O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Zé de Aninha, o ferreiro fatimense

Foto cedida pela família.


Os primeiros ferreiros provavelmente surgiram no limiar das sociedades humanas, isto é, desde que os primeiros seres humanos aderiram ao sedentarismo e dominaram as técnicas agrícolas. Daí para o desenvolvimento das primeiras ferramentas de metal foi um salto relativamente curto. Há registros de ferramentas encontradas em todas as grandes sociedades humanas da antiguidade a nos mostrar que os ferreiros já desenvolviam suas técnicas há milhares de anos.
Uma particularidade da profissão é o seu grau de abrangência. Os ferreiros prestavam serviços a reis e nobres mas também a soldados, cavaleiros e agricultores. Esses profissionais fabricavam uma infinidade de ferramentas como facas, espadas, adagas e escudos para a guerra, mas também utensílios agrícolas e domésticos como colheres, ferraduras, foices e enxadas. Foram extremamente importantes para o desenvolvimento da humanidade. Para ficar em um único exemplo, a invenção do arado de ferro puxado por tração animal representou uma verdadeira revolução na agricultura europeia na antiguidade, permitindo uma maior produção de alimentos, o que levou, por sua vez, à um crescimento populacional descomunal. Tudo isso graças aos ferreiros.
Em Fátima, José Reis, ou Zé de Aninha, como era conhecido, foi o expoente dessa profissão. Nascido em 1926, período em que as primeiras casas da povoação que originou Fátima ainda eram escassas, Zé de Aninha tornou-se ferreiro ainda na juventude. De uma inteligência singular, aprendeu os pormenores da profissão sozinho. Aos poucos foi adquirindo as ferramentas necessárias ao labor como a bigorna, o fole e o martelo e passou a prestar serviços para a comunidade. Fabricava ferraduras, enxadas, machados e toda a sorte de ferramentas que os agricultores locais necessitavam para os afazeres da lida diária.
Nos anos 1980 instalou sua forja nos fundos da sua casa que hoje é dos filhos, na praça da igreja. Além de ferreiro era um verdadeiro faz-tudo. Consertava de panela de pressão à motocicletas. Umas dessas motocicletas, inclusive, foi pivô de uma curiosa e cômica história protagonizada por zé de Aninha e seu filho Méia. Em princípios dos anos 1990, ele resolveu testar uma mobilete em frente à casa onde moravam. Com pouca habilidade para manipular a moto, mas com a teimosia que sempre foi uma de suas principais características, ordenou ao filho que corresse atrás da mobilete enquanto ele tentava pilotar a mesma. Em determinado momento o acelerador do equipamento travou fazendo-a sair sem controle enquanto Méia tentava desesperadamente acompanhar o pai e a moto. Ao mesmo tempo Zé de Aninha gritava “Segura, Méia mole da peste!”.  
Essa é apenas uma das inúmeras histórias de Zé de Aninha. Impaciente com tudo, costumava gritar impropérios quando se irritava com algo. Os fundos da sua casa era repleto de peças e pedaços de bicicletas, motos, panelas e uma infinidades de materiais que dividiam espaço com o fole feito por ele utilizando barro, peças de carro e de bicicletas para soprar o carvão e aquecer as peças que seriam malhadas na velha bigorna. Quando criança, nos anos 1990, habituei-me a ouvir da casa da minha avó o som do martelo a bater na bigorna. Vez por outra, um tento receoso do temperamento do ferreiro, chegava até lá para ver a destreza com que moldava as peças de ferro e rir com as coisas que ele dizia quando se irritava.
Zé de Aninha era um homem simples, de hábitos igualmente simples, porém, de uma inteligência pitoresca. Criou, ao lado da mulher, Casefa, numerosa prole de nove filhos. Faleceu em 2015 com quase oitenta e nove anos. Seus filhos homens herdaram parte da sabedoria do pai, embora hoje apenas um deles, João Batista, o Bidão, segue a profissão do pai.
Zé de aninha é mais um personagem a compor essa bela história, a história de Fátima.

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