O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Severo Correia escreve ao Barão de Jeremoabo

Corpus eletrônico Documentos do Sertão

A missiva é datada de 9 de outubro de 1898 e é endereçada à Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo. Nela o fazendeiro, dono da Maria Preta, cujas terras englobavam boa parte do que hoje é a sede do município de Fátima, queixa-se de questões locais ao Barão, cita pelejas com Joaquim Borges, ancestral da família Borges, hoje muito numerosa na cidade e trata de assuntos corriqueiros como a seca e enfermidades.

            Como já tratado aqui no blog em outras ocasiões, Severo Correia é ancestral da também numerosa família Correia e passava por dificuldades no período posterior à assinatura da Lei Áurea pois o seu plantel de escravos abandonou a suas terras deixando o fazendeiro em maus lençóis.

            Na carta, Severo relata a escavação de manutenção da aguada do São Domingo que ainda hoje existe e tem o mesmo nome, o serviço de “tirar a lama” do tanque que nos tempos da escravidão era feito com mão-de-obra cativa, naquela data, contudo, já era executado por trabalhadores assalariados. No dia em que escrevera a carta, Severo havia ido visitar a obra.

            Outro assunto tratado no documento é uma questão de terras com um certo “Félis”, provavelmente um integrante da família Félix, questão essa intermediada por Joaquim Borges. A peleja parece girar em torno de um gado de Félix em terras reivindicadas por Severo. Como muitas questões à época eram resolvidas à bala, é possível identificar ameaças nesse sentido.

            A sede da fazenda Maria Preta provavelmente ficava localizada onde hoje estão as terras de José Nonato de Oliveira. Pela carta não é possível concluir que a fazenda São Domingos, hoje povoado de mesmo nome, tenha sido parte da Maria Preta ou simplesmente uma segunda propriedade pertencente a Severo Correia.

            O documento de 122 anos está disponível no corpus eletrônico documentos do sertão mantido pela UEFS.  

 

Monte Alverne sofre com a seca

 

Foto: Juan K. Menezes

No dia 19 de Março de 1947 o JORNAL A TARDE noticiava o sofrimento do povo dessa região em consequência da nefasta seca que assolava toda essa área naquele ano.

A notícia do periódico está registrada no livro de tombo da igreja de Cícero Dantas e foi encontrada pelo pesquisador Juan K. Menezes. Um velho recorte de jornal está ali anexado ao lado de inscrições feitas à mão e são um valioso relato de como a seca afetava a vida do sertanejo naquela data.

Com o título “A seca no Nordeste”, o jornal busca noticiar algumas ações governamentais que visavam amenizar os efeitos da estiagem, bem como relatar a dificuldades de municípios como Antas, Ribeira do Pombal e Cícero Dantas. As ações passam pela construção de açudes e a disponibilização de caminhões pipas para levar água aos rincões dessa árida terra.

A reportagem dá conta da morte de animais e do colapso das aguadas infestadas de urubus se alimentando de peixes mortos, um cenário absolutamente desolador que as gerações atuais, felizmente, não conhecem em sua plenitude.

Os recursos públicos enviados à região para combater os efeitos da seca estão cuidadosamente anotados à mão no livro, Monte Alverne, hoje Fátima, teria recebido 5 mil cruzeiros, conforme anotação. O documento é um mostruário da importante atuação da diocese junto ao povo mais pobre da época. Cartas e telegramas demonstram a preocupação de religiosos e o contato com políticos afim de angariar recursos e obras. O Padre Renato Galvão certamente é um expoente nesse seguimento, seu nome sempre figura entre os mais empenhados em combater os efeitos das secas e minorar a terrível penúria que se abatia sobre o sertanejo a cada período de estiagem, inclusive tomando medidas preventivas como a inserção da algaroba, planta de origem africana,  para servir de ração animal e diversificação da agricultura familiar.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Padre Renato Galvão pede socorro a Deputado Estadual em nome dos moradores de Monte Alverne (Fátima).


 A carta de 7 de setembro de 1955 é endereçada ao então deputado federal João da Costa Pinto Dantas Júnior e escrita pelo vigário e político a partir da cidade de Cícero Dantas. O documento é parte do acervo on-line “Corpus Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão” que passou por uma recente atualização.

A missiva, uma das centenas escritas por Renato Galvão ao político, traz um apelo feito pelo padre para que o deputado tome medidas que combatam os terríveis efeitos da seca e cita a situação calamitosa na pequena localidade de Monte Alverne, cinco anos antes de esta ser alçada à Vila de Fátima.

As cartas do padre endereçadas aos chefes políticos locais, com frequência demonstravam a preocupação do religioso com os nefastos efeitos das secas em nossa região. Vale lembrar que, à época, uma precária estrutura estatal buscava amenizar tais efeitos sobre a população e isso aparentemente era motivo de grande preocupação para o Padre Renato, como era conhecido. Dessa forma, pedidos de construção de açudes, barragens e de verbas para o combate às estiagens eram assuntos frequentemente tratado entre o padre e o deputado.

Na carta a qual nos referimos, o religioso solicita a construção de um açude na lagoa do Ouricuri, obra esta já em fase de inspeção por parte do Departamento de Secas, um antecessor do DNOCS. De acordo com o Padre, essa barragem daria sustentação hídrica a cede do município de Cícero Dantas aproveitando a vazão do rio Kingomes que atualmente serve de divisa entre aquele município e Fátima.

Curioso é que o prefeito de Cícero Dantas na época era João Batista de Andrade (precursor da tradicional família Andrade na cidade), mas foi o vigário o remetente da carta e quem “entregou” a obra nas mãos do chefe político.

Quanto a Monte Alverne, os relatos do Padre Renato dão conta de uma situação absolutamente calamitosa. O vigário pede para que o deputado interceda diretamente junto ao então governador do estado Luiz Viana Filho em nome da pequena localidade onde os moradores não dispunham  mais de água e se alimentavam de bró e um farelo obtido a partir do tronco do ouricurizeiro.

O padre cita ainda o uso político da situação de seca por políticos locais aos quais nomeia simplesmente de “Nosso adversários” confirmando que, por essas bandas, a indústria da seca já é secular e a miséria do povo mais pobre serviu e, em grande medida, ainda serve de palanque para os maus políticos.


sábado, 4 de julho de 2020

Fátima, do gerador a diesel à energia elétrica.

Decreto de junho de 1964.


            A gestão do Padre Renato Galvão junto à prefeitura de Cícero Dantas de fato foi um período de melhorias para a então Vila de Fátima. Diversas obras e benfeitorias foram realizadas em benefício do povo fatimense.
            No dia 15 de junho de 1964, um a mês antes de autorizar a construção do Mercado Municipal, o prefeito assina decreto liberando a aquisição do sistema de força de luz para Vila de Fátima que, de acordo com o decreto da mesma data, consistia na aquisição de postes, cabos e uma usina “termoelétrica”. Tudo isso com um orçamento limite de dois milhões de cruzeiros.
            O termo utilizado para definir a usina de força que traria energia elétrica para Fátima contém um erro de definição. Uma usina termoelétrica consiste em uma instalação na qual a energia elétrica é gerada a partir da queima de combustíveis como carvão, Biomassa, Diesel, etc. dentro de uma caldeira. Tal instalação jamais existiu em Fátima, tratando-se, como dito, apenas de um erro de definição.
            A “usina” que foi instalada no Poço Municipal, na “Bomba”, como é popularmente conhecida, tratava-se de um gerador movido a diesel com capacidade para gerar a energia de que necessitava a pequena localidade.
            De acordo com Joselito Amaral, o equipamento era operado pelo fatimense João Mota, o mesmo cuidador do Poço Municipal. A energia fluía enquanto o gerador estava ligado e isso não acontecia nas vinte e quatro horas do dia. Como lembra Joselito, o serviço só funcionava até as oito horas da noite. Segundo ele, para alertar os moradores, João Mota dava “três sinais” que consistiam em três apagões em intervalos regulares. Era a deixa para que todos voltassem para as suas casa pois, após o último sinal, o gerador era desligado e toda a Vila voltava à escuridão noturna.
            A energia elétrica oriunda de uma usina hidroelétrica, como temos hoje, só chegaria à Fátima em 1971, na gestão de Abelardo Vieira.
            Mas as ações do Padre/Prefeito em favor de Vila de Fátima não parariam por aí. Meses mais tarde, no dia 30 de outubro do mesmo ano (1964) ele assinaria mais dois decretos. Um que liberava um milhão e duzentos mil cruzeiros para a instalação do serviço de limpeza pública e outro de quinhentos mil cruzeiros para ampliação do prédio escolar, atual Colégio Estadual Nossa Senhora de Fátima e mais quinhentos mil para indenização de terrenos desapropriados para a ampliação.
            Sem dúvidas, a gestão do Padre Renato foi um período de grandes melhorias para Fátima.

·         A documentação necessária para a elaboração desse artigo nos foi enviada pelo pesquisador Juan K. Menezes.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A Prefeitura municipal de Cícero Dantas publica o decreto de construção do Mercado Público Municipal na então Vila de Fátima.

Decreto de 17 de julho de 1964


Naquele fatídico ano de 1964, que ficaria marcado para a história nacional como o ano do golpe militar que instauraria uma sombria ditadura de 21 anos no país, na pequena cidade de Cícero Dantas, da qual Fátima fazia parte, estava em vigor o mandato do Padre Renato Galvão, mandato que durou de 1962 a 1965 em decorrência da renúncia do vigário alegando problemas de saúde.
            Na câmara municipal, havia um representante da então Vila de Fátima. Seu nome era João Maria de Oliveira e tinha sido eleito vereador do município de Cícero Dantas pela primeira vez.
            Se você, caro leitor fatimense, fosse contemporâneo daquele legislatura, é quase certo que cultivaria um sentimento de esperança de novos e melhores tempos para a pequena Vila de Fátima na dita conjuntura. Mas isso não seria por acaso, afinal, a Vila agora tinha um representante, filho da terra, no poder legislativo (João Maria) e um notório simpatizante no executivo municipal, o então prefeito, Renato Galvão.
            Ao que tudo indica, o Padre Renato era um homem de grande espírito público, as suas correspondências com o deputado estadual e líder local João da Costa Pinto Dantas, revelam uma preocupação com o município digna de alguém que realmente estava disposto a ajudar.
            Assim, dadas as condições políticas favoráveis, no dia 17 de julho de 1964 o padre/prefeito assina o decreto da construção do Mercado Público Municipal para a Vila de Fátima, à época, o maior povoado do município de Cícero Dantas.
            Não está claro qual a participação do então vereador João Maria na aquisição da obra, o fato é que, dadas as circunstâncias, tudo nos leva a crer que o político que ainda teria uma longa história política em Fátima, não só tinha interesse na obra como buscou pelo recurso.
            Em caráter de urgência e com um orçamento inicial de três milhões de cruzeiros, o povo fatimense foi contemplado com uma obra que, de certo, veio a melhorar a vida dos munícipes. 
Por ocasião da construção do mercado, também conhecido pelos fatimenses como Açougue Municipal, o comércio alimentício que funcionava na Praça Ângelo Lagoa, onde outrora funcionava a feirinha e o barracão, para a assim chamada "Rua Nova" que mais tarde daria origem à atual Avenida Nossa Senhora de Fátima, a maior da cidade. A construção da década de 1960 ainda hoje existe na atual avenida Nossa Senhora de Fátima e nos dias atuais abriga o Banco do Brasil e um almoxarifado da prefeitura.

·         A documentação para a construção desse artigo nos foi enviada pelo pesquisador Juan Kléber Menezes.

domingo, 28 de junho de 2020

O soldado fatimense que participou do último combate do cangaço

Liberino Vicente, Fátima, 1982.
            No dia 25 de maio de 1940 acontecia o último combate entre cangaceiros e volantes na cidade baiana de Barra do Mendes. Tratou-se do embate em que Corisco, o diabo loiro, foi morto e sua companheira, Dadá, perdeu uma das pernas em consequência de um tiro de fuzil.
            Durante os anos de auge do cangaceirismo no nordeste, Corisco era considerado o segundo homem nas trincheiras do banditismo, abaixo apenas de Lampião. Notório pela sua crueldade, cometeu atos tão hediondos que rivaliza com as ações do próprio Virgulino. Por esse motivo, adquiriu a alcunha de Diabo Loiro.
            Em 1940, contudo, o cangaço dava seus últimos suspiros. Após a morte de Lampião em 28 de julho de 1938, o cangaceirismo passou a sofrer um forte processo de decadência, seja pela própria simbologia da morte do seu maior expoente, seja pela intensificação das perseguições do estado afim de dar linhas finais ao banditismo.
            Após o massacre de Angico, vários grupos foram sendo dissolvidos. Se entregando às autoridades ou sendo dizimados pela polícia, os chefes de subgrupos foram aos poucos cedendo às pressões que levariam ao fim do movimento. Assim, bandos como os de Zé Sereno e Ângelo Roque, este último em Paripiranga, foram se entregando e dando baixa em suas armas.
            Naquele 25 de maio de 1940, contudo, o combate entre a volante de Zé Rufino e Corisco não foi necessariamente um fogo, como os bandoleiros nominavam os tiroteios, entre soldados e um grupo de bandidos, pois Corisco não estava mais no comando do seu, outrora numeroso, grupo de cangaceiros.
            Viajavam Coriso, Dadá, Rio Branco, Florência e a menina Zefinha, natural de Bebedouro (atual Coronel João Sá). Não estavam mais atuando como cangaceiros, já não usavam mais a sua característica indumentária. Vestidos como civis e carregando o que restara dos espólios do cangaço, viajavam em fuga, rumo a uma vida clandestina e distante das catingas que dominaram por anos.
            Na altura da cidade de Barra do Mendes, pediram pouso na fazenda Pacheco. Passavam-se por romeiros em direção a Bom Jesus da lapa, possivelmente seu destino final fosse o estado de Minas Gerais. Na época, Corisco já não lembrava nem de longe o estereótipo de guerreiro que havia adquirido nos anos de combate. Deficiente de ambos os braços em decorrência de ferimento a bala, era alcoólatra e tinha dificuldades para atirar.
            De Jeremoabo, o tenente Zé Rufino buscava rastrear o último grupo de cangaceiros que, de uma forma ou de outra, ainda perambulavam em liberdade. Sagaz e incansável, o tenente Consegue pistas do possível paradeiro de Corisco. Naquela expedição chefiada por Zé Rufino havia um fatimense, Liberino Vicente, que na época já gozava do posto de soldado efetivo da polícia baiana.
            O grupo de 15 soldados chega à fazenda Pacheco onde Corisco e o restante do grupo estavam escondidos. Dadá é a primeira a perceber a chegada dos soldados e alerta Corisco que prontamente começa a atirar contra os policiais. Não foi uma luta justa, visto que Rio Branco e Florência estavam afastados e fugiram ao escutar os primeiros disparos. Corisco e Dadá enfrentam sozinhos o numeroso grupo de soldados.
            Em poucos minutos de ação efetiva, Dadá é baleada na perna e vai ao chão gritando para que Corisco fuja, não há tempo. Alvejado por uma rajada de metralhadora, Corisco cai com as vísceras à mostra. Estava mortalmente ferido mas ainda vivo.
            Em entrevista, Zé Rufino afirma que conversou com Corisco enquanto esse agonizava. Queria saber porque o cangaceiro não tinha simplesmente se entregado diante da evidente desvantagem. Indagação a qual Corisco teria respondido com esses palavras: “Não sou homem pra me entregar, sou homem pra morrer”.
            O casal de cangaceiros feridos e a menina Zefinha são postos em um carro de boi e levados para a cidade vizinha de Miguel Calmon. No trajeto, descrito posteriormente por Dadá, como uma viagem extremamente longa e dolorida, Corisco viria a morrer cerca de seis horas depois de ser baleado. Ao chegar na cidade, Dadá é levada ao hospital onde tem a sua perna direita amputada e Corisco é sepultado no cemitério da cidade.    De lá, Dadá e a menina Zefinha são postos em um trem e levados para Salvador. Dadá é presa e a criança mandada de volta para a casa dos seus pais.
            Inusitadamente, nos anos posteriores, Dadá e seu algoz, Zé Rufino, desenvolvem um sentimento de respeito mútuo. Tanto é que, nos anos 1980 a ex-cangaceira visita  o militar em Jeremoabo por mais de uma vez. Durante uma dessas visitas ela relata que adquiriu um respeito pelo agora Coronel Zé Rufino em decorrência das suas ações após o combate. Ele teria impedido que cortassem a cabeça de Corisco, algo muito comum naquelas ocasiões, e ainda garantiria que Dadá não fosse executada ali mesmo.
            Aquele combate em Barra do Mendes entraria para a história como sendo o marco final do cangaço. Não ficou claro para mim qual foi a participação do soldado Liberino na ocasião. Sabe-se, de acordo com informações apuradas, que ele estava presente e participou efetivamente da ação. De toda sorte, está mais do que claro que o fatimense Liberino Vicente entrou para a história do cangaço nordestino.

Corisco Morto


A construção desse artigo teve a importante colaboração do amigo pesquisador Robério Santos, do canal “O cangaço na literatura”.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Rara foto da igreja de Fátima é encontrada no computador da paróquia.


A foto foi encontrada no acervo fotográfico da paróquia de Fátima por frequentadores. A rara imagem mostra a igreja com dimensões bem menores que as atuais. É possível observar diversos fiéis na parte da frente. Ainda não havia sido construída a praça da matriz e as construções ao redor se mostram bastante diferente do atual aspecto.
Infelizmente as informações sobre a imagem em questão são escassas. A foto foi enviada ao Blog HISTÓRIA DE FÁTIMA pelo colaborador Juan K. Menezes e, infelizmente, não é possível saber qual o ano retratado e quem é o fotógrafo. Esperamos que algum leitor possa nos fornecer informações adicionais.

terça-feira, 9 de junho de 2020

A influência do Padre Renato Galvão junto ao deputado Dantas Jr muito ajudou Cícero Dantas e Fátima.



João da Costa Pinto Dantas era neto de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo. Nascido em 1859, formou-se em direito aos 20 anos e aos 23 já era deputado estadual (1921).
Por ser membro de uma das famílias mais influentes do nordeste, passou a vida alternando entre os cargos públicos ligados ao direito e os mandatos de deputado, tendo ocupado também o cargo de Presidente da Caixa Econômica da Bahia. Integrante do auto escalão da política baiana, tinha o seu distrito eleitoral nessa parte do sertão, onde suas raízes familiares o conferiam grande prestígio.
Por essa razão, cultivava amizades com lideranças políticas locais com quem, à exemplo do avô, trocava correspondências com enorme frequência. Esses laços de amizade, claro, era uma eficiente forma de manter os seus votos.
Uma dessas amizades era o vigário da paróquia de Cícero Dantas, Renato Galvão. Em uma série de cartas disponíveis no “corpus eletrônico Documentos do Sertão”, entre os anos de 1945 e 1959, o religioso e o político conversam sobre os temas relevantes para a região, revelando uma amizade e uma aliança duradoura.
Os documentos revelam que o Padre Renato, como era conhecido, exercia grande influência dobre o deputado e era realmente comprometido com as questões da gente pobre da sua comarca.
Evidentemente, sabemos que a relação entre os dois era permeada de interesses políticos de ambos os lados como era praxe na época e ainda, em grande medida, o é. O fato é que as cartas do padre, endereçadas ao deputado, estavam sempre permeadas de pedidos que refletiam a demanda da população local a despeito de alguns pedidos em nome de amigos estarem também registrados.
Sempre respeitoso com as palavras dirigidas ao líder político, o padre frequentemente assim iniciava as suas cartas:

Meu caro amigo, Dantas. Afetuosas saudações, com elevados votos de bem estar.


Entre as petições encaminhadas ao deputado pelo vigário estão a construção ou revitalização de estradas, açudes e socorro perante os efeitos das secas, como podemos notar nesse trecho de carta de 1955 onde, preocupado, escreve o padre:

Escrevo-lhe sobre a impressão de terrível pesadelo que atormente a mente de todos os nordestinos. As faltas de chuvas de inverno. Estamos, infelizmente, as portas de uma calamidade sem precedentes. As chuvas de plantação suspenderam desde maio, noites frias e dias de sol, tudo se estiola e morre. Lembro ao bom amigo do Nordeste que as verbas  do Departamento de Secas e outros auxílios de 1956 devem ser maiores, mesmo porque o povo precisa de trabalho para garantir.

Nota-se, pelo emprego das palavras que o vigário antecipa-se ao que chama de “calamidade sem precedentes” para pedir pelos mais pobres e vulneráveis aos efeitos nefastos das secas que à época, muito mais do que hoje, em virtude da melhor estrutura de amparo estatal, imprimia muito mais sofrimento ao povo da região.
Nesse outro trecho de setembro de 1957, o padre solicita a construção de um açude:

Aqui nessa missiva vai o nosso pensamento sobre a mais importante obra de que necessita o município, qual seja o açude do Pedrão do Vale.

Na sequência da carta o padre fala sobre a possibilidade de obras no rio Quingomes que hoje divide os limites de Fátima e Cícero Dantas, também para prevenção contra as secas e pede que o deputado interfira como puder para que a obra seja realizada.
Não há registro de petição para a construção do Poço Municipal de Fátima, a Bomba, inaugurada em 1960, mas é sabido que a obra foi realizada através de pedido do padre ao mesmo deputado, como já tratado aqui no blog em textos anteriores.
Os padres sempre desempenharam importante papel político em nosso região. As capelas erguidas em locais cuidadosamente escolhidos funcionavam como postos avançados do estado durante a colonização e o poder e influência dos religiosos manteve-se república a dentro.
A análise da correspondência entre o Padre Renato Galvão e o Deputado Dantas Jr revela um homem com espírito público e uma profunda identificação com o povo mais pobre. Essa foi a impressão que tive dessa figura tão importante para a nossa gente.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Carta de 1812 descreve a construção da igreja o do cemitério de Cícero Dantas.



            A missiva é escrita pelo Frei Apolônio de Toddi, endereçada ao imperador. Nela o frei italiano, conhecido como o beato dos sertões, fornece informações sobre a construção de uma igreja no local onde ficava o antigo cemitério da cacunéa, na atual praça da igreja matriz de Cícero Dantas.
            O relato do religioso é rico em detalhes:

Nesse tempo o povo dos tabuleiros, que fica longe doze léguas, fez requerimento de fazer uma capela no antiquíssimo cemitério da cacunéa e pediu de eu manda-lo fazer. O excelentíssimo arcebispo despachou que sim, que eu fosse e fizesse a caridade.

O trecho da carta do frei, nos mostra uma prática comum no Brasil colonial. Não havia a separação entre igreja e estado e a igreja católica tinha liberdade de transitar livremente pela colônia. Os padres e freis percorriam esses sertões evangelizando os caboclos e os indígenas. Quase sempre, fundava-se uma pequena capela em uma área minimamente povoada e com potencial em recursos naturais para gerar uma vila. Aos poucos, casas iam sendo erigidas no entorno do templo e, com o passar do tempo, formava-se um povoamento que depois viraria uma freguesia, vila e, posteriormente, uma cidade. Era uma forma muito eficiente de direcionar a formação da futura cidade ao redor da igreja, o que é bastante simbólico, pois a igreja torna-se o centro da cidade e da vida das pessoas que ali vivem.

E foi aos 8 de julho de 1812, e fui conduzido a uma casinha de uma negrinha, que tinha cento e três anos, porém, bem longe do dito cemitério.
No dia seguinte vieram dois homens para me conduzir a ver o lugar; cheguei ao dito cemitério e não tinha formalidade nenhuma porque tudo era mato e se via aqui e acolá uma cova de defunto.

Mais adiante, o frei faz o primeiro relato conhecido das práticas violentas da localidade que ficava às margens da estrada real e era frequentemente palco de verdadeiras tragédias protagonizadas por ladrões que atacavam viajantes na área, os matando a fim de roubar os seus pertences e, posteriormente, os enterrando ali mesmo. Essa particularidade daquela área é tratada no romance “Cariri Sangrento” de Landswalth Lima, quando portugueses recém chegados ao Brasil se envolvem em um violento episódio com um sujeito que tentava assassinar Maria Boqueirão, uma das personagens principais da trama. No obra de ficção, o malfeitor é morto e enterrado no dito cemitério.

Perguntei se havia rio, responderam que não, mas sim muitos olhos d’água que nunca secavam, ainda com apertada seca, e que, por ser uma travessia, muita gente passageira se mata nesse lugar, porque pelo motivo da água arranchavam-se e vinham os ladrões, e no tempo que dormiam, os matavam, roubavam e enterravam no cemitério.
A seguir, o religioso conta como reuniu gente suficiente para iniciar a obra da igreja:

Ordenei as duas pessoas que no domingo dizia missa, que espalhassem voz pelos circunvizinhos de vir. Ordenei que no sábado se ajuntassem no cemitério, trazendo machados, foices e enxadas para se aprontar o lugar da igreja. Da fato, no sábado bem cedo vieram perto de cinquenta homens se cortou todo o mato, e se mataram muitas cobras tão grandes que uma foi julgada pesar duas arrobas.

Em outro trecho relata como conseguiu a madeira necessária:

Agasalhado no cemitério, principiei logo a andar com guia e com gente pelos matos para achar madeira boa e escolhida para levantar a igreja, para tabuado, linhas, frechais, caibros, ripas, etc.

O atual cemitério que fica em um monte em frente à igreja também foi obra do mesmo frei:

Assim como de frente a igreja, distante sessenta braças, tem um monte bastante alto, em cima dele erigi o santo calvário, entre uma pequena capela, onde além das três cruzes, coloquei a imagem de Nossa Senhora da Soledade, S. João e Bom Jesus no túmulo, com bonito altar.

No trecho seguinte, vemos como a vila do Bom Conselho vai se formando em volta da igreja e em decorrência desta:

Frei Francisco de S. Damazo, por uma pastoral ordenou que se benzesse e se rezasse missa, declarou altar privilegiado e concedeu muitas indulgências, por cujo motivo é muito visitado dos romeiros, que recebem do santo calvário graças e favores. Por esta razão, sendo continuado o concurso de romeiros, de boiadas, de comboios e passageiros, os habitantes fizeram muitas casas, e se sua majestade fizer vila há de ser muito grande e dar muito lucro à vossa majestade e seus vassalos.

Documento publicado por SANTANA (2008).

Padre Renato Galvão se queixa da atuação de João Maria em eleições de Fátima


Em carta de 1954, o vigário líder político local e, posteriormente, candidato a prefeito de Cícero Dantas, relata as movimentações políticas locais ao deputado estadual João da Costa Pinto Dantas Jr, neto do Barão de Jeremoabo, líder político regional.
Naquele período, Fátima, que ainda se chamava Monte Alverne e pertencia à Cícero Dantas, era o maior povoado do município e importante colégio eleitoral para o candidato Renato Galvão. Na correspondência, o padre fala sobre a total desorganização dos trabalhos na localidade de Monte Alverne, citando inclusive a suposta incompetência dos responsáveis, o que nos dá uma ideia de como os pleitos eram realizados por aqui na época:

Em Monte Alverne, nosso reduto, não houve praticamente eleições. Já o previa e assim é que forneci cópias ao delegado do partido em termo de responsabilidade ao presidente. Escolheram para dirigir pessoas incapazes. Os trabalhos estiveram paralisados até as 15 horas, os presidentes não sabiam abrir e dirigir os trabalhos

Na sequência, o vigário fala da atuação de João Maria e um certo João Neves:

O delegado João Neves e o soldado João Maria só deixaram votar quem mostrasse as chapas, isso dentro do recinto, suspenderam os trabalhos pela manhã e espalharam notícias falsas que causaram o pânico.

O texto nos mostra as acirradas disputas eleitorais em nossa região. Regada a um certo primitivismo e a inapropriada malícia de manipular os resultados, o que produzia um ambiente caótico de intrigas e resultados fraudulentos.
É esse mais um retrato das disputas políticas em nossa região na década de 1950, são práticas políticas que, infelizmente, ainda não foram de todo extirpadas em nossa cidade.


O documento necessário para esse artigo nos foi enviado pelo amigo Fernando Pires

A data da proclamação da república era comemorada em nossa região no final do século XIX e início do século XX.


As circunstâncias da proclamação da república brasileira levaram a população, de um modo geral, a dar muito pouca importância ao 15 de novembro. Assim, nomes importantes do republicanismo nacional como Floriano Peixoto, Quintino Bocaiúva e Benjamim Constant não figuram no imaginário do grande público no país.
De acordo com a maioria dos historiadores, essa falta de interesse pelo evento da proclamação da república se dá, em grande medida, pela falta de participação popular na mudança de regime. A república fora proclamada através de um golpe de estado dado pelos militares com o apoio das elites políticas e econômicas. Ficando o povo totalmente à margem de todo o processo e, a rigor, do planejamento daquilo o que viria a ser o Brasil republicano.
Por conta disso, o feriado de 15 de novembro passa quase que em branco em todo o país. Boa parte dos brasileiros nem sabe do que se trata a data. Para além disso, poucas são as homenagens feitas pelo país ao acontecimento daquele conturbado ano de 1889.
Em nossa região, contudo, existem alguns indícios de que essa apatia referente à data da proclamação da república tenha sido diferente nos primeiros anos do novo regime. É provável que a recém proclamada república carecesse de liga entre o nosso povo, por isso, os primeiros governos empenharam-se em criar um sentimento patriótico em torna da república, sobretudo nessa distante região.
Em carta à Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo, um cidadão da então Vila de Tucano, de nome, Antero Cerqueira Gallo, fala a respeito das comemorações do 15 de novembro. O simples fato de tal comemoração ser citada em carta ao Barão nos diz muita coisa. É importante lembrar que o Cícero Dantas Martins tinha grande prestígio político, era uma liderança venerada entre os seus conterrâneos e, considerando que esse tema fora citado em mais de uma carta do mesmo Antero Gallo em correspondências com o Barão, nos é possível deduzir que, de fato, era este um feriado importante e apreciado pela população.
Uma das cartas data de 23 de novembro de 1898, apenas nove anos após a proclamação. É demasiadamente importante lembrar que naquele ano, do envio da correspondência, a Guerra de Canudos, um movimento abertamente monarquista na figura do seu líder Antônio Conselheiro, um antirrepublicano convicto, tinha sido encerrado há muito pouco tempo (1897) e suas marcas ainda estavam muito vivas no imaginário popular.
Nesse momento, nos é franqueada a liberdade de imaginar o quão importante era para aquela elite política local, fazer com que o sentimento republicano fosse absorvido pela população em geral. Aliás, um duro dever aquele de inserir na cabeça dos mais pobres a bondade de um regime que simplesmente não os enxergava.

Fonte: Corpus eletrônico de documentos do sertão - UEFS


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Carta do Padre Renato Galvão revela aspectos dos pleitos eleitorais em Fátima.



A missiva é endereçada ao neto do Barão de Jeremoabo, João da Costa Pinto Dantas Júnior, o Dr. Dantas, e trata das movimentações políticas entre os poderes de Cícero Dantas quando Fátima ainda se chamava Monte Alverne.
            Na correspondência, o vigário da paróquia da cidade de Cícero Dantas fala sobre a situação em torno do pleito eleitoral no qual concorria ao cargo de prefeito da cidade. Deputado estadual na ocasião, Dr. Dantas era parte da linhagem do Barão de Jeremoabo, seu avô, falecido em 1903 e sepultado na igreja da cidade que carrega seu nome, Cícero Dantas.
            Corria o ano de 1954 e o padre candidato assim escreve ao chefe político em tom de prestação de contas:

Acabo de regressar de Monte Alverne onde realizei na tarde de hoje grande comício no qual seu nome foi delirantemente aplaudido. Lembrei ao povo a memória do saudoso coronel Chiquinho Vieira e os benefícios da política de paz que os Dantas sempre realizaram no nordeste. Várias adesões. Tenho sofrido ataques tremendos, inclusive ameaças e até fortes pancadas na porta altas horas da noite. Nada receio. Os ataques estão revoltando o povo que dia a dia se apavora e abandona os adversários. nunca vi adversários tão cruéis. Descobriu-se que a empregada que demiti iria envenenar-me. A vitória é certa, apesar de não dispormos de eleitorado novo e fui prejudicado, o cartório eleitoral é uma imoralidade, desaparecem títulos novos e velhos.

Em outro trecho, em virtude dos ânimos exaltados, o padre pede o envio de tropas federais para garantir a segurança e queixa-se do, agora famoso, Coronel Zé Rufino, o algoz de Corisco que residia na cidade de Jeremoabo.

Havendo garantias de forças federais a vitória será esmagadora. Veja se consegue forças federais para Cícero Danas, até agora não houve mortes porque tenho sido prudente. José Rufino não apareceu e é dúbio, o soldado não é amigo de ninguém.

O fim do período da história do Brasil conhecido como Coronelismo é costumeiramente cravado no ano de 1930, ano da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder e colocou números finais à República Velha. Contudo, as práticas políticas oriundas desse passado tardaram a desaparecer em nossa região. A carta do Padre Renato Galvão, que se elegeria prefeito de Cícero Dantas, mostra como as disputas ainda eram pautadas em fraudes eleitorais e na coerção de eleitores.
A citação do Coronel Chiquinho Vieira, patriarca da família Vieira de Cícero Dantas, nos mostra como aquele período ainda carregava forte influência do mandonismo político assim como os sumiços de títulos eleitorais do cartório demonstram as recorrentes fraudes eleitorais.
Monte Alverne era o maior povoado de Cícero Dantas, por essa razão, um comício exitoso por aqui era importante para a candidatura do padre. Um relatos feitos a mim por Joselito Amaral, dá conta de que a campanha foi, de fato, intensa por aqui, o trecho da música de campanha ainda é lembrado por alguns fatimenses:

“Valente Padre Renato!
Valente Padre Renato!”

            Ao que parece, o Padre buscou retribuir os moradores de Monte Alverne trazendo para a localidade programas de incentivo e aperfeiçoamento agrícola e o poço municipal, conhecido como “A Bomba” pelos fatimenses, inaugurado a 4 de outubro de 1960.

A documentação para a confecção desse artigo nos foi enviada pelo amigo Fernando Pires.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Documentação do arquivo público da Bahia revela aspectos da história de Fátima.




Através de documentação acessada junto ao acervo do arquivo público da Bahia e publicada por Santana (2008), tivemos acesso a um registro histórico de casamentos comunitários ocorridos na Serradinha em 1912 e outras informações relevantes para montar o quebra-cabeças que compõe a história de Fátima.  
O documento em questão faz parte do levantamento feito em 1949 pelo município de Bom Conselho a fim de dirimir dúvidas quanto a posse das terras limítrofes com Paripiranga.
Aparentemente foi criada uma comissão para solucionar a disputa de terras entre os dois municípios citados. Vale lembrar que a pequena povoação que mais tarde originaria Fátima ainda não havia sido alçada ao status de Vila, o que só viria a acontecer em 1960.
Parte dos trabalhos da comissão era colher informações sobre a posse das terras em litígio. Boa parte do que hoje é o município de Fátima como Lagoa da Volta, Formigueiro, Serradinha e São Domingos, por exemplo, era disputada pelos dois municípios à época e uma das formas encontradas para esclarecer a questão foi a entrevista de moradores antigos para colher informações. Essas entrevistas foram registradas como declarações apresentadas à justiça, nas quais os habitantes buscavam marcos históricos para determinar a posse das terras.
Uma dessas declarações foi dada pelo cidadão Pedro Correia de Souza Filho, à época com 76 anos. Pedro Correia (Pai de Correinha da Zabumba) nascera em 1873 é um dos primeiros membros da família Correia (que ainda hoje habita a mesma região) a ser registrado como morador da antiga fazenda Lagoa da Volta, outrora propriedade do Barão de Jeremoabo. O barão, inclusive, era seu padrinho e tio.
Vejamos a transcrição parcial do documento:

Eu, Pedro Correia de Sousa Filho, nascido na fazenda Volta, município e freguesia do Bom Conselho, com 76 anos de idade, filho de Pedro Correia de Souza e Lavínia Francisca Dantas (Irmã bastarda do Barão), residente da Fazenda Formigueiro, do mesmo município e paróquia de Cícero Dantas, a bem da verdade, sem coação alguma, venho declarar:

Que entre seus vizinhos conseguiu algumas declarações de casamentos celebrados pelo Padre Vicente na Serradinha, na casa de Chico Preto em 1912: José Gato e Luiza, Antônio Barrigudo e Maria, Francisco Vicente e Mariana, Manoel Nunes e Josefa, Balbina Barra e Teodoro.

O motivo de Pedro Correia citar os casamentos ocorridos na Serradinha é que a celebração foi feita pelo vigário de Bom Conselho, o que indica que aquela região pertenceria ao mesmo município.
Vale lembrar que os padres exerciam grande importância nas questões ligadas à posse das terras. Para se ter uma ideia, o registro de compra e delimitação de uma propriedade rural era feito pelos religiosos, em cumprimento de lei imperial de 1850. Dessa forma, o ato de um padre celebrar o casamento em uma comunidade, significava que aquela pertencia à sua diocese.
Essa documentação é um excelente registro do passado da região. Um dado curioso é que a família Correia habita a região há, pelo menos, 150 anos. Outro fato interessante é a ligação de parentesco entre essa numerosa família e o Barão de Jeremoabo. Em outro trecho da sua declaração é citado:

Lembra-se que seu padrinho de batismo, Sr. Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo, por sinal, seu tio, porque sua mãe Lavínia Francisca Dantas era irmã bastarda do Barão.

Pedro Correia de Souza Filho provavelmente está sepultado no cemitério particular da família na Lagoa da volta, essa informação será checada em breve, assim que a família autorizar uma visita à propriedade.
O documento data de 21 de novembro de 1949 e é assinado por Maurício José de Santana.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Como Fátima e municípios vizinhos surgiram dentro das terras do Barão de Jeremoabo?

Disponível em: https://www.facebook.com/prefeituradefatimabahia/posts/1910284022614762/


O primeiro ponto a ser destacado na pergunta que nos serve aqui de problema balizador é como essas terras chegaram à família Dantas, linhagem de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo.
            A família D’ávila, da Casa da Torre, foi a responsável pela colonização de toda essa região com a expansão da pecuária bovina ainda nos anos 1700, embora o patriarca da casa da torre, Garcia de Sousa D’ávila tenha chegado ao Brasil ainda antes, nos anos 1500.
            A família Ávila ostentou por séculos, durante quase todo o período colonial, o maior latifúndio de que se tem notícia na história do Brasil. Contudo, com a proclamação da república e seus desdobramentos políticos, a Casa da Torre inicia o seu processo de decadência. É nesse período que o Capitão-mor João Dantas dos Reis, avô do Barão, aproveita de sua posição de procurador e administrador das terras da família para comprar grandes lotes de terras da família Ávila, iniciando assim, o que viria a ser o enorme império que seriam os latifúndios da família Dantas.
            O neto de João Dantas dos Reis, Cícero Dantas Martins, não só herda boa parte dessas terras como amplia os seus domínios ao longo dos seus 65 anos de vida. No ano da sua morte, 1903, o Barão de Jeremoabo ostentava uma propriedade que ia da Fazenda Caritá, onde nasceu, em Jeremoabo, até o atual município de Itapicuru. Suas terras se estendiam ainda até a região de Inhambupe, indo do recôncavo baiano à fronteira do estado de Sergipe.
            Os domínios do Barão, entretanto, não eram formados por territórios contínuos, sendo composto por dezenas de fazendas ligadas entre si e algumas entrecortadas por terras devolutas (sem dono).
            Entre as suas fazendas em nossa região, de acordo com Santana (2008), temos a Fazenda Lagoa da Volta, Cabeça do Boi, Formigueiro, barriguda, São Domingos, Lage e Tabuleiro, esta última ainda de posse dos seus descendentes, mais precisamente de uma sobrinha neta, moradora de Fátima, da qual não citarei o nome por questões de autorização.
            É importante também lembrarmos aqui, que o conceito de fazenda da época é demasiadamente diferente do que temos hoje. Nos tempos do Barão, eram propriedades imensas, contando com até 30 mil tarefas de terra dentro das quais abriam-se picadas para a passagem e, nos locais apropriados, uma clareira no seio da caatinga bruta para a construção de moradias. Como o foco principal dessas propriedades era a criação de gado, com o tempo iam-se abrindo as pastagens.
            Os animais eram criados soltos, não havia cerca suficiente para a delimitação de tantas terras. Surge desse fator uma tradição que já se perdeu em nossa região há muito tempo, as pegas da novilha, quando corajosos vaqueiros embrenhavam-se na caatinga em busca das reses desgarradas. Essas ocasiões ganharam ares festivos com passar do tempo, contudo, em sua origem, eram corriqueiras, compondo o leque de tarefas do vaqueiro o ato de juntar o gado para prender no curral.
            Era comum a presença de moradores nessas fazendas. À exemplo dos Senhores de engenhos da zona da mata, o Barão tinha milhares de moradores dentro das suas terras que compunham o seu curral eleitoral, onde sua palavra era lei e sua figura de autoridade era solicitada para a resolução de inúmeras questões como intrigas entre vizinhos, doenças, casos policiais, intrigas políticas e problemas mais duradouros e sérios como foram os acontecimentos resultantes da Guerra de Canudos. Ocasião essa em que o Barão teve importante participação na medida que seus moradores e, por consequência, trabalhadores de suas terras abandonavam as áreas onde viviam para se juntar aos conselheiristas.
            Cícero Dantas fazia questão de percorrer, na medida do possível, os seus domínios. Andava léguas a cavalo, sempre acompanhado por homens armados para a sua segurança, tinha diversas moradias de pouso como a Fazenda Caritá, em Jeremoabo e o sobrado onde hoje funciona a Rádio Regional da cidade de Cícero Dantas que usava para descansar e atender demandas locais.
            Após a sua morte, em 1903, seus bens foram divididos entre os herdeiros. Naturalmente, cada beneficiário do Barão, ficou com uma quantidade enorme de terras distribuídas em fazendas. E essas propriedades rurais é que vão dar origem, com o passar dos anos, aos municípios circunvizinhos à Fátima.
            Provavelmente, Ângelo Lagoa, patriarca da nossa cidade, comprou a fazenda Boa Vista que viria a gerar uma pequena povoação e que, posteriormente, se tornaria a Fátima que conhecemos hoje ,da viúva do Barão, Mariana da Costa Pinto Dantas, que herdou e vendeu terras nessa área, como, por exemplo, a fazenda Lagoa da Volta, de propriedade da família Correia (muito numerosa em nossa cidade). A Fazenda Volta foi herdada por Lavínia Francisca Dantas, irmã bastarda do Barão, mãe de Pedro Correia de Sousa (avô do conhecidíssimo Correinha da Zabumba). A linhagem dos Correias habita a região desde o final dos anos 1800, quando o Barão ainda era vivo.
            E foi assim, com as vendas das terras que outrora pertenceram ao Barão por seus descendentes, que Fátima e todas as cidades vizinhas foram surgindo. Existem várias razões para comunidades mais antigas como a Lagoa da Volta e o Formigueiro não terem crescido e chegarem a formar cidades. Uma delas, a meu ver, é o traçado da estrada real. Fátima ficava no caminho dos tropeiros e compreendia um entreposto onde esses comerciantes abasteciam de produtos dos centros urbanos mais desenvolvidos em Sergipe (como Lagarto e Itabaiana) e também comprovam gêneros agrícolas dos seus moradores. Essa localização estratégica fez com que a pequena vila evoluísse para se tornar uma cidade.

Esse artigo teve a importante colaboração do pesquisador Juan K. Menezes.