O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Raimundo Oleiro ajudou a construir Fátima

Raimundo Oleiro. Foto cedida pela família.



A Olaria é considerada a mais antiga das indústrias. O oleiro, profissional das olarias, é aquele que confecciona utensílios ou objetos à partir da argila.
Ainda no neolítico, os homens primitivos começaram a substituir cabaças, cacos de cocos e demais vasilhames naturais por vasos de cerâmica. Teria início ali a arte de moldar o barro para a produção de objetos que facilitavam a vida das pessoas.
Diversos povos indígenas brasileiros faziam uso variado da cerâmica. Aqui mesmo na região nordeste da Bahia os kirirs, que habitavam toda esta área, já faziam uso do barro moldado bem antes da chegada do portugueses. Os exemplos mais eloquentes disso são as urnas funerárias (vasos de cerâmicas onde ossos humanos eram sepultados em rituais fúnebres) encontradas em Paripiranga nos anos 1970 e em Cícero Dantas na construção do estádio municipal.
Mas a variação da olaria mais conhecida entre os sertanejos é mesmo as tendas responsáveis pela fabricação de telha, adobe (“adobo”, para nós) e ladrilhos, utilizados na construção civil. Essas oficinas eram amplamente populares. Em nossa região, funcionaram por décadas, sendo substituídas pelas modernas fábricas cerâmicas no início dos anos 1990.
As olarias tinham sempre a mesma arquitetura. Uma estrutura aberta, sustentada por colunas de madeira e um telhado enorme que, devido ao tamanho exagerado curvava-se com frequência, dando campo ao surgimento do ditado popular “Mais curvado do que espinhaço de olaria”, geralmente empregado à pessoas com patologias na coluna vertebral que andavam com as costas curvadas. Contavam ainda com o barreiro, um buraco no chão umedecido de onde a matéria prima, o barro, era retirado e um forno para o cozimento da produção.
Em Fátima, um dos mais famosos oleiros foi o senhor Raimundo Gonzaga dos Santos, popularmente conhecido como Raimundo Oleiro. Este, inclusive, dá nome à rua onde ficavam as suas duas olarias.
Raimundo Oleiro chegou à Fátima nos anos 1960, era natural de Itabaianinha, Sergipe. A sua olaria forneceu adobes, telhas e ladrilhos para a maior parte das antigas construções fatimenses. O trabalho junto aos filhos gerou material para construir as primeiras casas da cidade. Suas olarias funcionaram de 1962 a 1995 quando ele se aposentou. O ofício rendeu uma vida relativamente confortável para Raimundo e sua família que foi sustentada durante décadas através do ofício.
Seu Raimundo faleceu no dia 15 de setembro de 1999 aos 74 anos, deixando numerosa família que ainda reside na cidade, a maioria dos quais, na rua que carrega o seu nome.

Ladrilho, tijolos e telhas construída na antiga olaria. Acervo da família.


sexta-feira, 27 de março de 2020

A bodega de Félix Gabriel




            O poeta paraibano Jessier Quirino narra os icônicos personagens nordestinos personificados nos donos de bodega, os trejeitos e a peculiar impaciência desses senhores, verdadeiros patrimônios da nossa cultura.
            Em Fátima temos diversos exemplos desses comerciantes de um tempo em que não existiam especificidades para um comércio. Tudo se encontrava nas bodegas, de pílula cibalena a munição de arma de fogo eram prontamente embalados no papel que se cortava de um grande cilindro e entregues ao freguês comprador.
            Esses estabelecimentos sobreviveram até os anos 1990. Na minha infância fui até a bodega de Paulo das Galinhas comprar “linha pau” para costurar bolas de futebol e também na bodega de Elias Pereira comprar “Quitute”.
            Nas décadas de 1950 e 1960, a bodega de Félix Gabriel era uma das mais famosas da cidade. Como todo comércio deste tipo, vendia-se de tudo o que a população local necessitava. Localizava-se na Praça Ângelo Lagoa, consistia em uma construção rudimentar que se estendia até a rua dos fundos, onde hoje funciona a papelaria “J. Oscar”. Nas prateleiras a variedade era facilmente visível ao visitante que chegava ao balcão.
            Umas das peculiaridades da bodega de Seu Félix era que este não vendia fiado, ao contrário de outros estabelecimentos que possuíam o famoso caderno de fiados. Seu Félix tinha o temperamento ríspido, como todo bom bodegueiro, não admitia cometer erros nas contas ao passar troco. Sempre que uma dúvida surgia repetia o mesmo bordão: “Félix Gabriel de Santana não passa troco errado, você que é burro e não sabe contar”.
            A impaciência tornou-se uma de suas principais características. Aborrecia-se facilmente com freguês muito perguntador e não hesitava em mandar embora aqueles mais enfadonhos. Sua bodega foi uma das pioneiras, recebia mercadorias dos tropeiros vindos de Sergipe pelo acesso da estrada real.
            Eram outros tempos, de homens e mulheres com hábitos muito diferentes dos nossos. Nos dias de hoje, todo bom comerciante sabe que o atendimento é um dos pilares básicos de um negócio próspero. Mas esses são valores da contemporaneidade, não se aplicando a um período tão distante no tempo. Para se ter a dimensão desta disparidade, Seu Félix exigia a fidelidade da clientela. Se soubesse que um de seus fregueses estava comprando em outro lugar, negava-se a vender a essa pessoa.
            O temperamento de Félix Gabriel, para se ter uma ideia, custou-lhe a vida. Conta-se que, certa vez, trabalhava na roça quando foi surpreendido por um enxame de abelhas que o atacou ferozmente. Ele conseguiu correr, mas as abelhas atacaram um burra que possuía. Ele, tomado pela raiva, sacou sua peixeira e investiu contra as abelhas que o picaram dezenas de vezes. Os ferimentos causados por essa ação insana o levaram a morte.  

Esse artigo tem como coautor, Juan K. Menezes

Obs: Existiram outros famosos bodegueiros na cidade e pretendo falar de mais alguns, contudo, aguardo

quarta-feira, 25 de março de 2020

HQ Histórias do Cangaço.



Praça Ângelo Lagoa, anos 1980.



A foto foi tirada entre 1986 e 1988 (não se sabe com exatidão). A garotinha da imagem é Daniela de Joaninha, a professora Dany. Ao fundo é possível ver o Jardim da Independência recém-construído. As bordas que separavam os canteiros eram feitas com formas geométricas muito baixas e os globos que protegiam as lâmpadas muito característicos.
Lembro muito bem dessa aparência do jardim, quando minha família mudou-se para a praça em 1992 ele ainda era assim, lembro dos globos cheios de besouros atraídos pelas lâmpadas. Os automóveis ao fundo são duas variants, uma delas estacionada em frente à casa de Zé de Ana. A enorme figueira que ainda hoje existe mostra-se frondosa, em frente à casa de Seu Otávio e Dona Ana.

Foto enviada ao Blog HF por Juan K. Menezes

segunda-feira, 23 de março de 2020

O privilégio de ter sido criança na Praça Ângelo Lagoa dos anos 1990

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y4mkalKPg9U

Em meados de 1992 a minha família trocou a casa onde morávamos, na Avenida Nossa Senhora de Fátima, pela velha casa construída nos anos 1930 na Praça Ângelo Lagoa. Me lembro bem do estranhamento que me causou aquela cumprida casa antiga, de telhado baixo e uma fachada com cerca de cinquenta centímetros de espessura. “Feita para suportar tiros de fuzil de cangaceiros!”, era a teoria do meu pai.
            Eu não sabia ainda, mas aquela mudança faria toda a diferença nos anos subsequentes da minha infância. Ali fiz bons e numerosos amigos que cultivo até os dias de hoje, à despeito do distanciamento que a vida, as atividades profissionais e o tempo nos impõe.
            As brincadeiras daquela geração seriam demasiadamente estranhas às crianças de hoje. Não quero aqui me render à sentimentalismos e nostalgia tola. O que desejo, isto sim, é “pintar um retrato” daqueles anos juvenis vividos na praça do jardim, ou rua velha, como alguns prefeririam.
            Ali brincávamos de MÃE DA LUA que Consistia em um jogo de paciência e coragem, pois a punição para quem vacilava era severa. Dois campos eram estabelecidos e ficavam à cargo de duas equipes rivais. Para derrotar o oponente, era preciso atravessar o campo “inimigo” e retirar uma bandeira (representada, com frequência, por um galho de árvore pequeno) que ficava ao fundo, muito bem protegido pelos jogadores da outra equipe. Quem fosse apanhado dentro do campo adversário levava murro nas costas até que conseguisse se desvencilhar e voltar ao seu campo.
            CHUTA LATA era outra atividade divertida onde um ficava na busca dos demais que se escondiam pelas imediações.  Ao avistar um dos participantes o buscador deveria bater a lata no chão e falar o nome do avistado em voz alta, o objetivo dos que se escondiam era chutar a lata antes de ser descoberto. Quando isso acontecia o buscador perdia e precisava repetir o processo.
            Havia também as variações do futebol como TRAVINHA, onde traves ou metas pequenas eram posicionadas sem goleiro e dois times disputavam quem fazia mais gols. TOQUINHO era a variação do futebol praticada no jardim, quando o vigia não estava olhando ou havia sido demitido pela prefeitura. Um goleiro guardava a meta enquanto dois jogadores ficavam à sua frente tocando a bola de um lado para o outro. O objetivo era fazer três gols, neste caso o goleiro perdia e cedia espaço para outro que aguardava de fora, mas se o goleiro conseguisse segurar a bola dentro da área, o jogador que tocou por último trocava de lugar e passava a defender no gol. No jogo denominado SALÃO, um goleiro ficava na guarda enquanto dois jogadores tocavam a bola na frente, parecia muito com o Toquinho, entretanto só valia o gol se a bola não tocasse o chão antes de ser chutada. A bola pra fora eliminava o jogador. Por vezes brincávamos de LANÇAMENTO, onde um jogador cruzava a bola para um pequeno grupo que deveria tentar o cabeceio.
            Diz a velha máxima que filho de pobre se diverte com qualquer coisa. E, nesse caso, parece ser a mais pura verdade. Qualquer objeto virava um brinquedo, uns mais inusitados que outros. Assim, um pneu de carro com água dentro e dois cabos de vassoura virava, com um pouco de imaginação, um possante automóvel, um vasilhame de água sanitária com uma aba na lateral e um cordão para puxar virava um divertido brinquedo, assim como um pedaço de tábua e alguns rolamentos de carro eram convertido no mais emocionante dos carros de corrida. Que sufoco era controlar aquele carro nas curvas do jardim!
            E quantas outras formas de diversão inventávamos. Formiguinha, bandeira, Rasga meia, pula corda, carro de lata, bola de gude, bingo com tampa de refrigerante e uma infinidade de coisas que nos fizeram crescer felizes naquele ambiente saudável e acolhedor da Praça Ângelo Lagoa.

domingo, 22 de março de 2020

Acidente trágico nos tira Totô


Foto cedida pela família

No dia 10 de outubro de 2011, uma madrugada de domingo para segunda feira, a cidade acordou com a fatídica notícia. Um acidente nas proximidades do antigo matadouro municipal vitimou dois jovens que retornavam de uma festa na cidade de Cícero Dantas. A moto na qual trafegavam se chocou com um cavalo solto na pista, levando a morte de Totô, aos 26 anos de idade.
Ele nasceu Luciano dos Santos Andrade, mas para os amigos sempre foi Totô. À um só tempo irreverente e encrenqueiro, fazia a alegria das pessoas da Praça Ângelo Lagoa. Quando criança, nos anos 1990, os jovens com um pouco mais de idade se divertiam fazendo os mais novos brigar (coisas de uma outra época) e Totô sempre fora dos mais afoitos.
Brigava por que gostava. Vez por outra desafiava dois outros garotos para o duelo na praça, eu mesmo já participei por diversas vezes dessas batalhas de criança.  Por mais estranho que possa parecer aos olhos da contemporaneidade, essas “brincadeiras” jamais levavam a algo mais sério, no mesmo dia os brigões esqueciam a intriga e voltavam a jogar futebol ou praticar outra brincadeira qualquer como se nada houvesse se passado.
As brincadeira daquela turma, diga-se de passagem, eram, para dizer o mínimo, ortodoxas. Entre as mais famosas estava a que se chamava “Mãe da Lua”. Consistia em um jogo de paciência e coragem, pois a punição para quem vacilava era severa. Dois campos eram estabelecidos e ficavam à cargo de duas equipes rivais. Para derrotar o oponente, era preciso atravessar o campo “inimigo” e retirar uma bandeira (representada, com frequência, por um galho de árvore pequeno) que ficava ao fundo, muito bem protegido pelos jogadores da outra equipe. Quem fosse apanhado dentro do campo adversário levava murro nas costas até que conseguisse se desvencilhar e voltar ao seu campo.
Por incontáveis vezes brincamos, despreocupados e concentrados nas brincadeiras. A Praça Ângelo Lagoa era um verdadeiro oásis para a garotada que se divertia sem compromissos. Um outro espaço demasiadamente saudoso para a minha geração é o campo de “Pedão”, que ficava próximo à torre, onde jogávamos futebol nas tardes de sol com a numerosa turma de amigos. O zagueiro Totô, com suas pernas cumpridas, era figura cativa, sempre se fazia presente.
Totô foi protagonista de diversas e hilárias histórias provocadas por suas peraltices. Certa vez se envolveu em um acidente com sua famosa bicicleta monark azul e um caminhão. As notícias davam conta que o menino havia morrido, foi um furdunço até se constatar ser falsa a informação. Em outra ocasião atirávamos em passarinhos na figueira que ainda hoje existe na frente da casa de Seu Otávio com um instrumento feito de bexiga e parte de uma garrafa Pet quando  fomos surpreendidos por seu Zé da Barreira que fez o pobre menino provar do próprio remédio para dar o exemplo.
Tenho diversas lembranças da sua amizade. Sua personalidade de menino inocente o acompanhou por toda a vida, jamais agia por maldade e sempre estava disposto a ajudar. Fomos amigos por longos anos desde o dia em que minha família foi morar na Praça Ângelo Lagoa em 1992. Por ironia do destino estive com ele na tarde que antecedeu o acidente. O que fica são as lembranças de um menino feliz que se foi tão cedo, de forma tão abrupta. Sempre guardarei boas lembranças do amigo Totô. Hoje, ao passar pelo local do acidente, lembrei-me dele, parei a moto em frente à capelinha construída em sua homenagem e decidi fazer essa singela homenagem. Descanse em paz, meu amigo.


quinta-feira, 19 de março de 2020

Lampião matou uma criança com o seu punhal?

Lampião segurando o punhal. Disponível em: http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2015/01/


O sertanejo que viveu entre as décadas de vinte e trinta do século passado habituou-se à dureza da vida imposta pelo clima e também pelas inúmeras e graves questões de cunho social. Além da seca que assolava o chão sobre o qual pisava, a violência de cangaceiros e forças policiais imprimiram um povo duro, muitas vezes ríspido e alheio à sentimentalismos.
As ações de cangaceiros e volantes criaram inúmeros traumas entre “os paisano”, como eram conhecidas as pessoas que não tomavam partido de um lado ou de outro nas lutas.
Esse clima de violência e rivalidades entre policiais e bandidos deu margem ao surgimento de inúmeras lendas envolvendo, sobretudo, os cangaceiros. Como se sabe, Lampião foi o maior expoente do cangaço e, por consequência, a figura mais presente nas lendas.
Durante as minhas pesquisas, fiz inúmeras entrevistas com moradores de Fátima e região. Em mais de um caso, me deparei com uma história macabra que já tinha ouvido, inclusive, na minha infância. A história dá conta de que, certa vez, Lampião pegou um bebê e o jogou para o alto, aparando a criança na ponta do seu enorme punhal. A narrativa afirma ainda que esse foi o motivo principal da sua morte em 28 de julho de 1938 na grota do angico, Sergipe. Isso porque, de acordo com a história, a ação brutal e injusta contra uma criança teria quebrado o feitiço que “fecharia o corpo do cangaceiro” deixando-o, assim, vulnerável aos tiros dos seus inimigos.
            De acordo com o historiador e pesquisador do cangaço, João de Sousa Lima, esse é apenas uma das lendas que envolvem a figura de Lampião. Afirma que boa parte desses lendas eram espalhadas pelas volantes entre a população a fim de desencorajar as pessoas a ajudarem os bandoleiros ou mesmo agirem como coiteiros. Além da história da criança supostamente morta à golpes de punhal por Virgulino, há ainda a lenda de que o cangaceiro teria prendido os testículos de um homem que praticava incesto em uma gaveta e teria dado o prazo de dez minutos para que este se soltasse para não morrer, obrigando assim o indivíduo a castra-se.
            Uma outra lenda diz que os cangaceiros sempre fugiam das perseguições empreendidas pelas volantes porque enganavam os policiais ao moverem-se pelas copas das árvores. Essa última história, nos dá a ideia de como tais lendas eram vazias de significados pois qualquer pessoas que conhece minimamente a vegetação da caatinga saberá ser impossível pendura-se sobre as pequenas, espinhosas e espaças árvores desse bioma.
            Não é de se admirar que muitas lendas tenham sido criadas em torno desses icônicos personagens da nossa história, tampouco é digno de admiração o fato de pessoas idosas como o morador do formigueiro, Seu Sebastião – 96 anos – ainda rememorarem essas lendas de cangaceiros.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Fátima, anos 1970



Foto tirada na avenida Nossa Senhora de Fátima, nas imediações do local onde hoje funciona o bar “Oxente”. Os jovens na imagem são José Elício e Maria Olga, Filhos de Tóta André e D. Chiquinha. A avenida, ainda sem calçamento aparece muito diferente do que é hoje. Ao fundo, podemos ver algumas árvores e construções que não existem mais.

Desfile Cívico, anos 1970



Essa fotografia foi enviada ao Blog HF pelo parceiro e pesquisador Juan k. Menezes. É o registro de um desfile cívico de 1970, na atual Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima quando a entrada da escola ainda dava para a avenida de mesmo nome, a foto, entretanto, foi tirada na parte dos fundos da escola e esta se chamava Escola Municipal Monsenhor Galvão..
Nessa época, Fátima ainda era uma vila pertencente ao município de Cícero Dantas. Ao fundo vemos as fachadas das casas da avenida com aparência bastante diferente dos dias atuais. O detalhe do muro muito mais baixo do que hoje se apresenta é interessante pois permitia aos transeuntes acompanhar o desfile da calçada. Vemos a banda de fanfarra ao fundo, bem como, um grupo de jovens alunas em primeiro plano.

Jardim da Independência, Praça Ângelo Lagoa, anos 1980.



A foto mostra um aspecto bem diferente do atual jardim da Praça Ângelo Lagoa. A praça passou por algumas reformas ao longo dos anos. Já nos anos 2000 o jardim foi totalmente revitalizado e ganhou uma aparência mais moderna. Na imagem em questão, os canteiros da construção eram bastante rasteiros e haviam poucas plantas para enfeitar. As casas ao passaram por poucas modificações com exceção da casa da esquina que foi totalmente demolida e deu lugar a um moderno sobrado. É possível visualizar a antiga prefeitura que funcionou na referida praça ao fundo e ao centro da foto.
Quando eu era criança, nos anos 1990, minha família mudou-se para a Praça Ângelo Lagoa onde minha mãe reside até hoje. Me lembro bem de brincar nesse jardim ainda com essa aparência da foto. Alí jogávamos bola e arranhávamos os dedos nos carrinhos de rolimã.

sábado, 14 de março de 2020

Jornal de Paripiranga noticia a passagem de Lampião pela Região

Patrocínio do Coité, 23 de dezembro de 1928. Jornal O Paladino. Ano X - N° 9.

Na edição de 23 de dezembro de 1928 o jornal O Paladino da então Vila de Patrocínio do Coité noticiava a passagem do rei do cangaço por essa nossa região. Os fatos da reportagem foram narrados à redação do jornal pelo Coronel João Sá que tinha encontrado com Lampião e seu bando no Sítio do Quinto na noite anterior. O Coronel, deputado naquela ocasião, seguia de Jeremoabo (escrito com “G” na época) para Salvador em seu automóvel Ford na companhia do seu pai e de um aliado político, um dos trajetos da viagem era seguir de Jeremoabo para Salgado onde pegaria o trem em direção à capital baiana. Na altura do atual município de Sítio do Quinto o coronel e seus companheiros de viagem foram surpreendidos pelos cangaceiros. A conversa foi amistosa, Lampião pediu dinheiro para o político e foi prontamente atendido. Na verdade, nascia ali uma longa amizade que traria benefícios para João Sá, mas também problemas com a justiça.
            De acordo com a reportagem, de passagem pela vila do Coité, João Sá relata o seu encontro com o bandoleiro e a história logo vira notícia. É bem possível que a população local tenha ficado apreensiva com a proximidade do grupo de Lampião da povoação. O encontro de Lampião com os moradores de Patrocínio do Coité não tardaria a acontecer.
            A passagem de Virgulino Ferreira as Silva e seu bando por toda essa região é narrada com riqueza de detalhe por Oleone Coelho Fontes no livro Lampião na Bahia de 1988. Na obra é relatada a entrada do grupo na Bahia, fugindo de intensa campanha de perseguição das volantes de Pernambuco após a frustrada tentativa de invasão da cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Após esse fato, Lampião e parte do bando ruma para a Bahia onde alega chegar em paz mas logo entraria em confronto com a polícia local.
            A edição do jornal Paripiranguense compõe o acervo da UNIAGES e foi enviada ao Blog HF pelo pesquisador Juan K. Menezes e é mais uma fonte a atestar a intensa atividade de cangaceiros por essa circunvizinhança. 

sexta-feira, 13 de março de 2020

Conexões: Da ditadura civil militar a Fátima



No dia primeiro de abril de 1964 o presidente João Goulart era deposto do cargo e a presidência fora decretada vaga pelo congresso nacional. Os militares assumiram o poder alegando questões de segurança nacional enquanto a população assistia atônita aos movimentos de tropas com tanques e blindados nas capitais e nas principais cidades do país. Era o golpe militar de 1964.
Aquele foi o dia que durou vinte e um anos. Apoiados pelos EUA, os militares se revezaram no poder durante esse período, sem eleições e com o arrocho da censura, opositores do regime foram presos, torturados, mortos ou exiliados. Muitos desapareceram nos porões da ditadura e até hoje seus restos mortais são procurados pelos familiares.
Nos grandes centros urbanos do país, a despeito de toda a nação viver sob o mesmo comando, haviam dois grupos basilares com percepções distintas acerca dos acontecimentos políticos. De um lado haviam aqueles que não se interessavam por política e preferiam levar as suas atividades sem se importarem com os rumos do país, fechando os olhos para a miséria, a corrupção e os desmandos dos comandantes. De outro haviam os que corajosamente se opunham ao regime e bradavam por liberdade, democracia e mais direitos.
Para o primeiro grupo, geralmente composto por pessoas à partir da classe média (no caso dos escolarizados), as mais de duas décadas dos governos militares passaram sem muitos problemas. Em contrapartida, para o segundo grupo, o dos que se opunham ao regime, as coisas se desenrolaram de forma muito diferente. Esses foram considerados inimigos da pátria, terroristas (como se a nação tivesse a obrigação de apoiar o governo). Esses homens e mulheres tiveram um tratamento desumano. Como já dito, muitos morreram, foram torturados e/ou tiveram que deixar o país.
Mas essa era a realidade dos grandes centros urbanos, onde as políticas públicas, ou a sua ausência, tendem a ser mais sensíveis aos anseios e necessidades da população. Nas pequenas cidade e vilas do interior, como é o caso da pequena Fátima, as percepções acerca do que se desenrolava na política nacional eram muito diferentes. É preciso lembrar que os meios de comunicação das décadas de 60,70 e 80 eram infinitamente mais lentos do que os de hoje. As notícias da política chegavam ao interior quase que exclusivamente pelas ondas do rádio e como a censura e o controle da imprensa eram armas utilizadas pelo regime, pouco se sabia sobre lutas pela redemocratização e afins. Como não haviam movimentações políticas, pouco se sentia da dureza do sistema então vigente.
Foi esse o cenário que levou contemporâneos da ditadura civil militar brasileira a simpatizarem com o regime, uma vez que as “notícias” que chegavam pelo rádio davam conta de um país à plenos pulmões.
Quando eu era aluno do ensino fundamental nos anos 1990, período pós redemocratização, lembro-me de ficar chocado com o depoimento do senhor José Ferreira Sobrinho, Zé da Barreira. O então Juiz de Paz da cidade, fora chamado à palestrar na escola onde eu estudava e falar aos alunos, filhos da redemocratização, sobre o período. A opinião do convidado, que passara todo o período de vigência da ditadura em Fátima, era de que fora uma época muito boa para o país e que sentia saudade do tempo de “ordem” dos militares no poder. Essa posição, com efeito, não era exclusividade de José Ferreira Sobrinho, lembro-me de ter ouvido de outras pessoas a mesma opinião.
Naturalmente, à época, eu e todos os colegas de turma não conseguíamos compreender a discrepância entre o que havíamos aprendido na escola sobre o regime militar e o discurso daquele senhor pacato e muito conhecido em toda a cidade. São coisas que só o tempo e a maturidade nos fazem compreender.
Hoje, é possível depreender que o contexto vivido pelas pessoas produzem suas memórias acerca de cada contexto vivido e memória não é história, é esta, tão somente, uma ferramenta da história. A percepção de uma pessoa ou um grupo de pessoas acerca de um período vivenciado. Isto posto, entendo que as opiniões em favor do período 1964/1985 são somente opiniões e não sobrepõem toda uma literatura bastante consolidada e uma infinidade de fatos histórico com robustíssimo embasamento nas fontes.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Fátima, anos 1980



O personagem principal dessa foto, ao centro, de óculos escuro e cabelos longos, é José Renato, conhecido como Zé Renato Seresteiro. Zé Renato é um dos precursores da música em Fátima, artista de voz imponente, fez enorme sucesso por longos anos. Hoje, parece ter perdido o entusiasmo pela música mas ainda conserva a voz que o fez famoso entre os fatimenses.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Santinho, o sanguinário tenente que combateu Labareda em Fátima

Disponível em: https://lampiaoaceso.blogspot.com/search?q=Ladislau


Ladislau Reis de Souza ficou conhecido no sertão baiano como o “Tenente Santinho”. De acordo com texto postado no blog “Lampião Aceso” do pesquisador Kiko Monteiro, o tenente santinho tinha fama e atitude de um homem extremamente duro, para não dizer cruel, com os cangaceiros.
Sua fama de homem implacável no combate ao cangaço ecoou pelos quatro contos em toda essa região. Muitos cangaceiros pereceram sob o fuzil do tente Ladislau, alguns com requintes de crueldade como o caso do cangaceiro Baliza, brutalmente torturado, pendurado de cabeça para baixo em uma árvore e queimado vivo pelo cruel Tenente.
Na obra “O mundo estranho dos cangaceiros”, do renomado escritor Estácio de Lima, Ângelo Roque, o Labareda, narra com detalhes as suas andanças pelos sertões enquanto combatia nas frentes do cangaço. Labareda relata a chegada do seu grupo no lugar chamado Monte Alegre, onde foi surpreendido pela volante do tenente Santinho. Segundo Labareda, o grupo foi recebido por um vaqueiro de nome Manoel Gregório. Era um dia de domingo e o bando descansou, comeu e dançou. Entretanto, a volante comandada por Santinho entrou em pesado confronto com o grupo de cangaceiros. Ainda segundo os relatos de Labareda ao professor Estácio de Lima, um dos cangaceiros foi baleado e morreu na hora, sua cabeça foi cortada pelos soldados e levada à Jeremoabo.
De acordo com relatos de antigos moradores de Fátima, Monte Alegre foi um dos nomes através dos quais Fátima foi chamada no passado. Borges (2006) chega a firmar que tal nomenclatura fora dada à povoação por conta da alegria do seu povo, o que eu, pessoalmente, acho improvável.
Mas voltando ao caso do Monte Alegre narrado por Ângelo Roque, eu conversei com Kiko Monteiro e buscamos evidências que nos fizessem acreditar que tal povoação era, de fato, a atual cidade de Fátima. Neste caso, até existe uma cidade homônima em Sergipe, mas de acordo com a narrativa de Labareda, conhecido pela excelente memória, o grupo estava na região de Paripiranga, onde sobe o Vaza Barris, assassina um soldado na Ponta da Serra, em Adustina, e Segue para Monte Alegre. Esses fatos, de acordo com sua narrativa ocorrem em questões de poucos dias (A Estimativa feita por Kiko Monteiro é que, de Paripiranga à Monte Alegre Sergipana levaria pelo menos uma semana de caminhada). Tudo isso, aliado ao fato de a volante do Tenente Santinho, ser mais atuante no sertão baiano e não no estado de Sergipe, nos leva a crer que, de Fato, o povoamento citado por Labareda e reproduzido por Estácio de Lima em seu livro era realmente Fátima.
Já era sabido que o bando de Ângelo Roque, o Labareda, atuou fortemente por toda essa região, contudo, a história citada na obra “O Mundo Estranho dos Cangaceiros”, coloca Fátima definitivamente no rol dos cenários das lutas entre cangaceiros e soldados nos anos 1920/1930. Um outro dado curioso é que a morte de um cangaceiro pela volante e a sua decapitação, por via de regra, significa que o corpo do bandoleiro sem a cabeça foi enterrado no local da morte, ou seja, em solo fatimense. O relato de Labareda nos leva a crer que o combate com a volante de Santinho se deu nos arredores do povoamento de Monte Alegre, contudo, o seu local exato é desconhecido.
O tempo decorrido desde o acontecimento, possivelmente fez com que a história se perdesse na memória do fatimense, entretanto, histórias de cangaceiros são recorrentes entre as pessoas mais velhas em nossa cidade. Essa história específica, possivelmente contribuiu para a formação de todo esse enredo popular.



segunda-feira, 9 de março de 2020

Cícero Dantas, 1940


Rara foto da praça da Igreja de Cícero Dantas de 1940. Aparentemente a foto foi tirada da escadaria que leva ao cemitério local e mostra um aspecto bem diferente do atual. É perceptível que a cidade mudou muito nesses 80 anos. Na época Fátima já existia na forma de poucas casas na Praça Ângelo Lagoa.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Zequinha da Farmácia

Foto cedida pela família


José Antônio de Souza, conhecido entre a população como Zequinha da farmácia, escreveu alguns capítulos da história desse município. Durante longos anos em que o poder público negligenciou a saúde do nosso povo, foi na farmácia de seu Zequinha que o fatimense buscou refúgio nas horas de desespero.
            Assim, realizou diversos procedimentos médicos entre a população, muitos fatimenses que ainda vivem devem isso à intervenção do médico de Fátima. Zequinha nunca estudou medicina, profissão à época reservada aos filhos da aristocracia, passou parte da juventude em São Paulo, ao retornar à Fátima, virou sócio de uma pequena farmácia em Novo Amparo (atual Heliópolis) com um primo. Este, habilidoso na fabricação de prótese dentária e no trato com medicamentos, o incentivou a iniciar as atividades de farmacêutico leigo.
            É importante lembrar que nos anos 1970,1980 e em menor medida, nos anos 1990, eram raros os momentos em que haviam médicos plantonistas, por isso, algumas pessoas, como ele, precisavam dar conta de tarefas para as quais não tinham formação. Por longos anos, realizou procedimentos como extração dentária, imobilização de membros fraturados, pequenas cirurgias, receitou medicamentos, até mesmo partos foram realizados por Zequinha.
Quando eu era criança, nos anos 1990, lembro que as pessoas da cidade o encaravam como um médico e, de fato, o era. Um médico leigo que aprendeu com a experiência a tratar os seus conterrâneos e com a coragem de solucionar problemas demasiadamente complexos. Lembro de que quando alguém ficava doente ou sofria um acidente, não hesitava-se em procurar sua farmácia.
            Muitas são as histórias de pacientes salvos pelas habilidades de Zequinha da Farmácia. As pessoas ficavam gratas pelos serviços prestados nas horas de aflição e o presenteavam com a simplicidade do povo do interior e seus agrados: Um capão, um cozido de feijão de corda, um carneiro e outras lembranças simples, mas sinceros do fatimense grato.
Zequinha nasceu no dia 30 de maio de 1933, teve sete filhos de dois relacionamentos distintos. Faleceu no dia nove de março de 2017. Seu funeral foi acompanhado por uma multidão, que acompanhou o médico de tantos anos e tantos socorros na sua última caminhada. É comum encontrar em qualquer roda de conversa, histórias de procedimentos por ele realizados que salvaram vidas e ofereceram socorro sem jamais se furtar à missão a ele dada pelo destino. “O médico de Fátima”.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Zé de Aninha, o ferreiro fatimense

Foto cedida pela família.


Os primeiros ferreiros provavelmente surgiram no limiar das sociedades humanas, isto é, desde que os primeiros seres humanos aderiram ao sedentarismo e dominaram as técnicas agrícolas. Daí para o desenvolvimento das primeiras ferramentas de metal foi um salto relativamente curto. Há registros de ferramentas encontradas em todas as grandes sociedades humanas da antiguidade a nos mostrar que os ferreiros já desenvolviam suas técnicas há milhares de anos.
Uma particularidade da profissão é o seu grau de abrangência. Os ferreiros prestavam serviços a reis e nobres mas também a soldados, cavaleiros e agricultores. Esses profissionais fabricavam uma infinidade de ferramentas como facas, espadas, adagas e escudos para a guerra, mas também utensílios agrícolas e domésticos como colheres, ferraduras, foices e enxadas. Foram extremamente importantes para o desenvolvimento da humanidade. Para ficar em um único exemplo, a invenção do arado de ferro puxado por tração animal representou uma verdadeira revolução na agricultura europeia na antiguidade, permitindo uma maior produção de alimentos, o que levou, por sua vez, à um crescimento populacional descomunal. Tudo isso graças aos ferreiros.
Em Fátima, José Reis, ou Zé de Aninha, como era conhecido, foi o expoente dessa profissão. Nascido em 1926, período em que as primeiras casas da povoação que originou Fátima ainda eram escassas, Zé de Aninha tornou-se ferreiro ainda na juventude. De uma inteligência singular, aprendeu os pormenores da profissão sozinho. Aos poucos foi adquirindo as ferramentas necessárias ao labor como a bigorna, o fole e o martelo e passou a prestar serviços para a comunidade. Fabricava ferraduras, enxadas, machados e toda a sorte de ferramentas que os agricultores locais necessitavam para os afazeres da lida diária.
Nos anos 1980 instalou sua forja nos fundos da sua casa que hoje é dos filhos, na praça da igreja. Além de ferreiro era um verdadeiro faz-tudo. Consertava de panela de pressão à motocicletas. Umas dessas motocicletas, inclusive, foi pivô de uma curiosa e cômica história protagonizada por zé de Aninha e seu filho Méia. Em princípios dos anos 1990, ele resolveu testar uma mobilete em frente à casa onde moravam. Com pouca habilidade para manipular a moto, mas com a teimosia que sempre foi uma de suas principais características, ordenou ao filho que corresse atrás da mobilete enquanto ele tentava pilotar a mesma. Em determinado momento o acelerador do equipamento travou fazendo-a sair sem controle enquanto Méia tentava desesperadamente acompanhar o pai e a moto. Ao mesmo tempo Zé de Aninha gritava “Segura, Méia mole da peste!”.  
Essa é apenas uma das inúmeras histórias de Zé de Aninha. Impaciente com tudo, costumava gritar impropérios quando se irritava com algo. Os fundos da sua casa era repleto de peças e pedaços de bicicletas, motos, panelas e uma infinidades de materiais que dividiam espaço com o fole feito por ele utilizando barro, peças de carro e de bicicletas para soprar o carvão e aquecer as peças que seriam malhadas na velha bigorna. Quando criança, nos anos 1990, habituei-me a ouvir da casa da minha avó o som do martelo a bater na bigorna. Vez por outra, um tento receoso do temperamento do ferreiro, chegava até lá para ver a destreza com que moldava as peças de ferro e rir com as coisas que ele dizia quando se irritava.
Zé de Aninha era um homem simples, de hábitos igualmente simples, porém, de uma inteligência pitoresca. Criou, ao lado da mulher, Casefa, numerosa prole de nove filhos. Faleceu em 2015 com quase oitenta e nove anos. Seus filhos homens herdaram parte da sabedoria do pai, embora hoje apenas um deles, João Batista, o Bidão, segue a profissão do pai.
Zé de aninha é mais um personagem a compor essa bela história, a história de Fátima.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Seu Faustino, o alfaiate fatimense.

Foto cedida pela família.


A profissão de alfaiate é demasiadamente antiga, data do século XIII. Na Europa medieval, quando vestir-se deixou de ser uma mera necessidade de adaptar-se ao clima, os nobres costumavam receber em suas casas os alfaiates. Essa prática não era barata e apenas os mais ricos podiam bancar o luxo de ter alguém para construir as suas roupas sob medida e em domicílio, já que não haviam fábricas para a produção em massa que conhecemos hoje.
            Durante a idade média, contudo, a vaidade era altamente combatida pela igreja. Com a ascensão do renascimento e valorização das formas do corpo humano, a alfaiataria ganhou corpo e fama.
            Os primeiros alfaiates a chegarem ao Brasil desembarcaram com a corte portuguesa em 1808. Seu trabalho foi amplamente utilizado pela elite colonial e seus conhecimentos foram sendo disseminados por gerações.
            Não se sabe como as técnicas da alfaiataria chegaram a esse longínquo pedaço de chão, entretanto, tudo indica que tal conhecimento nos foi legado à partir de um sergipano.
            Em entrevista concedida a mim em 2018, aos 106 anos, seu Faustino relatou que aprendeu a arte com o mestra Quincas, alfaiate que residia em Simão Dias. “Alfaiate fino!”, como ele fez questão de dizer.
            Nascido no dia 17 de fevereiro de 1912, em Caxias, seu Faustino foi agricultor até aprender o ofício de alfaiate. Na oportunidade, confessou que gostava mais dessa profissão do que trabalhar na roça. Segundo suas lembranças, fez ternos para inúmeros casamentos em Fátima. “Esses mais velhos que casaram, tudo foi eu que fiz os ternos”, relatou. Além da vestimenta do noivo fazia também o vestido de noiva e as demais peças para os casamentos.
            Muito requisitado pela população local e também das regiões vizinhas, exerceu a profissão por 55  anos. “Trabalhei 55 anos na máquina”, afirmou. Até se aposentar durante a velhice com o advento da indústria têxtil. Viveu até os 107 anos, falecendo em 2019 em sua casa ao lado dos familiares. Não sem antes deixar a sua assinatura na história do município de Fátima.

terça-feira, 3 de março de 2020

Conexões: Da guerra das Malvinas à Fátima



Em 1982 Inglaterra e Argentina se envolviam em um conflito bélico de grandes proporções. A guerra das Malvinas (um pequeno arquipélago no oceano Atlântico) deixou saldo de quase mil soldados mortos e enormes prejuízos aos dois lados.
O governo Militar argentino visava recuperar o prestígio entre a população, criando um clima de beligerância que unisse a população em torno de um inimigo em comum. Assim, no dia 2 de Abril de 1982 o ditador argentino Leopoldo Galtieri, ordena a invasão das ilhas dominadas pelos ingleses desde 1883.
Os argentinos, contudo, não contavam com a reação enérgica daquela que ficaria conhecida como “A Dama de Ferro”. A Chanceler britânica Margaret Thatcher não poupou esforços para recuperar o território perdido. Enviou uma tropa de 28 mil soldados, diversos navios de guerra (porta aviões inclusive) e uma esquadra aérea poderosa.
As forças argentinas resistiram por quase dois meses, mas o país sul-americano foi obrigado a assinar a rendição no dia 14 de junho de 1982, pondo fim ao conflito. Na argentina, o resultado da guerra derrubou o governo militar que foi substituído por um governo civil, enquanto na Inglaterra Thatcher se reelegeria primeira ministra.
Na longínqua Vila de Fátima do ano de 1982, as notícias do conflito eram recebidas através das ondas do rádio. Era esse o meio de comunicação presente em boa parte das casas fatimenses. Para ilustrar a importância dada ao rádio na época, Marcos Rogério Morais, morador do formigueiro à época, confirmou que na casa do seu pais era aceitável entre os familiares que faltasse um ou outro item da cesta básica, mas as pilhas que alimentavam o rádio não podiam faltar de forma alguma.
Durantes aqueles dias em que o conflito se desenrolava no Atlântico sul, as pessoas da vila interpretavam os fatos da forma que podia. É bom lembrar que se tratava de uma população com baixíssima escolaridade e pouco acesso à informação. As pessoas sabiam que uma guerra de grandes proporções estava em curso, mas poucos sabiam da sua distância geográfica e seu contexto. Fato é que, certo dia, naquele conturbado 1982, um boato que provavelmente foi gerado à partir de uma interpretação equivocada das notícias que chegavam do conflito gerou grande histeria entre a população fatimense.
Não se sabe como, mas as pessoas começaram a acreditar que moradores da Vila de Fátima estavam sendo convocados para a guerra das Malvinas, muitas pessoas se desesperaram com a ideia de combater em uma guerra da qual quase nada conheciam. Seu José Rabelo de Morais, conhecido como seu Ninô, pai de Marcos Rogério, chegou da cidade abalado com o que ouvira na Vila. Alguns conhecidos já haviam embarcado para a guerra e outros seriam igualmente encaminhados para o fronte. A notícia caiu como uma bomba para a família. Marcos Rogério, apenas um menino à época, conta que ficou demasiadamente amedrontado com tudo aquilo, não sabia em que aquela situação se desenrolaria.
O tempo passou e com ele a angustia de ver-se como combatente naquela guerra hedionda foi se dissipando. Só anos depois é que ele foi entender que aquela guerra que tanta angústia causou à sua família e a outras famílias fatimenses era algo distante, aproximada apenas pelas ondas do rádio e a imaginação desse nosso povo fatimense.


segunda-feira, 2 de março de 2020

O Rio Velho, o rio fatimense


Os rios são fontes de vida para as populações humanas desde os primórdios da civilização. Não faltam exemplos de povos que se estabeleceram às margens de grandes rios e prosperaram, tais como: Egípcios (Rio Nilo), povos mesopotâmicos (Rios Tigre e Eufrates), Chineses (Rio Amarelo) e tantos outros.
Embora não tenhamos grandes cursos d’água em nosso território, fazemos parte da bacia hidrográfica de dois rios importantes, o Vaza Barris e, em menor escala, do Rio Real.
O Rio Velho, que passa pelo território de Fátima, é um afluente do Vaza Barris. Ele nasce, conforme imagens, próximo à sede do município vizinho de Cícero Dantas, alimenta o açude da Queima Grande, o principal reservatório do município, segue para o Açude de Adustina e vai se encontrar com o Vaza Barris na divisa com Paripiranga.
O Rio Velho é um rio Intermitente, isto é, fica quase que completamente seco nos períodos de estiagem. Isso ocorre por que o lençol freático fica abaixo do leito do rio interrompendo sua alimentação. Suas águas são fruto do escoamento das chuvas.
Ele passa nas proximidades da cidade, talvez o seu ponto mais famoso seja no terreno que pertenceu a José Domingos, indo em direção à comunidade da Serradinha. Quando criança, no início dos anos 1990, costumava frequentar a área para tomar banho com os amigos durante os períodos de cheia.
As cheias do Rio Velho, além de trazerem água para abastecer os reservatórios, também já foram protagonistas de tragédias. Nos anos 1990, houve uma grande enchente que findou por provocar a morte de duas jovens. Surpreendidas pela enxurrada repentina provocada por fortes chuvas na cabeceira do rio, fenômeno conhecido como “enxurrada relâmpago” ou “Cabeça D’água”, as jovens foram arrastadas pelas águas. Seus corpos foram encontrados somente no dia seguinte por populares envolvidos nas buscas.



Novas fotografias dos bailes no Clube de Zé de Bilu



As imagens são mais uma contribuição do pesquisador Juan K. Menezes para o Blog HF. Nelas é possível visualizar novos flagrantes dos momentos de diversão das famílias fatimenses que frequentavam o clube de Zé de Bilu nos anos 1970. Na época o clube ficava onde hoje é o supermercado Nossa Senhora de Fátima.