunitária e Cultural Fátima FM, 98.5 entrava nos lares dos fatimenses e até de cidades vizinhas. Seria aquela a primeira experiência de uma rádio genuinamente fatimense.
A programação era bastante diversificada, músicas de diversos gêneros ecoavam na emissora. Em dias de festa na cidade, o locutor Carlos César Gonçalves trazia as atrações para animadas entrevistas, o que consistia na prévia das festividades em praça pública ou no Clube de Zé de Bilu.
Dentre as atrações que passaram pelo modesto estúdio da emissora que ficava em frente ao atual supermercado Nossa Senhora de Fátima, estiveram a banda Forró Maior, Adelino Nascimento, Ismar Barreto e o mais frequente, Borba de Paula.


Carlos César e Borba de Paula

Carlos César e Ismar Barreto



A rádio foi a principal atração da cidade naquele fim dos anos 1990, na gestão de Eduardo Pires. Os ouvintes enviavam, ou levavam pessoalmente, cartas com pedidos de música ou mesmo declarações de amor nos programas de músicas românticas. Os locutores que conduziam a emissora eram: Carlos César, João Edilson, Jarídson Costa, João Ricardo, J. Almeida, Clériston Dias, Cláudia Valéria e Maria Oliveira.
Segundo relato de Carlos César, que cedeu para o Blog HF as fotografias aqui inseridas e um relato escrito e oral que serviram de base para este artigo, as transmissões foram encerradas no dia 12 de outubro de 1998 após vistoria dos fiscais da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) que detectaram irregularidades no registro da emissora.
Os momentos finais da rádio foram registrados em foto. Era dia das crianças e o locutor Carlos César conduzia um programa com a entrega de brinquedos às crianças da comunidade. A curiosidade relatada por ele fica por conta da compreensão dos fiscais que pacientemente esperaram que a entrega dos brinquedos fosse finalizada, garantindo que as crianças não ficassem sem os mimos. Logo após a emissora foi lacrada pela fiscalização.
A abertura da rádio com irreglaridades gerou alguns problemas na justiça para a administração municipal e parte dos radialistas, mas a rádio Fátima FM já estava com o seu destino selado e deixaria de existir para sempre, deixando muitas saudades entre os fatimenses. Demoraria longos anos até que Fátima viesse a ter uma outra emissora de rádio no município.

Fiscais da ANATEL momentos antes de lacrar a rádio


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Time de futebol nos anos 1970



Mais um registro da prática esportiva e dos hábitos dos fatimenses dos anos 1970. A foto foi tirada no campo da cidade que ficava nos fundos da atual Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Feira Livre na Vila de Fátima dos anos 1960

Nego de Joaquim ao centro, os dois outros rapazes são de Caxias.

Foto tirada na atual Praça Ângelo Lagoa em um dia típico de feira dos anos 1960 próximo ao barracão onde ocorriam as feiras. Pela imagem é possível concluir que as feiras já eram abastecidas por veículos automotores, o que significa que o tempo dos tropeiros de burro já chegava ao fim. Ao fundo é possível ver a fachada das casas, bastante diferente dos aspecto atual.
            

A odisseia da construção de uma casa de taipa



Construir uma casa nunca foi tarefa fácil. É necessário mão de obra especializada, uma gama de materiais de diferentes tipos e origens para erguer uma estrutura que possa ser habitável. Hoje, mesmo com o advento de técnicas modernas, a construção de uma residência continua a ser um desafio para quem deseja construir o seu próprio canto nesse nosso mundo.
            Os nossos antepassados, nesse nosso seco pedaço de chão, precisavam de um esforço muito maior para construir suas moradias e abrigarem suas comumente numerosos proles.
            Além dos fatores econômicos (é sabido que a nossa região, assim como todo o nordeste brasileiro foi muito mais pobre do que é hoje durante boa parte do império e também da república) as técnicas de construção, salve raríssimas exceções, eram rudimentares.
            Na grande maioria dos casos, as casas seguiam o estilo de construção conhecido como Taipa ou ainda casa de pau-a-pique. Uma técnica que utilizava madeira rústica, ou varas, alinhadas nos sentidos horizontal e vertical, criando uma grade de madeira entrelaçada que depois tinha os vãos preenchidos com barro para formar as paredes rudimentares à abrigar as famílias e seus raros bens materiais.
            Não há um consenso entre os historiadores acerca da origem dessa técnica de construção, fato é que, provavelmente é esta originária da mescla dos estilos arquitetônicos vindos de Portugal, técnicas indígenas e de origem africana. Foi amplamente utilizada em todo o Brasil até o as primeiras décadas do século XX, sendo posteriormente substituída pelas casas construídas em adobe sem queima, o adobe queimado e, mais recentemente no nosso caso, pelos blocos de cerâmica.
            A construção das casas de taipa em nossa região no início século XX consistia em uma verdadeira odisseia. A mão-de-obra precisava ser numerosa e o trabalho era dividido por gênero. Geralmente, às mulheres, era dada a tarefa de cuidar da comida para o mutirão e de molhar a terra para formar o barro. Aos homens cabia cortar as varas em um matagal próximo, limpar a área e fazer a trama de varas que consistia na estrutura principal das paredes.
            Em Fátima, temos um rico relato de uma dessas construções fornecido pela fatimense Maria Soledade do Nascimento, conhecida popularmente como “Dona Brinco”. Em entrevista concedida ao pesquisador Juan Kléber Menezes em novembro de 2018, Dona Brinco, portadora de uma memória invejável, narra a construção da casa de seu pais em meados dos 1940.
            Segundo relata a entrevistada, seu pai trabalhou como tropeiro e juntou dinheiro durante longo período em uma lata feita de cofre. O dinheiro era necessário para comprar “somente” as telhas produzidas em olarias e também os pregos, pois os caibros, ripas e, claro, o barro, era encontrado nos arredores do próprio canteiro de obras. Daí em diante, era preciso garantir que os vizinhos, amigos e parente que viriam ajudar, ou dar um digitório na obra tivessem uma carne de criação (carneiro ou bode) para comer.
Quando suspeitou que já havia juntado a quantia necessária para comprar o material, o pai de Dona Brinco e de numerosa prole iniciou a construção, entretanto, mesmo contando com numerosa ajuda, o dinheiro não foi suficiente e ele teve que contar com a solidariedade de amigos de Adustina que vieram ajudar no término da sua casa. Na ocasião, um amigo se solidarizou com a luta do sertanejo e trouxe um grande número de trabalhadores e ainda um carneiro para alimentar a todos e finalmente concluir a casa onde a família moraria por muitos anos.
Contar a história de uma família específica e de um caso tão pontual como a construção de uma casa pode parecer, em um primeiro momento, algo demasiadamente trivial para quem assumiu a tarefa de escrever história, entretanto, é necessário sensibilidade para perceber que esta história especificamente é um valioso retrato do passado de milhões de sertanejos que passaram pela mesma situação. Essa passagem da história de uma família de Fátima, cujos descendentes hoje integram a sua população, serve como uma registro para que as gerações contemporâneas e futuras compreendam a vida nua e crua dos seus antepassados e afinem sua identificação com a memória coletiva de sua gente.



segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Incrível registro da passagem de uma volante em Paripiranga nos anos 1930



A foto faz parte do acervo do pesquisador Marcos Carregosa Lima. Na imagem podemos ver a igreja da cidade que ainda hoje existe e a tropa sob o comando do Tenente Lobo em fila indiana posando para o fotógrafo. Provavelmente a volante estava de passagem por patrocínio do Coité (atual Paripiranga) em perseguição ao grupo de Labareda que atuava nessa região. É possível que o cachorro que aparece em primeiro plano fosse usado para rastrear os cangaceiros. Mais uma cortesia do parceiro Juan Kléber.

A libertação dos escravos e seus efeitos em Fátima e região




Em 13 de maio de 1888 o Brasil dava pontos finais a um dos capítulos mais difíceis da sua história. A lei áurea foi sancionada e a escravidão estava oficialmente extinta no país, fomos a última nação das Américas a finalizar este capítulo vergonhoso da nossa história.
            O fim do regime escravista foi o resultado de um longo processo de lutas abolicionistas que envolveram parte significativa da sociedade em uma luta ferrenha contra as elites agrárias que buscavam a todo custo sustentar a escravidão.
            A consolidação da liberdade para milhares de escravizados causou grande impacto em toda a sociedade. Uma vez livres, os ex-escravos precisavam lutar pela sobrevivência e dignidade. Nos interiores desse imenso país, as pessoas lutavam para se adaptar ao novo regime. Em “Fogo Morto”, José Lins do Rego narra a festa que se seguiu à chegada da notícia entre os escravizados do plantel do Coronel Lula de Holanda e a subsequente debandada dos negros das garras de um “senhorzinho” cruel que maltratava e humilhava seus escravos.
            Não é raro, entretanto, encontrar na literatura casos de ex-escravos que, uma vez libertos, preferiram ficar em seus antigos engenhos e trabalharem para seus ex senhores na condição de mão-de-obra assalariada. Contudo, a quase totalidade desses casos é composta por relatos de uma relação minimamente amistosa entre escravos e senhores no período de vigência da escravidão.
            Nas terras que hoje compõem o município de Fátima, para ficarmos em apenas um exemplo, tivemos o caso do senhor de escravos conhecido como Severo Correia. Documentado pela entrevista realizada com Isaura Borges, pelos professores Maria São Pedro e José Domingos no ano de 1992, o caso de Severo é emblemático.
            Notório pela crueldade com que tratava seu plantel de escravos, Severo que costumava, segundo o relato de Isaura Borges, dar tarefas humanamente impossíveis aos seus negros só para ter o pretexto de castiga-los, passou a ter dificuldades enormes com o fim do regime escravista.
            Segundo relatos documentados na entrevista, todos os seus ex-escravos abandonaram a fazenda onde viviam imediatamente após a libertação, deixando para trás apenas o rude fazendeiro e sua família para dar conta de todo o trabalho que antes era realizado pelos negros.
            De acordo com Dona Isaura, que faleceu com mais de cem anos, o gado passou a morrer de fome ou atolado nas aguadas, as plantações passaram a ser abandonadas e as pesadas multas que o fazendeiro teve que pagar pelo descumprimento do artigo primeiro da lei do ventre findaram por leva-lo à falência.
            Com a ruína, seus filhos passaram a andar maltrapilhos e um deles chegou a cometer suicídio, dando linhas finais às atribulações da família do outrora rico fazendeiro.
            O triste fim de Severo Correia e sua família, é para nós, um retrato dos anos turbulentos que compunham aquele final de século XIX e anos posteriores à proclamação da lei áurea assinada pela Princesa Isabel. Ao que parece, o distanciamento dos grandes centros urbanos, bem como a rispidez do fazendeiro o segaram para a ascensão da onda abolicionista que varria as grandes cidades do império. Em algumas delas como o Rio de Janeiro, por exemplo, o número de registros de escravos caíra muito naqueles anos finais do dezenove, sob muitos aspectos tornara-se vergonhoso ter escravos em determinados bairros; movimentos de arrecadação de fundos para compras de escravos a fim de alforria-los virou constante e a própria princesa regente já aderira ao abolicionismo mesmo antes de assinar a famigerada lei.
Os sinais eram evidentes, as províncias do Ceará e do Amazonas já haviam abolido a escravidão antes mesmo da lei Áurea. No Nordeste, pouco sobrava do plantel de escravos devido à mudança do eixo econômico para o Sudeste, mas esses sinais foram ignorados ou desconhecidos por Severo Correia e, Seguramente, por outros donos de escravos da região, o que não preparou as suas finanças e a estrutura da sua propriedade para a inevitável libertação dos cativos.  
Os anos subsequentes parecem mesmo ter sido de dificuldades para Severo. Em carta ao Barão de Jeremoabo datada de 20 de novembro de 1898 ele se queixa de invasões à sua propriedades e questões relacionadas à terra, o que pode indicar a perda de poder de um proprietário de terras em um tempo em que as escrituras rurais careciam, e muito, de precisão nas marcações. 



Fotografia da chapa João Maria/Augusto Borges




Esse registro compõe o acervo de Juan Kléber Menezes. Mostra a foto de campanha da chapa vencedora da primeira eleição de Fátima como município autônomo. Na oportunidade João Maria concorre para prefeito e tem como candidato a vice Augusto Borges pelo instinto PDS. O ano é 1986.
Mais um importante registro fotográfico que nos ajuda a contar a história da nossa cidade.

Procissão em Fátima. Anos 1970

Jucundo e Zé domingos segurando o andor.



Mais uma foto enviada ao Blog HF por Juan Kléber. A curiosidade da imagem reside nos homens de terno segurando o andor. Segundo relatos de contemporâneos, apenas homens portando terno e gravata tinha autorização para portar a imagem sacra, esses homens, por via de regra, eram pessoas de posse, geralmente doadores de animais para os leilões promovidos pela igreja.

Time de futebol nos anos 1960



A foto foi enviada ao Blog HF pela leitora Vanilda, que hoje reside em São Paulo. Na imagem podemos ver o time do Santos, nome dado à agremiação nos anos em que Pelé fazia sucesso no homônimo paulista.
De acordo com Sinval, que aparece na foto, a época retratada são os anos 1960. O campo da então Vila de Fátima localizava-se no fundo do atual Colégio Estadual antes mesmo deste existir.
Um dado curioso é que, quando as obras da escola iniciaram, atrapalhando o campo, muitos usuários ficaram enfurecidos e uma grande confusão se armou no local. Curiosidades da nossa história.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Uma típica bodega de Fátima dos anos 1950




A foto nos foi enviada pelo pesquisador parceiro Juan Kléber Menezes. É um importante registro de um estabelecimento comercial conhecido entre os sertanejos como "bodega" que ficava localizada na atual Trevessa São Francisco Diassis, rua que liga a praça da igreja à Praça Ângelo Lagoa. A partir da fotografia é possível perceber alguns itens à venda, principalmente bebidas alcoólicas, um antigo rádio sobre o que parece ser uma geladeira a gás (não havia energia elétrica ainda, esta só seria instalada em 1971). O homem que aparece na foto é o proprietário, Osvaldo de Moisés Canoa, também conhecido como "Gata de Moisés". De acordo com o referido pesquisador, o local foi por muitos anos um ponto de encontro de amigos e conhecidos, onde seresteiros cantavam e se divertiam, tendo suas atividades finalizadas em 1958 em virtude de um evento trágico ocorrido naquele ano, sobre o qual não comentaremos por razões de autorização.

A lei do ventre livre de 1871 e seu impacto em Fátima

Imagem ilustrativa. disponível em: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/05/03/lei-do-ventre-livre-nao-tinha-reais-intencoes-abolicionistas/



Promulgada em 28 de setembro de 1871, a lei do ventre livre, também conhecida como Lei Rio Branco foi o resultado de um processo que envolvia a pressão inglesa e do movimento abolicionista junto ao império de D. Pedro II.
Após Ampla discussão é aprovada na câmara por 65 votos a favor, sendo 45 contrários. Concedia alforria automática aos filhos de mulheres escravizadas à partir da sua promulgação. É considerada a primeira lei abolicionista, depois dela ainda tivemos outras duas leis que visavam atenuar a escravidão no país. A saber, a lei Euzébio de Queiroz (1850) e a Lei dos Sexagenários (1885). O documento foi assinado pela Princesa Imperial Regente Isabel, o seu Artigo primeiro diz que os filhos menores de oito anos devem permanecer sob a guarda dos senhores de suas mães que terão a obrigação de cuidar da criança até os oito anos. Ao completar essa idade o senhor de escravos poderia optar por receber uma indenização em títulos públicos ou utilizar-se dos serviços do (a) jovem até os dezoito anos.
E foi justamente esse artigo da lei do ventre livre que reverberou diretamente nos senhores de escravos que possuíam fazendas na região onde hoje é Fátima, em especial o senhor Severo Correia, notório pela forma cruel com que tratava seus escravizados.
De acordo com entrevista feita com Isaura Borges em 2002 pela fatimense Maria São Pedro e o professor José Domingos (trabalho coordenado pelo professor Marcos José de Sousa), Severo foi proprietário da fazenda Maria Preta (As terras da referida fazenda são hoje parte da cidade de Fátima, região do Pisa Macio), escravista por convicção, acreditava que os ideais abolicionistas muito comentados por populares à época jamais teriam adesão significativa em um país cuja força de trabalho era essencialmente escrava.
Suas convicções tinham sentido, visto que o país dependia pesadamente dessa força de trabalho barata, contudo, estavam defasadas pois o movimento abolicionista ganhava força descomunal naquele final do século XIX.
A notícia de que os filhos de suas escravas agora nasceriam livres deve ter impactado fortemente o senhor de escravos e o artigo que o obrigava a cuidar dos jovens alforriados impactou pesadamente nas finanças da fazenda. Segundo Isaura Borges, ele se negava a cumprir a lei e tomar responsabilidade pelos mesmos, tendo que arcar com pesadas multas que foram paulatinamente minando as suas posses até leva-lo à falência total com a Lei Áurea.
Esse registro cedido a mim pela professora Maria São Pedro nos dá uma valiosíssima perspectiva para um período em que Fátima ainda era um pequeno aglomerado de fazendas sob a jurisdição da comarca de Jeremoabo de cima. Terras adquiridas junto à poderosa família Dantas, linhagem do Barão de Jeremoabo. Quero deixar aqui registrado o meu agradecimento por ter a oportunidade de trazer essa história aos nossos contemporâneos e registrá-la para a posteridade.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O cangaço e a ética da virilidade

Cangaceiro, Panca (ao centro), Vinte e Cinco à esquerda e Peitica à direita. Acervo de Kiko Monteiro.

Jessé Souza, em sua obra, “A Ralé Brasileira”, discorre sobre aquilo o que chama de “Ética da Virilidade”. É esta, uma espécie de pacto social velado comum em toda uma classe social do nosso pais, a bem dizer, a classe que ele denomina provocativamente de “Ralé brasileira”.
Tal pacto, é extremadamente difundido de forma irreflexiva entre todo esse segmento social permeando o seu cotidiano, ditando os costumes de milhões de brasileiros. Essa ética confere valor aos atributos de robustez dos homens, hierarquizando esses indivíduos de acordo com seu comportamento. É assim, por exemplo, que homens com características mais masculinas como a valentia e a coragem, são muito bem vistos socialmente. Entretanto, atitudes mais cotidianas e sutis vão aos poucos montando um “cabra macho” no imaginário popular. Características como: Comer em demasia, possuir força física notória, praticar sexo com frequência e outras, são consideradas atributos positivos de um homem.           A lógica também se aplica de forma inversa. A ausência desses “atributos”, são, com frequência, associados ao homossexualismo ou a fraqueza.
Entre as classes mais favorecidas, para citar um exemplo, uma outra lógica se aplica. Aquilo o que é considerado qualidades entre os homens mais pobres como comer em demasia é com frequência visto como sinal de um indivíduo bronco. Para esses homens mais abastados, os principais atributos socialmente aceitos são: Falar mais de um idioma, apreciar vinhos e concertos, uma fala mais rebuscada dentre outros.
Mas o que isso tem a ver com o cangaço?
Essa relação dar-se no âmbito da admiração que o sertanejo tinha e tem, pelos cangaceiros, sobretudo pelo capitão Virgulino, seu símbolo maior. A despeito das polêmicas entre julgar cangaceiros como heróis ou vilões, é público e notório a existência de uma mística de admiração por aqueles homens que perambulavam pela caatinga brigando com fazendeiros e policiais, enfrentando com bravura indômita a repressão do estado e os rigores do clima.
É perfeitamente possível que exista nessa admiração um princípio que nos leve em direção a ética da virilidade abordada por Jessé Souza. Os cangaceiros e suas ações nada mais eram do que a personificação do homem viril.
É claro que fatores como as ações das volantes frente à população desprotegida, sua brutalidade e frieza que fazia desses agentes públicos figuras mais temidas que os próprios cangaceiros ajudaram na construção desse mito e deram aos cangaceiros que, a despeito da sua crueldade, sabiam tratar bem seus coiteiros e aqueles a quem consideravam amigos uma aura de heroísmo. Isto posto, me sinto confortável em afirmar que há nessa relação uma identificação sociológica, uma sentimento de pertencimento e admiração baseados na ética da virilidade.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Getúlio Vargas e o fim do Cangaço



O cangaço foi um fenômeno tipicamente nordestino de banditismo social com apogeu entre as décadas de vinte e trinta do século passado. O cenário nordestino desse período era tão trágico quanto o do advento do movimento de Canudos décadas antes. A população faminta era encurralada entre a seca severa e os desmandos de coronéis que acumulavam poderes frente à negligência do Estado.
É nessa conjuntura de abandono que nordestinos aderem ao banditismo, passando a vagar pela caatinga praticando toda sorte de barbaridades. Não é minha intenção fazer juízo de valor dessas pessoas, mas analisar o processo de construção do fenômeno do cangaço.
Os cangaceiros tinham controversa reputação entre os sertanejos, eram considerados bandidos sem princípios por uns e heróis cantados em verso e prosa por outros. Fato é que o bando de Lampião, só pra ficar em um exemplo, atuou fortemente por mais de duas décadas, demonstrando a incapacidade do poder público de cercear as ações de grupos de cangaceiros.
Em 1930, contudo, essa situação começaria a mudar. Chegava à presidência da república o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas. De acordo com Chagas (2011), Getúlio assume o poder apoiado por parte das oligarquias urbanas e jovens oficiais. Era o fim da república velha e a sociedade clamava por mudanças como eleições limpas (o fim do voto de cabresto, por exemplo) e uma modernização do país, bem como a convocação de nova constituinte.
Tentando se manter no poder, Vargas fez concessões e promessas, ganhando tempo para, em 1934, submeter o país a uma constituição autoritária, mesmo sendo ele eleito presidente um dia após sua promulgação.
Sempre se equilibrando no poder, em 1937 ele assume de vez o posto de ditador implementando o Estado Novo.
O foco de Getúlio Vargas sempre foi o trabalhador urbano, sendo a sua preocupação com o cangaço, um fenômeno regional aqui do nordeste, diminuta. Entretanto, os descontentamentos com o seu governo cresciam com as ações de imposição, não sendo abafados mesmo sob a intensa propaganda estadonovista.
Ainda de acordo com as ideias de Chagas (2011), a promotoria da cidade de Água Branca, em Alagoas, envia enérgica carta para Vargas relatando a incapacidade das volantes (polícia) dos estados nordestinos de capturar Lampião, símbolo maior do cangaço, e dar ponto final ao cangaço que manchava a reputação dos governos locais.
A reação do governo federal foi imediata, provocando um efeito cascata onde a pressão ao governo do estado de Alagoas levou à constrição do diretor de polícia do estado, o Major Lucena que, por sua vez, convocou o tenente João Bezerra a trazer a cabeça de Lampião em um período de trinta dias.
Essa atitude, aqui contextualizada, e diversos fatores menores, levaram a ação policial que resultou no massacre de Angicos de 28 de julho de 1938, onde morreram Lampião, Maria Bonita e outros nove cangaceiros.
A morte de Lampião foi o estopim para os dias finais do cangaço. Depois dos acontecimentos de Angicos, os subgrupos de cangaceiros iniciaram o processo conhecido como “entregas”, onde bandos inteiros negociaram com as autoridades a deposição das armas e cumprimento das penas, para aqueles que cumpriram pois o própria Vargas, em uma tentativa de acelerar o fim do cangaço, concedeu indulto a alguns cangaceiros, livrando-os da pena.
Em 1940, o bando de Labareda, que atuava na região de Fátima e municípios vizinhos, se entrega em Paripiranga, cumprindo o ciclo de entregas, pondo fim ao terror do cangaço entre nossos antepassados.

O Barracão e a Feirinha

Seresteiros na praça do barracão. Anos 1950.

Muitos fatimenses já ouviram pessoas chamarem a atual cidade de Fátima de Feirinha. Por vezes, a denominação é carregada de um tom pejorativo e o fatimenses, por via de regra, não gostam de ouvir a cidade ser assim chamada, sobretudo por pessoas de outros municípios.
            Quando eu entrevistei “Seu Faustino” em 2018, ele me fez um relato detalhado sobre uma construção que, assim como a palavra “feirinha”, também povoa o imaginário do nosso povo.
Seu Faustino me falou sobre o barracão que abrigava a antiga feira da localidade então conhecida como Mocó.
            Pessoalmente eu já tinha ouvido falar desse barracão que ficava na atual Praça Angelo Lagoa, essa, ainda hoje chamada por muitos fatimenses de “Rua Velha” por ser a primeira rua da cidade, erguida durante os 1920 e 1930.
            O barracão foi, segundo Borges (2009), um pedido do próprio fundador da cidade, meu trisavô, Ângelo Lagoa, cujo nome real era Ângelo José de Souza, feito ao coronel mandatário da época e região, Chiquinho Vieira, ancestral da poderosa família Viera de Cícero Dantas.
            A construção do barracão teve o propósito de abrigar uma pequena feira naquela localidade, muito distante do centro urbano mais próximo, Bom Conselho. A inauguração deu-se a 10 de fevereiro de 1935, segundo Borges (2009) e uma pequena feira, ou uma Feirinha passou a funcionar ali desde então até ser transferida para a avenida nossa senhora de Fátima no final dos anos 1980 e chegar à atual localidade, na Praça da Feira já nos anos 2000.
            A pequena feira livre ali estabelecida, trouxe mais comodidade aos fatimenses da época e deu nome à localidade, esta, que ainda nem tinha recebido o status de vila, o que só veio a acontecer em 1960, passou então a ser nomeada popularmente como Feirinha.
           

Fátima, década de 1950



A foto, tirada na década de 1950, foi cedida ao Blog HF pelo pesquisador Juan Kléber Menezes e pertence a sua avó, Dona Nivalda.
Na imagem podemos observar que algumas jovens posam para a fotografia em clima de descontração. O fator mais importante nessa foto é o local. Foi tirada na igreja matriz quando esta ainda era uma pequena capela.

Foto dos anos 1970 mostra a Avenida Nossa Senhora de Fátima



A foto, tirada em 1972, foi cedida ao Blog HF pelo pesquisador Juan Kléber Menezes. O local é a avenida Nossa Senhora de Fátima em frente à escola de mesmo nome, conhecido pelos fatimenses como Escola Estadual.
            Na imagem podemos ver moradores posando para a foto em frente à um automóvel Variante, ao fundo uma rural. Esses modelos não são mais vistos circulando pelas ruas com raras exceções.
            O dono do carro em primeiro plano é o senhor Francino, um dos primeiros fatimenses a adquirir um veículo.
            A avenida aparece ainda sem a pavimentação e as fachadas das casas, em estilo neocolonial são bastante diferentes do aspecto atual.
            Os fatimenses registrados na imagem são: Dona Nita, Seu Francino e Dona Maria de Francino.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Foto dos anos 1980 mostra a Avenida Nossa Senhora de Fátima ainda sem calçamento.




Foto cedida ao Blog HF pelo pesquisador Juan Kléber Menezes. A imagem mostra parte da principal avenida da cidade ainda sem calçamento em meados dos anos 1980. A parte da avenida fotografada fica nas proximidades da esquina do Bar 14 e mostra, entre outras casas, a do senhor Jucundo que, embora reformada, ainda existe.
            É perceptível a radical mudança na arquitetura das construções. Onde antes existiam casas muito simples fazendo menção a um estilo neocolonial, temos as construções bem mais moderados dos dias atuais.
            Os automóveis eram relativamente raros à época e o transporte de pessoas e mercadorias era feito no lombo de animais como o jumento que aparece na foto. Mais um registro importante da vida dos fatimenses no passado.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

O deputado Paripiranguense que ajudou João Maria a conseguir a emancipação de Fátima.

Fonte: Site da ALBA


Faustino Dias Lima nasceu no dia 23 de julho de 1930 em Paripiranga. Foi eleito deputado estadual pelo PDS em 1983, ocupando o cargo até 1987. Antes de se engajar na carreira política foi auditor fiscal e ocupou diversas cargos na prefeitura de Feira de Santana onde teve importante papel em diversas administrações, tanto é que uma grande escola municipal da referida cidade carrega o seu nome.
 Ainda não está claro o grau de proximidade entre o deputado e João Maria de Oliveira. Fato é que o próprio João Maria cita, em entrevista ao jornal Tribuna da chapada em 1987 a importância do apoio do deputado.
Na oportunidade, o então prefeito de Fátima narra toda a odisseia da emancipação que teria iniciado ainda em 1953 pelo próprio chefe político, com diversos projetos engavetados só sendo efetivada com o apoio do político paripiranguense em primeiro de Abril de 1986.
De acordo com o pesquisador Juan Kléber, que é da família do ex-deputado,  Dona Ludi, viúva de João Maria, afirma que a amizade dos dois foi longeva. na foto abaixo, João Maria e Faustino aparecem juntos na ocasião do plebiscito onde a maioria dos fatimenses optaram pela emancipação política do distrito.




quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Você já ouviu falar em Luzerna?



Desde a mais tenra infância, ouvi das pessoas mais velhas, histórias assustadoras do suposto fenômeno paranormal denominado popularmente de Luzerna.
Em pesquisa no Google, a palavra luzerna aparece unicamente como menção a um município de Santa Catarina que carrega tal denominação. De acordo com o dicionário Aurélio Online, a palavra Luzerna significa clarão, luz intensa.
Seu significado no dicionário diz muito sobre a representação que o povo fatimense tem desse fenômeno. O imaginário popular do povo de Fátima e região, dá conta de ser esse um fenômeno ligado à forças ocultas.
Conversando com pessoas que acreditam piamente no evento, as explicações vão em direção aos dogmas do catolicismo. Segundo a tradição popular, a luzerna é uma enorme “bola de fogo” que é avistada em noites escuras, assustando e perseguindo pessoas nas áreas mais afastadas, quase sempre na zona rural.
A sua ligação com o catolicismo reside na explicação popular  da ocorrência, segundo a qual, seria este o ingrato destino de dois indivíduos (compadres ou comadres) que ousem alimentar uma intriga e percam o contato. O castigo divino para a quebra do “contrato” de batismo católico seria a transformação de ambos em Luzernas após a morte.
Curiosamente o fenômeno em questão é relativamente bem documentado pela ciência. Várias teorias científicas levantam hipóteses que tentam explicar as assustadoras bolas de fogo.
Em artigo enviado a mim pelo amigo João Paulo Andrade, a luzerna é estudada com a denominação de Relâmpago Globular, que basicamente significa a mesma coisa.
De acordo com o mesmo, é este um fenômeno atmosférico muito raro e ainda sem explicação definitiva, provavelmente resultante do eletromagnetismo. Outras teorias complexas ainda associam a luzerna a queima do silício vaporizado.
A despeito da complexidade das teorias que tentam trazer uma explicação sobre a Luzerna, para minha surpresa, existem diversos registros documentados ao longo da história em diversas partes do mundo, o que nos leva a concluir que o fenômeno de fato é real, mas que, provavelmente, não tem nenhuma ligação com o sobrenatural.
Um fato curioso que eu não poderia deixar de registrar é que durante os meus anos de aluno do ensino fundamental, esse tema foi abordado em uma aula de ciências na antiga oitava série, hoje nono ano. Na aula do professor Carlos Iscarias, pai de João Paulo que me indicou o tema da Luzerna.
Uma outra hipótese foi levantada. De acordo com a ideia apresentada pelo professor em mais uma de suas aulas extraordinárias, a luzerna seria resultante da queima do gás metano ao entrar em contato com o ar atmosférico.
É provável que um dia exista uma explicação científica definitiva para as Luzernas que povoam o imaginário do fatimense, contudo, o que é para mim mais importante nesse momento é a oportunidade de registrar mais uma característica do nosso povo e da nossa história através de um dado curioso como este.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Visita ao castelo Garcia D’ávila

Ao fundo, a capela do castelo.


Essas são as ruínas de uma edificação que data dos séculos XVI e XVII. Sua construção foi iniciada por Garcia de Sousa D’Ávila ainda nos anos 1500. Sua arquitetura tem o estilo medieval, é a única construção das Américas com tais características e só foi concluída setenta anos após o início.

Início da visita, Filme conta a história do castelo. Ao fundo, Tiago e Família.

Como já abordado em textos anteriores aqui no Blog, Garcia D’Ávila era filho do primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Sousa, que veio à colônia para acabar com as capitanias hereditárias e modificar a maneira como Portugal administrava o Brasil quinhentista.

Mesmo após sua morte, em 1609, sua família deu seguimento ao legado de poder e riqueza. A família Ávila ostentou a posse do maior latifúndio de que se tem notícia em toda a história, cerca de 800 mil quilômetros quadrados de terras.

Achados arqueológicos encontrados no entorno da edificação. Destaque para os crânios humanos à minha esquerda.

Dentre essas terras, estava o atual munício de Fátima, onde os vaqueiros da família chegaram em meados do século XVIII para dar seguimento ao processo de expansão da pecuária, proibida de ser praticada no litoral.
Esses vaqueiros estão na gênese da nossa cidade e de nosso povo. Chegaram margeando o rio Vaza Barris para expulsar os indígenas e criar gado no “sertão.
Essa edificação, hoje um museu administrado pela Fundação Garcia D’Ávila fica na Praia do Forte, litoral norte da Bahia, guarda esse pedaço importante da história do Brasil e também do nosso povo.  

Maquete da casa, como ele foi no passado.


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A simplicidade da vida na vila de Fátima dos anos 1960

Foto, arquivo pessoal de José Elício


Em fins dos anos 1980, José Elício, conhecido por todos como “Zelício de seu Tóta” resolve iniciar o curioso projeto de escrever as suas memórias e o seu ponto de vista dos anos entre a infância e a adolescência vividos na então Vila de Fátima.
Tais registros, cuidadosamente datilografados (escrito ainda com máquinas de escrever) em cerca de trinta páginas, hoje já amareladas em decorrência dos seus mais de trinta anos de existência, são panorama interessantíssimo de como era a vida cotidiana dos nossos antepassados que aqui viviam por aquela época.
É trabalho do historiador colocar filtro sobre as memórias, saber interpretá-las e fazer daquilo o que parece algo muito pessoal de quem escreveu, uma janela panorâmica que nos leva automaticamente ao passado, este inacessível, no sentido mais literal do termo, por definição.
A narrativa de Zelício é um retrato a nos mostrar a vida dos fatimenses do passado. À partir das suas memórias, é possível compreendermos as relações familiares, marcadas pelo patriarcalismo, onde o homem era, ao mesmo tempo, o provedor e a autoridade máxima da casa. Sem me prestar a generalismos toscos, sinto-me confortável para afirmar que aquela geração viveu os rigores de um conservadorismo intenso que, aos olhos da pós-modernidade, pode assumir uma conotação inaceitável.
A forma como as mulheres eram tratadas dá sustentação a isso. Além de uma submissão quase que inconteste, os relatos presentes no referido texto de memórias nos conta essa história com mais detalhes. Segundo Zelício, as moças (nome dado à época para a mulheres jovens, solteiras e virgens) vestiam-se quase sempre com vestidos ou saias. Os vestidos eram confeccionados com muito tecido, avolumando o corpo das jovens abaixo da cintura, enquanto as saias eram acompanhadas de diversas anáguas que se estendiam até os tornozelos, deixando apenas os seus pés à mostra.
Fátima era apenas uma vila com uma dezena de casas formadas no entorno da atual praça Angelo Lagoa, algumas outras na atual Avenida Nossa Senhora de Fátima e pequenos sítios na vizinhança da vila.
Sem água encanada, o abastecimento era feito no lombo de jumentos, tocados por meninos muito jovens como fizera o próprio Zelício. Os galões de água eram abastecidos na Nação, um antigo reservatório de água que, segundo Borges (2009), fora cavado inicialmente com mão-de-obra escrava e que hoje recebe o esgoto da maior parte da cidade. Ingrato destino.
Sua água abastecia os potes das casas dos moradores e serviam para beber, cozinhar, tomar banho e demais atividades domésticas cujo uso da água era imprescindível. Não havia tratamento químico, uma das poucas práticas de higienização da água consistia em coar com o pano de prato.  
As festas eram pequenos bailes realizados nas próprias residências, sempre ao som do forró. Como não havia eletricidade, a animação ficava por conta do sanfoneiro, no caso do texto, essa tarefa ficava a cargo de Antãozinho, um zabumbeiro e um tocador de triângulo.
A molecada brincava livre, a forma como as mães do passado criavam seus filhos assustaria as mães de hoje. As crianças saiam de casa e por via de regra tinham apenas que voltar em determinado horário, o que faziam neste meio tempo ficava por sua conta. É claro que as mais diversas recomendações eram declamadas dia após dia, mas a forma de encarar a criação dos filhos mudou muito, como não poderia deixar de ser, com o passar dos anos.
Assim, colhiam frutas nas roças dos conhecidos, tomavam banho em tanques, caçavam passarinho, corriam, jogavam futebol e outros esportes no meio da praça sem pavimentação.
Um relato interessante feito por Zelício é que os meninos costumavam colocar visgo de jaca no muro do cemitério para pegar passarinhos. Isso nos leva a concluir que na época, o cemitério local, hoje um dos três da cidade, mas o mais velho, era rodeado pela caatinga. Aspecto bem diferente do atual, onde encontra-se totalmente rodeado pela cidade.
Não é intenção desse texto buscar um olhar nostálgico acerca do período retratado nem de narrar a vida de uma pessoa em particular. Ao ler os escritos de Zelício, busquei toma-los como base para construir um relato mais fidedigno possível da vida cotidiana dos fatimenses que viveram os anos 50 e 60.