O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A família Dantas substitui os Ávilas no sertão baiano.

Disponível em: https://www.elo7.com.br/quadro-paisagem-regional-por-do-sol-no-o-sertao/dp/171E459

 

No livro CÍCERO DANTAS MARTINS, DE BARÃO A CORONEL, Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior, narra a chegada do jovem Cícero Dantas Martins, o futuro barão de Jeremoabo, ao sertão. Era dezembro de 1859, e o jovem Cícero, com 21 anos, retornava de um período de cinco anos no Recife, onde cursara a faculdade de direito na capital de Pernambuco. Após uma longa viagem, parte dela a bordo de um vapor, Cícero chegava ao sertão que se enchia de festa com a notícia de um sertanejo doutor.

O poder político dos Dantas, naquele momento, já era consolidado no sertão, mas não somente em Itapicuru e Jeremoabo, como veremos no comentário que se segue na mesma obra:

 

De modo muito particular o recém formando Cícero simpatizava pelas terras em que a 8 de julho de 1812, o missionário capuchinho frei Apolônio de Todi fez erguer uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Bom Conselho e em 1817 se tomou freguesia, sendo desmembrada da paróquia de São João Batista do Jeremoabo do sertão de Cima e parte da de Nossa Senhora de Nazaré do Itapicurú de Cima. A ligação de Cícero com essa terra tinha sua razão de ser. Era atávica. Seu avô, o capitão-mor João Dantas dos imperiais, já havia lá penetrado desde os princípios do século XIX, pois o último tombamento de terras patrimoniais da Casa da Torre, feito em 21 de outubro de 1815, por Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque Cavalcanti de Ávila Pires, já mencionava o nome de João Dantas, com as respectivas fazendas, entre os arrendatários da família D’Ávila: “Quizaba a Francisco Ribeiro Pessoa, Manhenga a José Cardoso de Figueredo, Estrelo a Inácio Teles de Carvalho, Tanque de traz a João Dantas dos Imperiais, Boqueirão a Marcelino de Almeida Soares, Folheira a Antônio da Costa, Tanque Novo a Manuel Nunes do Nascimento, Trindade a Marcelino Soares. (p.63).

 

          A descrição que vemos acima, é um panorama de como ocorreu a mudança de mandonismo no sertão, afinal, a lacuna deixada pela Casa da Torre no sertão, seria preenchida pela família Dantas.

 

Antes de 1832, o capitão-mor João Dantas estreitou ainda mais a ligação de sua família com a freguesia de Bom Conselho, comprando da já decadente Casa da Torre os terrenos que compunham a referida freguesia. Além dessas terras, o avô de Cícero, aproveitando a má administração das terras arrendadas pelos senhores da Torre e a progressiva falta de controle deles sobre elas, foi adquirindo sítios, fazendas, enfim, enormes extensões de Terras que o tomaram a si e a seus descendentes os substitutos dos Garcia Dávila no sertão. (p.63).

 

          Esse processo de transição, como vimos, deu-se a partir do avô do Barão, João Dantas dos Reis Portátil que inicia o decurso de aquisição de terras no sertão. De uma posição privilegiada, o posto de procurador da família Ávila, João Dantas, inicia já em 1815 o processo de aquisição de enormes áreas de terras no sertão e fará dele mesmo e de seus descentes, os mandatários desta região por longos anos.

          O avô do Barão, nasceu João Dantas dos Reis Portátil, em Itapicuru, a 19 de março de 1773, era a segunda geração da família a nascer no engenho Camurciatá, para depois mudar o próprio nome para João Dantas dos Imperiais Itapicuru, na ocasião das lutas pela independência na Bahia e em Sergipe, causa que abraçou com afinco, chegando a formar um exército de dois mil homens e de transformar o engenho camurciatá e fazenda Caritá, duas de suas propriedades, em quartéis generais, dedicados à causa de independência.

          Durante o processo de aquisição de terras no sertão, comprou, entre 1815 e o ano da sua morte, 1862, diversas propriedades em terras sertanejas. Dessas, 4 propriedades, constam nos registros eclesiásticos de terras (APEB) como tombo da casa da torre, indicando que foram adquiridas dentro do enorme latifúndio da família Ávila. São essas as fazendas campos, Jerônimo, Tanque de trás e Sítio da lagoinha.

          Como dito, a propriedade dos Ávilas em princípio do século XIX, abocanhava boa parte do que hoje é a região Nordeste do país, considerados por alguns estudiosos como o maior latifúndio alguma vez já existente na América Portuguesa. De modo que, precisar onde exatamente se localizavam essas propriedades é uma tarefa demasiadamente complexa.

          Entretanto, outras áreas de terras adquiridas por João Dantas Portátil, podem ser mais facilmente localizadas. Dessa forma, consta no mesmo registro de terras eclesiásticas, 8 propriedades no julgado de Jeremoabo, 1 em Nossa Senhora do Amparo (atual Ribeira do Amparo), totalizando 13 fazendas na área atualmente classificada pelo governo da Bahia como Semiárido Nordeste II.

          João Dantas dos Imperiais Itapicuru, veio a falecer em Salvador, a 10 de novembro de 1862, aos 64 anos. Com sua morte, um dos seus filhos, João Dantas dos Reis, pai do barão, herdaria parte dessas propriedades e elevaria o patrimônio adquirido por herança de forma substancial.

          Entre os anos de 1854 e 1860, estão registradas em seu nome 8 fazendas na Vila do Bom Conselho, 12 no julgado de Jeremoabo, 5 em Itapicuru, 3 em Monte Santo, 2 em Tucano e 8 em Capim Grosso. Totalizando 38 propriedades em uma área enorme do sertão que um dia pertencera à Casa da Torre.

          Como podemos notar, João Dantas dos Reis, consolida o mandonismo da família Dantas no sertão. Um patrimônio semelhante, eleva não somente a questão financeira da família, mas também a deixa em posição privilegiada nos aspectos políticos e de prestígio local.

          Embora os Dantas tenham enfrentados reveses políticos, sobretudo ficando por muitos anos como opositores ao governo constituído, sempre gozaram de muitos prestígios e privilégios que permearam por gerações da linhagem familiar.

          O membro do clã que alcançou maior notoriedade política, talvez tenha sido Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, que iniciou a sua vida política na Vila do Bom Conselho, da qual foi o primeiro presidente de câmara em 1875, sua ligação com aquela vila é tamanha que foi sepultado na igreja matriz da localidade que hoje carrega o seu nome, Cícero Dantas.

          Quando da sua morte, em 1903, o Barão tinha, de acordo com o seu inventário, 61 fazendas espalhadas entre o sertão e o recôncavo, duas delas eram engenhos, o Camurciatá, em Itapicuru e o engenho Regalo, no recôncavo. A transformação desta última propriedade em um engenho central, conferiu-lhe o título de Barão de Jeremoabo, conforme se vê abaixo:

 

D. Pedro II concedeu títulos nobiliárquicos ao visconde de Sergimirim, que passou a conde, o barão da Oliveira, a visconde e ao bacharel Cícero Dantas Martins criado barão de Jeremoabo. Essas concessões foram outorgadas pelo fato dos referidos senhores, terem fundado o primeiro Engenho Central do norte e o quinto do Brasil. O primeiro saco de açúcar refinado pela fábrica foi enviado ao imperador. Eis a integra do Decreto de amerceamento do bacharel Cícero Dantas Martins a barão: “ Querendo distinguir e honrar o bacharel Cícero Dantas Martins, pelo relevante serviço que prestou a lavoura do país, construindo, a sua custa, na freguesia de Bom Jardim, termo de Santo Amaro da Província da Bahia, um Engenho Central para a fabricação do açúcar, hei por bem conferir-lhe o título de Barão de Jeremoabo; e quis e mandou que o dito bacharel Cícero Dantas Martins daí em diante se chamasse Barão de Jeremoabo, e com o referido título goze de todas as honras, privilégios, isenções, liberalidades e franquezas, que haviam e tinham e de que usavam e sempre usaram os barões, e que de direito lhe pertencessem. Palácio do Rio de Janeiro em dezesseis de fevereiro de mil oitocentos e oitenta, quinquagésimo - nono da independência e do império”. (cf. Dantas Júnior, O Barão de Jeremoabo..., p.28)

 

          Esse poderio político se estenderia para muito além dos anos de vida do Barão, seus filhos, netos, bisnetos e trinetos foram e ainda são influentes em diversos seguimentos da sociedade.

          A família Dantas hoje, não é mais a detentora de terras que fora no passado, boa parte das fazendas e engenhos que um dia pertenceu ao clã dos Dantas, já foram vendidas por seus descendentes.

As terras que compunham o município de Fátima, contudo, foram vendidas (ao menos a parte mais significativa) por dois netos do barão, filhos do seu primogênito, João Da Costa Pinto Dantas. Os filhos de João e, por consequência, netos do Barão, que venderam essas terras foram: Arthur e Adelaide, ambos da Costa Pinto Dantas.

João da Costa Pinto Dantas, herdou o sítio Camurciatá em Itapicuru e boa parte do prestígio político do Barão. Estima-se que as suas posses (por herança ou adquirida posteriormente) tenham-se concentrado pelo sertão. Em 1895, casou-se com Ana Adelaide Ribeiro dos Santos e tiveram 9 filhos (Jesuína, Mariana, Artur, Antônio, Adelaide, Aníbal, José, João e Cícero, todos da Costa Pinto Dantas). Desse grande quadro de herdeiros, dois herdaram as terras que hoje serve de alicerce para as moradias fatimenses.

Artur e Adelaide, receberam as terras que iam da atual praça Ângelo Lagoa à divisa com o município de Adustina, mais precisamente a atual fazenda Tabuleiro.

De acordo com a tradição oral, Artur e Adelaide foram, inicialmente, negligentes com os terrenos adquiridos do pai. Os seus procuradores na região, acabaram se apossando de boa parte dessas terras e recebendo indevidamente pagamentos por posses alheias.

Para entender melhor, naquela época, para vendas de terras, se usavam nesta área o termo logradouro, que consistia numa faixa de terra, cuja extensão era estimada a olho nu. Como não havia cercas de arame e a extensão dos terrenos era enorme, o que inviabilizava circundar tudo com macambira o gravatá, a solução encontrada era, via de regra, a abertura de finos e imensos corredores, obtidos a partir do desmatamento, entre uma propriedade e outra. Esses corredores utilizados como divisória, foram, aos poucos, sendo utilizados por transeuntes como estradas e isso originou boa parte das nossas estradas vicinais atuais no município de Fátima.

Ocorre que, essa divisão de terras, não era nada precisa e, aos poucos, a propriedade de Artur e Adelaide foi ficando cada vez menor, o que provocou a visita dos irmãos herdeiros para cuidarem pessoalmente do terreno.

E assim, com o desmembramento dessas propriedades, aliás, um enorme e descomunal latifúndio, o município de Fátima foi surgindo, o que, ocorreu de forma semelhante com boa parte dos municípios da circunvizinhança.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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moisessantosra@gmail.com

 


quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Estácio de Lima emite relatório favorável aos cangaceiros presos.

 

Disponível em: https://www.blogdotiaolucena.com/joel-silveira-entrevista-na-prisao-os-cangaceiros-volta-seca-angelo-roque-labareda-saracura-cacheado-deus-te-guie-e-caracol/


     Em 16 de novembro de 1947, o então presidente do conselho penitenciário da Bahia, Estácio Luiz Valente de Lima (1897-1984), emitiu parecer, acatado pelo juiz João Baldoino de Oliveira Andrade, que resultou na emissão da carta de guia para liberdade condicional dos cangaceiros Ângelo Roque da Costa (Labareda), Benício Alves dos Santos (Saracura) e Domingos Gregório Rodrigues (Deus-te-Guie).

Os condenados pelo triplo assassinato ocorrido em Paripiranga-Ba em 1939, tiveram as prisões registradas na penitenciária da Bahia a 13 de novembro de 1940 e, após relatório favorável escrito por Estácio de Lima, ganharam a liberdade após o cumprimento de 6 anos de um total de 30 a que foram condenados.

O referido relatório ainda é desconhecido, contudo, a carta de guia para a liberdade condicional assinada pelo magistrado João Baldoino o cita de forma insofismável.

Segue parte da transcrição do documento:

 

Carta de Guia para livramento condicional, passada em favor dos sentenciados Ângelo Roque da Costas, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, na forma abaixo:

O doutor João Balduíno de Oliveira Andrade, juiz de direito da primeira vara crime e de execuções criminais da comarca desta capital do Estado da Bahia, na forma da lei etc.

Faço saber ao Sr. Dr. _________________ que a presente carta de guia é dos sentenciados Ângelo Roque da Costas, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, aos quais foi por este juízo concedido o benefício do livramento condicional pela sentença de teor seguinte:. Os penitentes Angelo Roque da Costa, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, respectivamente – 1522;1551 e 1552, condenados a pena de 30 anos de prisão celular, pelos crimes de homicídios, ligados ao congaceirismo na comarca de Geremoabo, requerem ao egrégio conselho penitenciário livramento condicional com fundamento no art. 710 e seguintes códigos de processo penal. Por proposta do egrégio conselho penitenciário ao Exm° sr. Presidente da república, obtiveram os referidos penitentes, comutação das suas penas para, 10, 12 e 12 anos de sentença (Doc. Fle. 175,183 e 186) os sentenciados já cumpriram mais da metade da pena, uma vez que foram presos, segundo se evidencia das respectivas guias de sentença, em 13 de novembro de 1940. O pedido de livramento condicional foi instruído com os documentos que se vê de fls. 173v. 186 destes autos. Ouvido o Dr. Promotor público em exercício junto a este juízo, a respeito do pedido em apreço, opinou favoravelmente. Os penitentes satisfizeram perfeitamente as condições exigidas por lei, como fez ciente o brilhante relatório apresentado pelo ilustre e digno presidente do egrégio Conselho Prof. Dr. Estácio de Lima, em 16 de dezembro do ano passado. Ante o exposto, concedo o livramento condicional pedido mediante as condições previstas no art. 767 do citado código. A inobservância de qualquer das condições recomendadas no referido artigo, imporá em revogação da medida concedida. Publique-se, registre-se e de-se ciência ao Dr. Promotor público, expedindo-se carta de guia em cópia integral da sentença em duas vias, remetendo-se uma ao Dr. Diretor da penitenciária e outra ao presidente do Conselho Penitenciário para devidos fins. Bahia, 2 de setembro de  1947. (As.) João Baldoino de Oliveira Andrade. Juiz de direito. Está conforme o original. Bahia, 3 de setembro de 1947. Eu ______ Escrivão o fiz datilografar e subscrevi.

 

Dr. João Baldoino de Oliveira Andrade.

Juiz de direito e das execuções criminais.

 

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Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

O Frade Italiano que construiu a capela da Serra do Capitão.

 



Capela construída no alto da Serra do Capitão.

          Constrastando com o relevo plano da região, ergue-se a meio caminho entre Paripiranga e Adustina (ambos no estado da Bahia, mais especificamente na zona de Fronteira entre os dois Estados) um acidente geográfico majestoso, suas encostas escarpadas se erguem a vários metros de altura, chega a ter paredões tão íngremes que seriam escalados apenas por experientes profissionais.

          A Serra do Capitão pode ser vista com dezenas de quilômetros de distância, como uma protuberância a se destacar em um chapadão até onde a vista alcança. Se observada de longe, toma uma cor azulada e fantasmagórica, quando vista de perto, apresenta as cores da estação do ano, acinzentada no período seco e tomada de um verde exuberante nos meses chuvosos.

          Deve ter sido esses atributos que chamaram a atenção de missionários capuchinhos em missões itinerantes pelo sertão ainda na primeira metade do século XIX, naquela época, dado o isolamento quase que absoluto dessa zona sertaneja, a Serra do Capitão deve ter impressionado muito aqueles religiosos que decidiram ali construir uma pequena capela.

          A primeira referência que tive acerca da construção no topo da dita serra, veio com a leitura do livro “Entre Padres e Coronéis”, obra do sociólogo paripiranguense Antônio Carregosa. Em conversa com o referido escritor, descobri que a informação acerca da construção chegou até ele tirada de um outro livro, “Adustina, sua história”, escrito por Roberto Santos Santana. A pequena citação afirmava que a dita capela havia sido erguida por um certo Frei Cândido e por um morador local de nome Miguel Correia de Brito.

          Isso foi o suficiente para que eu buscasse junto ao museu dos capuchinhos em Salvador, na pessoa do guardião do acervo, Frei Ulisses Pinto Bandeira, mais informações sobre o Frei Cândido e o que você lerá a seguir, a bem da verdade, foi produzido baseado na documentação que recebi deste.

          Seu nome de missionário era Frei Cândido de Tággia, seu nome faz referência à cidade de Tággia, no norte da Itália, onde o Frei nasceu a 20 de novembro de 1806. Entrou para a ordem em 26 de março de 1823 e veio a falecer no bairro da Piedade, em Salvador, no ano de 1863.

          Durante sua vida missionária pelo sertão, iniciada em 1838, atuou no estado de Sergipe junto aos índios Xocós, em Porto da Folha (é essa considerada a última tribo indígena do Estado) e chegou a ser nomeado vice-prefeito da província de Sergipe em 1843, data em que encabeçou a construção do hospício dos capuchinhos na cidade de São Cristóvão, então capital da província.

          No sertão, ocupou espaço deixado pelas demais ordens religiosas em virtude do espaço geográfico vasto e pouco habitado. Em 1858, ano no qual foi para a Itália por motivo de saúde, reportou em relatório 104 missões, 10.000 batizados e 137 000 crismas, todas em solo sertanejo.

          Mas a atuação dos capuchinhos não se limitava aos trabalhos eclesiásticos, famosos por construir igrejas, muitas dessas capelas antigas que vemos nas estradas vicinais e açudes, deixaram muitas obras por onde passaram e o Frei Cândido não fugiu a essa regra. Construiu a igreja matriz de Tucano, construiu igreja no município de Jeremoabo, Monte Santo e Nova Soure. Em Sergipe tem obras em Simão Dias e Itabaianinha.

          Quanto à capela da Serra do Capitão, consta o seguinte relato na documentação:

 

Noutros lugares se perpetuou por meio de cruzes e capelinhas, erguidas como lembranças da Santa Missão [...] entre as construções desse tipo, Frei Cândido recordava aos cruzeiros e as capelinhas anexas na Serra do Capitão, na freguesia de Coité (atual Paripiranga), em Jeremoabo e nos morros Mairi, onde repousam os restos mortais do Frei Apolônio de Todi.

 

          Conforme se percebe do relato, a data da construção não é citada, contudo, se pensarmos que ele lança-se aos sertão da Bahia e Sergipe, conforme documentação, em 1838 e vai para a Itália já doente em 1858, é possível depreender que a data da construção da capela está dentro desse intervalo de tempo (1838 a 1858).

          Essa revelação é um exemplo eloquente da produtiva interação entre a história oral, por meio das tradições passadas ao longo das gerações e a pesquisa arquivística. Aqui temos um caso no qual uma informação transmitida oralmente por gerações atravessou quase duzentos anos de história, sendo só agora confirmada pela documentação primária.

          Eu conversava hoje pela manhã com Antônio Carregosa e compartilhava com ele a alegria que um historiador tem de revelar algo novo, sobretudo algo referente às suas próprias raízes. Viva a história!


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O frei Apolônio de Todi

 


 

        Se você mora ou viveu por alguns anos na área de fronteira entre a Bahia e Sergipe, mais precisamente no território hoje classificado como Semiárido Nordeste II, você provavelmente já ouviu falar do Frei Apolônio de Todi.

          Seu nome hoje está em praças, ruas, avenidas e repartições públicas, mas não se sabe muito sobre a sua vida, muito provavelmente pelo tempo decorrido da sua morte, ou seja, quase duzentos anos.

          O Frei Apolônio, pertencia a uma subordem dos franciscanos denominados Capuchinhos. Essa ordem religiosa marcou profundamente a sua presença no sertão. O Frei Apolônio, por exemplo, foi o responsável pela construção do Santuário de Monte Santo - BA e da Igreja de Cícero Dantas-BA.

          Nascido próximo à cidade Italiana de Todi, em 1747, chegou à Salvador, já ordenado capuchinho, em 1782, com 35 anos. Sua viagem tinha como destino inicial as ilhas de São Tomé e Príncipe, na África, porém, devido a complicações no mar, acabou aportando na capital baiana exausto e doente. Após a recuperação, afeiçoou-se ao Brasil e decidiu seguir para o sertão, hoje Semiárido Nordeste II.

          Viveu por longos 10 anos entre os índios do Massacará, na divisa entre os municípios de Cícero Dantas e Euclides da Cunha, onde chegou a um antigo aldeamento fundado em 1639 com o objetivo de catequisar os indígenas locais. O Massacará, hoje parte do município de Euclides da Cunha, é uma área de reserva indígena com um pequeno aglomerado de casas central e outras tantas espalhadas por uma área arenosa e de poucas chuvas.

          Mas foram os deslocamentos que o elevaram ao posto cunhado por Euclides da Cunha, o “Apóstolo do Sertão”. Em 1775, chega à Serra do Piquaraçá, um local ermo, com uma grande elevação do terreno, próximo do qual, uma casa de taipa servia de apoio aos missionários que por ali passavam a cada quatro ou cinco anos. Foi ali que conclamou a população a erguer um santuário, “o calvário do sertão” que ele mesmo batizaria de Monte Santo.

          Mais tarde, em 1812, chegou a outro local isolado, a chamado dos parcos moradores locais. Era um pequeno aglomerado de casas denominado Bom Conselho, atual cidade de Cícero Dantas. No alto de uma colina, onde se observava um cemitério muito mal cuidado, em local perigoso, famoso pelas emboscadas, conclamou mais uma vez a população, rezou a primeira missa e disse que ali ergueria a capela de Nossa Senhora do Bom Conselho dos Montes do Boqueirão.

Nascia ali a matriz de mesmo nome, completamente reformada em 1896 pelo vigário Vicente Martins, com a ajuda dos seguidores de Antônio Conselheiro e auxílio financeiro da comunidade local e do Barão de Jeremoabo.

 

Moisés Reis é professor, fundador e editor do Blog História do Sertão, é historiador, mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe e atualmente se dedica a estudar a história do sertão baiano. contato: 75 999742891.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Fazenda Barriguda, Fátima - BA

 

Fonte: Pinterest



A Barriguda é uma propriedade rural antiga que ainda hoje conserva o mesmo nome, seus limites com a vizinha fazenda Maria Preta eram (e em grande medida ainda são) o riacho que corre entre as duas, trata-se do Rio Velho, que deságua no açude de Adustina. No fim dos anos 1800, Severo Correia de Souza, dono da Maria Preta, ordenou que seus escravos mudassem o curso do rio para beneficiar a si próprio. Consta que Severo orientou os seus cativos a corrigir o sinuoso curso do córrego que só ficava cheio com as enxurradas. Fazendo das curvas retas, Severo foi ganhando terras da propriedade vizinha. Consta que tal ação gerou muitos litígios entre os proprietários.

Com a morte do Barão, em 1903, a fazenda passou ao seu filho mais velho, João da Costa Pinto Dantas e com a morte desse, em 1940, aos seus filhos Adelaide e Arthur da Costa Pinto Dantas. Foram esses dois descendentes de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, que desmembraram essa e outras propriedades, vendendo a outras famílias locais.

A exemplo das propriedades vizinhas, a Barriguda tinha como principal atividade econômica, a criação de gado e praticava a agricultura de subsistência com produtos como o feijão, o milho e outros e é possível que também tenha produzido algodão entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. A pequena produção de algodão dessa área era encaminhada no lombo de animais para patrocínio do Coité, atual Paripiranga, e de lá seguia para a estação de Salgado, de onde seguia para o litoral e de lá, por mar, chegava a Europa e EUA.


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Fazenda São Domingos, Fátima- BA.

 



        

O que hoje é o povoado do São Domingos, no município de Fátima, é uma localidade com uma história que remonta às primeiras décadas do século XIX. Localizado na fronteira com o município vizinho de Cícero Dantas, o povoamento é composto por casas espaçadas entre si e por propriedades rurais de pequeno e médio porte.

Como muitos povoamentos fatimenses, o São Domingos herda o nome de uma antiga fazenda que, antes de 1830, pertencia ao enorme latifúndio pertencente à Casa da Torre. A família Ávila, linhagem de Garcia D’Ávila, que possuía a maior parte das terras que hoje compõem o Nordeste brasileiro, vai entrar em decadência no século XIX, deixando espaço para a família Dantas, linhagem do Barão de Jeremoabo, adquirir grandes nacos de terras na área que hoje é Fátima e municípios vizinhos.

João Dantas dos Imperiais Itapicuru (Avô do Barão). 

Essa história começa em 1832, quando o avô do Barão, João Dantas dos Imperiais Itapicuru, adquire enormes áreas de terras nessa região, nesse momento, praticamente toda a extensão do que hoje são os municípios de Cícero Dantas, Fátima, Novo Triunfo, Antas, Pedro Alexandre e Coronel João Sá, além de boa parte do município de Jeremoabo, passam a fazer parte das terras da família Dantas.

A partir daí, essas imensas áreas foram divididas em fazendas e nomeadas conforme vontade de seus novos donos. Entre essas fazendas está a São Domingos, uma propriedade que, como quase todas nesta área, tinha como principal atividade lucrativa, a criação de gado.

Em 1857, a São Domingos consta nos registros de terras eclesiásticos como propriedade de João Dantas dos Reis, pai do barão. Com a morte deste, em 1872, a fazenda passa às mãos de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo.

João Dantas dos Reis (pai do Barão).


 

Seguindo a dinâmica natural das heranças dentro da linhagem familiar dos Dantas, com a morte do Barão, em 1903, as terras da fazenda São Domingos, Tabuleiro, Barriguda e outras, passaram para o seu filho mais velho, João da Costa Pinto Dantas e quando esse veio a falecer, em 1940, passou as terras a dois dos seus filhos, Arthur e Adelaide da Costa Pinto Dantas. Foi com os irmãos Dantas, netos do Barão, que a fazenda São Domingos, assim como outras, foi desmembrada e vendida como propriedades menores.

Muitas dessas terras, ainda hoje pertencem as famílias que adquiriram dos Dantas, passando de geração em geração.



Cícero Dantas Martins (Barão de Jeremoabo).



João da Costa Pinto Dantas (Filho do Barão).


Arthur da Costa Pinto Dantas (Neto do Barão).



terça-feira, 10 de outubro de 2023

Rota da Ferrovia que passaria por Fátima



 

            

Imagem criada a partir do Google Earth

        Conforme tratei aqui no Blog alguns anos atrás, a Ferrovia Leste, como era conhecida pelo fatimense, foi um ramal ferroviário que buscava ligar o litoral de Sergipe ao canteiro de obras da usina hidroelétrica de Paulo Afonso.

             Na ocasião, o governo federal, nos mandatos de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas, liberou vultosas quantias para a construção da ferrovia durante os anos 1950.

           As obras tiveram evolução diferente ao longo do percurso, em Lagarto, por exemplo, chegou-se a construir uma estação para o trem, enquanto em outros pontos, com Fátima, Adustina e Paripiranga, bancadas de nivelamento, pontes e valas de até 6 metros de profundidade ficaram para trás após o abandono da obra.

         As obras foram definitivamente abandonadas em 1955 quando o governo federal, cedendo ao lobby das grandes montadoras de automóveis que chegavam ao Brasil, optou pelas rodovias. Começava ali a decadência das ferrovias do país.


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O povoamento do nosso sertão

 

Imagem: Pinterest

Para entender como a zona sertaneja do Nordeste brasileiro foi povoado pelo homem branco (a bem da verdade de maioria mestiça) é preciso compreender que, para o colonizador, toda zona situada distante do litoral era conhecida como sertão. Assim, o cerrado e mesmo a Amazônia entrava na classificação de “O grande Sertão”.

Isso posto, é igualmente importante compreender que a sociedade colonial era baseada visceralmente no litoral e sua economia inicial era fundada no cultivo da cana-de-açúcar e na produção dos seus derivados, uma economia essencialmente fundamentada na exportação.

Ocorre que, com o aumento da população dessa zona litorânea, percebeu-se a necessidade da produção de carne para o abastecimento interno e foi daí que um problema fez com que o colonizador voltasse seus olhos para o sertão ermo, seco e povoado por povos indígenas.

As férteis terras litorâneas eram decerto muito valorizadas pelos senhores de engenho que faziam uso do seu potencial para produzir a cana em enormes lavouras cujo verde dominava a paisagem. Nessa área, iniciou-se a criação de gado, mas as constantes invasões dos rebanhos às plantações de cana e os vultosos prejuízos causados, levou a imponente elite açucareira a pressionar o governo a editar uma lei proibindo a pecuária no litoral, obrigando os interessados na criação do gado a adentrar os sertões em busca de pastagens.

Assim, inicialmente através dos rios, os vaqueiros vão ocupando o sertão, abrindo novas pastagens e criando enormes fazendas com mão-de-obra mista (escarava e de libertos). Aos poucos os chamados “caminhos do boi” foram sendo abertos pela passagem das boiadas que seguiam para o litoral após um período de engorda, uma vez que a única maneira de levar carne fresca do sertão para o litoral era levando o animal vivo.

Ao longo do caminho, pequenos povoamentos vão se formando e esses dariam origem a cidades. Na região da Bahia que hoje tem a denominação de Semiárido Nordeste II, municípios como Jeremoabo, Ribeira do Pombal e Cícero Dantas são fruto desse fluxo de bois e pessoas, do lado sergipano da fronteira, cidade como Lagarto e Simão Dias seguem o mesmo padrão. Mais que isso, em maior ou menor grau, todos os municípios do Semiárido tiveram a mesma origem.

As boiadas que seguiam do Rio São Francisco para Sergipe, tinham a Vila de Lagarto como importante entreposto, do lado baiano, Jeremoabo, Bom Conselho (Cícero Dantas) Cana Brava (Pombal) e Saco dos Morcegos (Banzaê) também tiveram essa classificação.

O destaque fica para Bom Conselho que tinha uma posição estratégica, o povoamento no qual, em 1812, o Frei Apolônio de Todi ergueu uma pequena capela, era ponto de passagem dos comboios que seguiam do São Francisco para a Bahia (como era conhecida a cidade de Salvador) e era via para as boiadas que seguiam para Sergipe, fazendo da cidade um verdadeiro entroncamento regional.

O boi tinha tanta importância para a economia nacional que, além da carne, a produção de couro chegou a ser o terceiro produto na pauta de exportação do país. Outro produto importante para essa região sertaneja foi o algodão. Bem adaptado ao clima local, o algodão foi cultivado em pequenas propriedades e seguiam para o litoral em grandes fardos, o acesso era através dos portos sergipanos. Na cidade de Salgado - Se, uma linha férrea era utilizada para esse escoamento. Essa linha férrea, inclusive, foi estudada para uma ampliação, um novo ramal que ligaria o nordeste da Bahia ao litoral sergipano entrou em pauta no século XIX, mas a ideia foi barrada pela influência de políticos baianos.

Toda a produção de algodão sertanejo tinha destino certo, a Europa. Durante a revolução industrial, as fábricas do continente faziam uso do algodão produzido no sertão, que chegava ao destino final via navio.

Se o fluxo de mercadoria era grande entre o sertão e o litoral, o inverso não era necessariamente verdadeiro. Poucos comerciantes se aventuravam pelas desérticas paisagens sertanejas para praticar o comércio, a exceção foram os tropeiros, comerciantes errantes que vendiam sua mercadoria quase que de porta em porta, abastecendo as bodegas sertanejas dos produtos do litoral, a maioria dos quais, importados da Europa e EUA.

E assim, uma sociedade dinâmica foi se formando, as relações comerciais foram sendo intensificadas, as fazendas foram se modernizando e o homem sertanejo foi sendo lapidado na lida do gado. Frederico Pernambucano de Melo defende que o indivíduo acostumado com a dureza da vida sertaneja, com as lutas contra os indígenas e diante da peleja com o gado, foi formando-se forte e destemido, com um rígido código de honra onde, por vezes, as rusgas eram resolvidas no cano do fuzil.

Foi essa sociedade, formada no isolamento em relação ao litoral que, segundo o referido autor, pôde gerar o fenômeno do cangaço. Para fundamentar sua tese, o estudioso argumenta que há uma identificação entre o sertanejo e o cangaceiro, uma admiração que dura até hoje, por aqueles homens e mulheres que protagonizaram momentos de extrema violência.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 21 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista e da HQ Histórias do Cangaço e dos livros Fátima, traços da sua história e O Embaixador da Paz.

 

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quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Labareda foi julgado em Jeremoabo?

 

Fonte: Blog Lampião Aceso.

    Era alta madrugada do dia 8 de julho de 1939 quando um grupo de homens fortemente armados chega a uma modesta casa onde viviam os habitantes da fazenda Curral dos Altos, no município de Bebedouro (Hoje Coronel João Sá – Ba), os bandidos invadem a residência com facilidade, rendem os ocupantes do imóvel e iniciam a execução de um terrível plano de vingança.

            Logo, tiros de parabélum ecoam pela caatinga imersa na escuridão da noite, três corpos caem mortos, são Olegário Bispo, filho da dona da fazenda e dois viajantes, que seguiam para Paripiranga-Ba e tomaram a infeliz decisão de pernoitar ali, foram friamente mortos, eram Antônio Elias e Nonato Terêncio.

            O bando segue a sua romaria de crimes, viajam até a fazenda Logradouro, no mesmo município, e lá assassinam Jovina Maria de Jesus para logo em seguida, atear fogo em sua residência, deixando para trás uma noite de crimes, uma cena digna dos momentos finais do cangaço, atuada pelo bando de Ângelo Roque como uma vingança a uma suposta delação cometida por Josefa Bispo, que resultou na morte de três integrantes do grupo, inclusive a companheiro do chefe, Mariquinha.

            A descrição que você acaba de ler, foi relatada nos autos do processo contra Ângelo Roque, Benício Alves dos Santos (Saracura) e Domingos Gregório (Deus-te-Guie), os cangaceiros que se entregaram em Paripiranga em abril de 1940 e seguiram para Salvador onde cumpriram pena pelos seus crimes.

            Uma vez estabelecido o roteiro dos crimes que levaram à condenação dos três cangaceiros acima citados, me dedicarei a narrar os eventos posteriores, mais especificamente, os episódios ligados ao julgamento desses, tendo como base os processos de ambos.

            O primeiro e mais polêmico elemento a ser analisado é o local da realização do julgamento, visto que, no processo, consta claramente que o julgamento em si, depoimento de testemunhas, condenação e sentença, ocorreu na cidade de Jeremoabo entre 1940 e o final de 1942, como indicado no trecho a seguir: “Sala da sessão do tribunal do júri em Jeremoabo, aos cinco dias de novembro de 1942”, ou, ao finalizar um ato, o escrivão registra: “Dada e passada nesta cidade de Jeremoabo aos 12 dias de novembro de 1942”, conforme imagem abaixo:

Fonte: APEB

            Existem outras referências no texto que dão margem ao entendimento de que o julgamento em questão tenha sido realizado, de fato, na famosa cidade de Jeremoabo, contudo, existem alguns detalhes que precisam ser analisados antes de se chegar a qualquer conclusão. O primeiro deles, com efeito, é o fato de esse evento, se realizado em Jeremoabo como consta do processo, não ter deixado nenhuma outra evidência, nem fotos ou registros em jornais da época nem mesmo ter sido rememorado pela memória popular.

             Pensando por esse viés, percebemos o quão problemático é o ofício de contar a história, posto que a fonte para esse trabalho é um documento oficial, assinado por autoridades conhecidas como, para ficar em um exemplo, o juiz Antônio Ferreira de Brito.

            A cronologia dos fatos indica que no dia 04 de fevereiro do mesmo ano é emitida a Carta de Guia com uma condenação de 30 anos de prisão, é esse documento que define o número do interno Ângelo Roque da Costa como 1522.

No dia 04 de novembro de 1942 sai a condenação pelo assassinato de Olegário Bispo da Conceição, Antônio Elias e Nonato Terêncio, no dia seguinte, 05 de novembro, sai a sentença de mais 30 anos pelo assassinato de Jovina Maria de Jesus, na fazenda logradouro e incendiado à casa dela.

Em 12 de novembro de 1942, o Juiz Antônio Ferreira de Brito, decide determinar que o réu cumpra os 30 anos de prisão apenas por esse homicídio seguido de incêndio, nesse mesmo dia o escrivão, Manoel Luiz Gonzaga, finaliza o manuscrito

É sabido que em 1941, pelo menos, esses homens já estavam presos em salvador e é possível que o julgamento em questão tenha sido realizado lá e registrado como tendo ocorrido em Jeremoabo, mas a hipótese, a meu ver, mais plausível, é que o júri tenha se reunido de fato em Jeremoabo sem a presença dos réus.

A inconclusão do tema, todavia, não invalida a importância histórica do documento de posse do Arquivo Público do Estado da Bahia pois, através deste, foi possível reunir muitas informações acerca dos procedimentos envolvendo os ex-cangaceiros enquanto estiveram na capital baiana.

Sabe-se que os 30 anos de prisão a que foram condenados não foram cumpridos por nenhum dos três cangaceiros citados, contudo, o que era desconhecido até o presente momento, era o documento de comutação das penas, emitido pelo gabinete do presidente Eurico Gaspar Dutra a 18 de setembro de 1947:

Fonte: APEB
         

  Conforme se lê no fragmento acima, o presidente do conselho penitenciário, Estácio de Lima, emitiu relatório favorável à comutação das penas, relatório utilizado como base para a decisão de comutar as penas dos internos.

A conversão das penas vai surpreender o leitor, visto que o chefe do bando, Ângelo Roque, teve sua pena de 30 anos reduzida para 10 anos, ao passo que seus dois ex-comandados, Saracura e Deus-te-guie, de acordo com o mesmo documento, tiveram suas sentenças reduzidas para 12 anos cada, pegando dois anos a mais que o antigo chefe.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 21 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista e da HQ Histórias do Cangaço e dos livros Fátima: Traços da sua Histórias e O Embaixador da Paz.

 

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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Povoado Panelas


 

No distante ano de 1918, um acontecimento brutal assinala o nome do povoado Panelas na história do município. Tudo teve início após um defloramento cometido por um certo João Porfírio dos Reis, este conhecido como João Grande, era nascido e morador das Pedrinhas. Sua data de nascimento remonta ao ano de 1896.

João Grande, aparentemente, seduziu uma moça, sobrinha de João Lucindo de Souza. De acordo com o processo, João Lucindo, em ato de vingança, enviou um emissário à casa do sedutor sob pretexto de irem ambos em viagem das Pedrinhas para as Panelas. Em determinado momento do percurso, João Lucindo aguardava João Grande em tocaia para consumar seu plano de vingança.

Consta dos depoimentos que João Lucindo dominou João Grande com certa facilidade e o espancou, para finalizar com um simbolismo macabro, castrou a sua vítima.

Essa surra levaria, meses mais tarde, ao assassinato de João Lucindo nas imediações da igreja Assembleia de deus, na sede do município, quanto à castração de João Grande, não se sabe se foi consumada, pois, em determinado ponto do processo, uma das testemunhas afirma que João Grande casou-se e teve filhos após o fato.

Esse fato, fartamente documentado, nos oferece um vislumbre do passado de Fátima, sobretudo por citar o nome da comunidade de Panelas mais de cem anos atras, revelando que essa nomenclatura já era utilizada por essa época, visto que “Panelas” não é um nome que consta no registro de terras do município de Bom Conselho em 1857, como constam Paus Pretas, Mundo Novo, São Domingos, Lage da Boa Vista e outros.

Dessa forma, o que se conclui a partir dessas informações é que o nome Panelas já era utilizado pelos moradores da região mais de cem anos atras e o povoado em si, enquanto aglomerado humano, igualmente existe por esse tempo, o que indica que a localidade de Panelas já era habitada em 1918.