O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O mais dramático relato de seca que já vi.

 

Fonte: https://uqdcriticanageografia.blogspot.com/2016/07/a-problematica-da-regiao-nordeste-seca.html


Esqueça tudo o que você já ouviu ou leu, ou mesmo assistiu, de relato contra a seca até o momento, nada, absolutamente nada, supera a descrição da seca que assolava o sertão baiano feita em 1947 pelo vigário de Jeremoabo, o Monsenhor José de Magalhães e Souza.

Em que pese a característica narrativa dramatizada e carregada de emoção desse religioso, os fatos narrados aqui são de amolecer até mesmo os mais duros corações, pois se trata da mais dura descrição do sofrimento dos nossos ancestrais, sertanejos que sofreram as agruras da estiagem não muito longe daqui, no atual território do vizinho município de Antas.

Em 1947, Antas ainda era um pequeno arruado pertencente à Cícero Dantas, sob a administração religiosa do padre de Jeremoabo. Naquele ano, a seca assolava o Nordeste, uma estiagem que, de tão hedionda, inspirou Luiz Gonzaga a escrever a célebre música “Asa Branca”.

Após muito clamor popular, conseguiu-se um caminhão munido de tambores para transportar água para as áreas mais críticas. Ao que parece (naquela época), o veículo pegava água do rio Vaza Barris, na altura do município de Jeremoabo e transportava para Antas, que sofria com os piores efeitos imagináveis da seca.

Era mês de janeiro e não se viam motivos para celebrar o ano que se iniciava. No livro de Tombo da Igreja de São João Batista, em Jeremoabo, o Monsenhor Magalhães anotava:

 

Flagelo da seca, Antas sem água

 

Antas, grande comércio de Bom Conselho, nosso vizinho, começou a fazer dor no coração, sem uma gota de água.

 

          Logo em seguida, registra a chegada do caminhão de ajuda com o título “Socorro do Governo”:

 

Já tendo sido pedido com verdadeiro clamor, socorro ao governo, veio um caminhão mandado pelo Dr. Secretário de agricultura o Excelentíssimo Orlando Ferreira para socorrer Antas com tambores de água. Chegando no dia 14 de janeiro com os tambores e carregando em Jeremoabo para Antas, eu pedi ao encarregado do carro, o Sr. Nelson, para ir com ele. Assistir a distribuição do primeiro caminhão de água em Antas, levei o Padre Jorge também.

 

          A seguir, a descrição do padre começa a demonstrar o sofrimento das pessoas:

 

Vi clamor

Chegando perto do sítio do chagas, encontre já ao curvar, mais de cinquenta potes de barro na beira da estrada e mais de trinta havendo pedido que os socorresse, pedi ao Sr. Nelson que deixássemos ali um tambor; ele acordou e logo desceu um tambor e se ensinou em haver tirar água com um pedaço de mangueira.

          Mas a situação se mostra verdadeiramente caótica quando o religioso, a bordo do caminhão que transportava água, encontra uma mãe em desespero:

 

Mãe chorosa

 

Saltei do caminhão com o Sr. Padre Jorge e do mato apareceu uma senhora com uma criança no colo e veio à minha frente clamando a chorar: Graças a Deus que veio, senhor vigário! Eu sei que o senhor não (ilegível). Sr. Vigário, me diga: Esta água tem sezões? Oh, quanto me doeu na alma! A pobre mãe com sede e os filhinhos nas angústias com receio de que a água tivesse sezões!!!

Logo a acolhi dizendo: Muito obrigado, minha filha, por confiar em mim! Posso garantir-lhe que esta água não tem sezões. Nem faz mal a ninguém! Toda a cidade de Jeremoabo bebeu desta.

          José de Magalhães e Souza costumava fazer registros detalhados de suas atividades. A partir dos seus escritos, é possível depreender que parte desses relatos era feito, por parte do religioso, com a clara intensão de deixar registros históricos, como parece ser o relato abaixo:

 

Para a eterna memória – e acrescentei, mais à mulherzinha, para que todos saibam que o vigário de Jeremoabo não dormia quando é preciso defender o sertanejo, Senhor saiba que eu estava em Jeremoabo espiando de onde enchiam os tambores de água e carregavam da boa, pois se quisessem carregar do Vaza Barris – eu daria o meu grito para a saúde pública não consentir, pois seria uma derrota para o povo.

 

A pobre senhora ficou rogando a todos os homens ficaram confortados com a nossa palavra de que estava vigiando pela causa do povo!!!

 

O Padre segue com o caminhão para Antas e o cenário ainda era desolador:

Seguimos para Antas, chegando a sete horas da noite. Lá foi uma luta para a distribuição. Gritava um! Gritava outro! Ouvia-se o quebrar de mais um pote! E logo outro!

          A situação no arruado era de caos, com a chegada do caminhão com água, as pessoas sedentas criam logo um tumulto e no afã de conseguir o precioso líquido, muitos potes de barro acabam quebrando durante o tumulto. Imaginar pessoas em desespero por um pote de água é algo muito forte, com frequência, visto por nós como algo distante.

          Com o cair da noite, o padre e os demais ocupantes do caminhão resolvem passar a noite no povoado, mesmo com a carga do veículo já esgotada e os relatos que ouvem dos locais dá ainda um ar ainda maior de angústia ao terrível roteiro:

 

Enfim, demorando, tivemos que dormir; ficamos em casa do Sr. João Nilo, onde ouvíamos falar de senhoras que tinham saído nesse dia de madrugada, a pé, para ir ver um pote d’água no tanque da estrada e chagaram ao meio-dia de sol abrasador, com areia escaldante; a estrada quase três léguas da distância! Pobres mães!

 

          Nos dias atuais, é quase inimaginável conceber a ideia de viajar a pé, sob o sol inclemente do sertão, por quase 18 quilômetros (Três léguas) para conseguir um pote d’água.

          Ouvida a história, os ocupantes do caminhão vão dormir, mas a seca não dá tréguas nem mesmo com a escuridão da noite:

 

Não dormi

 

Deitado em uma cama no quarto, junto à rua, toda a noite ouvia o falar de junto dos tambores; eram pessoas conferindo se ainda tinha água. De manhã, quatro horas, levantei-me, abri a janela e que quadro aterrador, vi seis ou sete homens agarrados a um tambor grande (de 600 litros) e virando a boca dele para baixo para escorrer algum copo de água que parecia ainda ter.

          No dia seguinte, o veículo retorna à Jeremoabo para buscar novo carregamento de água e o desespero de quem presenciou tanta agrura continua:

 

Voltamos a Jeremoabo, dia 15, às cinco horas da manhã, voltamos para Jeremoabo onde eu procurava ouvir e pedir ao senhor Nelson que andasse ligeiro para socorrer o povo de Antas. Ele trazia ordem de que o caminhão da rodagem (D.E.R) acompanhasse ele no socorro a antas; mas insignificante não vi muito boa vontade e pouco ajudou.

 

          Estudando os registros da igreja de Jeremoabo, em busca de outras temáticas, me deparei com esse relato angustiante, um cenário desolador para sertanejos da primeira metade do século XX que são pegos indefesos pela dureza da terra e do clima. Sem acesso a água encanada, nem mesmo a uma fonte segura de água, os habitantes de Antas são massacrados pela seca, socorridos de forma dramática pelo vigário.

          Para qualquer pessoa, esse relato é angustiante, para os que presenciaram aqueles fatos, certamente foi muito mais e para um estrangeiro, como era o Monsenhor Magalhães, o impacto de presenciar tamanho sofrimento deve ter sido monstruoso.

Moisés Reis, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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quinta-feira, 18 de abril de 2024

A notícia da morte de Hitler Chega ao Sertão.

 


 

Em 30 de abril de 1945, Adolf Hitler cometeu suicídio em seu Führerbunker, localizado em Berlim. O líder austríaco-alemão, conhecido por liderar o Partido Nazista e ser o chanceler da Alemanha de 1933 a 1945, bem como o Führer (ou “líder”) da Alemanha Nazista de 1934 a 1945, atirou contra a própria cabeça após o cerco soviético à capital alemã. No mesmo dia, sua esposa, Eva Braun, também se matou ingerindo cianeto. Seguindo as instruções de Hitler, seus restos mortais foram incendiados no jardim da Chancelaria do Reich, fora do bunker, após serem encharcados com gasolina. Até pouco tempo, acredita-se que os corpos teriam sido completamente consumidos pelas chamas, restando apenas cinzas, contudo, recentemente, a Rússia divulgou ter se apossado de parte dos restos mortais do líder alemão.

Esse cenário macabro marcava o fim da odisseia da Alemanha na segunda Guerra Mundial. A notícia da morte de Hitler chocava o mundo, ao mesmo tempo em que causava alívio na população por ser vista como um sinal claro do processo de finalização do conflito. Jornais do mundo todo noticiaram o ocorrido, alcançando todos os cantos do globo.

Aqui no sertão não foi diferente, nos centros urbanos mais populosos, o rádio já era uma realidade, mesmo que para poucos. Em Jeremoabo, o vigário José de Magalhães e Souza (o construtor da igreja de Fátima) registrava em seu livro de tombo o ocorrido:  

 

Notícia de paz

 

Maravilhosa coincidência: Enquanto a Bahia e assim o Brasil, fazia grandes festas ao senhor do Bomfim, chegavam os primeiros rumores do fim da guerra, da morte de Hitler e, portanto, da paz. E assim, aqueles que caçoavam do general brasileiro (surdo, mudo e cego) como diziam, os alemães viam o seu esfacelamento na hora em que o Brasil (pela Bahia) cantava as glórias ao seu padroeiro – o senhor do Bomfim.