A missiva é escrita pelo Frei Apolônio
de Toddi, endereçada ao imperador. Nela o frei italiano, conhecido como o
beato dos sertões, fornece informações sobre a construção de uma igreja no
local onde ficava o antigo cemitério da cacunéa, na atual praça da igreja
matriz de Cícero Dantas.
O relato do religioso é rico em
detalhes:
Nesse tempo o povo dos tabuleiros,
que fica longe doze léguas, fez requerimento de fazer uma capela no
antiquíssimo cemitério da cacunéa e pediu de eu manda-lo fazer. O excelentíssimo
arcebispo despachou que sim, que eu fosse e fizesse a caridade.
O trecho da carta do frei, nos mostra uma
prática comum no Brasil colonial. Não havia a separação entre igreja e estado e
a igreja católica tinha liberdade de transitar livremente pela colônia. Os padres
e freis percorriam esses sertões evangelizando os caboclos e os indígenas. Quase
sempre, fundava-se uma pequena capela em uma área minimamente povoada e com potencial
em recursos naturais para gerar uma vila. Aos poucos, casas iam sendo erigidas
no entorno do templo e, com o passar do tempo, formava-se um povoamento que
depois viraria uma freguesia, vila e, posteriormente, uma cidade. Era uma forma
muito eficiente de direcionar a formação da futura cidade ao redor da igreja, o
que é bastante simbólico, pois a igreja torna-se o centro da cidade e da vida
das pessoas que ali vivem.
E foi aos 8 de julho de
1812, e fui conduzido a uma casinha de uma negrinha, que tinha cento e três
anos, porém, bem longe do dito cemitério.
No dia seguinte vieram dois
homens para me conduzir a ver o lugar; cheguei ao dito cemitério e não tinha
formalidade nenhuma porque tudo era mato e se via aqui e acolá uma cova de
defunto.
Mais adiante, o frei faz o primeiro relato conhecido
das práticas violentas da localidade que ficava às margens da estrada real e
era frequentemente palco de verdadeiras tragédias protagonizadas por ladrões
que atacavam viajantes na área, os matando a fim de roubar os seus pertences e,
posteriormente, os enterrando ali mesmo. Essa particularidade daquela área é
tratada no romance “Cariri Sangrento” de Landswalth Lima, quando portugueses recém
chegados ao Brasil se envolvem em um violento episódio com um sujeito que
tentava assassinar Maria Boqueirão, uma das personagens principais da trama. No
obra de ficção, o malfeitor é morto e enterrado no dito cemitério.
Perguntei se havia rio, responderam
que não, mas sim muitos olhos d’água que nunca secavam, ainda com apertada
seca, e que, por ser uma travessia, muita gente passageira se mata nesse lugar,
porque pelo motivo da água arranchavam-se e vinham os ladrões, e no tempo que
dormiam, os matavam, roubavam e enterravam no cemitério.
A seguir, o religioso conta como reuniu gente
suficiente para iniciar a obra da igreja:
Ordenei as duas pessoas que
no domingo dizia missa, que espalhassem voz pelos circunvizinhos de vir.
Ordenei que no sábado se ajuntassem no cemitério, trazendo machados, foices e
enxadas para se aprontar o lugar da igreja. Da fato, no sábado bem cedo vieram
perto de cinquenta homens se cortou todo o mato, e se mataram muitas cobras tão
grandes que uma foi julgada pesar duas arrobas.
Em outro trecho relata como conseguiu a
madeira necessária:
Agasalhado no cemitério,
principiei logo a andar com guia e com gente pelos matos para achar madeira boa
e escolhida para levantar a igreja, para tabuado, linhas, frechais, caibros,
ripas, etc.
O atual cemitério que fica em um monte em
frente à igreja também foi obra do mesmo frei:
Assim como de frente a
igreja, distante sessenta braças, tem um monte bastante alto, em cima dele
erigi o santo calvário, entre uma pequena capela, onde além das três cruzes,
coloquei a imagem de Nossa Senhora da Soledade, S. João e Bom Jesus no túmulo,
com bonito altar.
No trecho seguinte, vemos como a vila do Bom
Conselho vai se formando em volta da igreja e em decorrência desta:
Frei Francisco de S. Damazo,
por uma pastoral ordenou que se benzesse e se rezasse missa, declarou altar
privilegiado e concedeu muitas indulgências, por cujo motivo é muito visitado dos
romeiros, que recebem do santo calvário graças e favores. Por esta razão, sendo
continuado o concurso de romeiros, de boiadas, de comboios e passageiros, os
habitantes fizeram muitas casas, e se sua majestade fizer vila há de ser muito
grande e dar muito lucro à vossa majestade e seus vassalos.
Documento publicado por SANTANA (2008).
Novamente com muita riqueza de detalhes esse material nos leva a ima época em que nao vivemos,mas nem por isso deixa de nos enriquecer de sabedoria.
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