O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Estácio de Lima emite relatório favorável aos cangaceiros presos.

 

Disponível em: https://www.blogdotiaolucena.com/joel-silveira-entrevista-na-prisao-os-cangaceiros-volta-seca-angelo-roque-labareda-saracura-cacheado-deus-te-guie-e-caracol/


     Em 16 de novembro de 1947, o então presidente do conselho penitenciário da Bahia, Estácio Luiz Valente de Lima (1897-1984), emitiu parecer, acatado pelo juiz João Baldoino de Oliveira Andrade, que resultou na emissão da carta de guia para liberdade condicional dos cangaceiros Ângelo Roque da Costa (Labareda), Benício Alves dos Santos (Saracura) e Domingos Gregório Rodrigues (Deus-te-Guie).

Os condenados pelo triplo assassinato ocorrido em Paripiranga-Ba em 1939, tiveram as prisões registradas na penitenciária da Bahia a 13 de novembro de 1940 e, após relatório favorável escrito por Estácio de Lima, ganharam a liberdade após o cumprimento de 6 anos de um total de 30 a que foram condenados.

O referido relatório ainda é desconhecido, contudo, a carta de guia para a liberdade condicional assinada pelo magistrado João Baldoino o cita de forma insofismável.

Segue parte da transcrição do documento:

 

Carta de Guia para livramento condicional, passada em favor dos sentenciados Ângelo Roque da Costas, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, na forma abaixo:

O doutor João Balduíno de Oliveira Andrade, juiz de direito da primeira vara crime e de execuções criminais da comarca desta capital do Estado da Bahia, na forma da lei etc.

Faço saber ao Sr. Dr. _________________ que a presente carta de guia é dos sentenciados Ângelo Roque da Costas, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, aos quais foi por este juízo concedido o benefício do livramento condicional pela sentença de teor seguinte:. Os penitentes Angelo Roque da Costa, Benício Alves dos Santos e Euclides Custódio Rodrigues, respectivamente – 1522;1551 e 1552, condenados a pena de 30 anos de prisão celular, pelos crimes de homicídios, ligados ao congaceirismo na comarca de Geremoabo, requerem ao egrégio conselho penitenciário livramento condicional com fundamento no art. 710 e seguintes códigos de processo penal. Por proposta do egrégio conselho penitenciário ao Exm° sr. Presidente da república, obtiveram os referidos penitentes, comutação das suas penas para, 10, 12 e 12 anos de sentença (Doc. Fle. 175,183 e 186) os sentenciados já cumpriram mais da metade da pena, uma vez que foram presos, segundo se evidencia das respectivas guias de sentença, em 13 de novembro de 1940. O pedido de livramento condicional foi instruído com os documentos que se vê de fls. 173v. 186 destes autos. Ouvido o Dr. Promotor público em exercício junto a este juízo, a respeito do pedido em apreço, opinou favoravelmente. Os penitentes satisfizeram perfeitamente as condições exigidas por lei, como fez ciente o brilhante relatório apresentado pelo ilustre e digno presidente do egrégio Conselho Prof. Dr. Estácio de Lima, em 16 de dezembro do ano passado. Ante o exposto, concedo o livramento condicional pedido mediante as condições previstas no art. 767 do citado código. A inobservância de qualquer das condições recomendadas no referido artigo, imporá em revogação da medida concedida. Publique-se, registre-se e de-se ciência ao Dr. Promotor público, expedindo-se carta de guia em cópia integral da sentença em duas vias, remetendo-se uma ao Dr. Diretor da penitenciária e outra ao presidente do Conselho Penitenciário para devidos fins. Bahia, 2 de setembro de  1947. (As.) João Baldoino de Oliveira Andrade. Juiz de direito. Está conforme o original. Bahia, 3 de setembro de 1947. Eu ______ Escrivão o fiz datilografar e subscrevi.

 

Dr. João Baldoino de Oliveira Andrade.

Juiz de direito e das execuções criminais.

 

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Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

O Frade Italiano que construiu a capela da Serra do Capitão.

 



Capela construída no alto da Serra do Capitão.

          Constrastando com o relevo plano da região, ergue-se a meio caminho entre Paripiranga e Adustina (ambos no estado da Bahia, mais especificamente na zona de Fronteira entre os dois Estados) um acidente geográfico majestoso, suas encostas escarpadas se erguem a vários metros de altura, chega a ter paredões tão íngremes que seriam escalados apenas por experientes profissionais.

          A Serra do Capitão pode ser vista com dezenas de quilômetros de distância, como uma protuberância a se destacar em um chapadão até onde a vista alcança. Se observada de longe, toma uma cor azulada e fantasmagórica, quando vista de perto, apresenta as cores da estação do ano, acinzentada no período seco e tomada de um verde exuberante nos meses chuvosos.

          Deve ter sido esses atributos que chamaram a atenção de missionários capuchinhos em missões itinerantes pelo sertão ainda na primeira metade do século XIX, naquela época, dado o isolamento quase que absoluto dessa zona sertaneja, a Serra do Capitão deve ter impressionado muito aqueles religiosos que decidiram ali construir uma pequena capela.

          A primeira referência que tive acerca da construção no topo da dita serra, veio com a leitura do livro “Entre Padres e Coronéis”, obra do sociólogo paripiranguense Antônio Carregosa. Em conversa com o referido escritor, descobri que a informação acerca da construção chegou até ele tirada de um outro livro, “Adustina, sua história”, escrito por Roberto Santos Santana. A pequena citação afirmava que a dita capela havia sido erguida por um certo Frei Cândido e por um morador local de nome Miguel Correia de Brito.

          Isso foi o suficiente para que eu buscasse junto ao museu dos capuchinhos em Salvador, na pessoa do guardião do acervo, Frei Ulisses Pinto Bandeira, mais informações sobre o Frei Cândido e o que você lerá a seguir, a bem da verdade, foi produzido baseado na documentação que recebi deste.

          Seu nome de missionário era Frei Cândido de Tággia, seu nome faz referência à cidade de Tággia, no norte da Itália, onde o Frei nasceu a 20 de novembro de 1806. Entrou para a ordem em 26 de março de 1823 e veio a falecer no bairro da Piedade, em Salvador, no ano de 1863.

          Durante sua vida missionária pelo sertão, iniciada em 1838, atuou no estado de Sergipe junto aos índios Xocós, em Porto da Folha (é essa considerada a última tribo indígena do Estado) e chegou a ser nomeado vice-prefeito da província de Sergipe em 1843, data em que encabeçou a construção do hospício dos capuchinhos na cidade de São Cristóvão, então capital da província.

          No sertão, ocupou espaço deixado pelas demais ordens religiosas em virtude do espaço geográfico vasto e pouco habitado. Em 1858, ano no qual foi para a Itália por motivo de saúde, reportou em relatório 104 missões, 10.000 batizados e 137 000 crismas, todas em solo sertanejo.

          Mas a atuação dos capuchinhos não se limitava aos trabalhos eclesiásticos, famosos por construir igrejas, muitas dessas capelas antigas que vemos nas estradas vicinais e açudes, deixaram muitas obras por onde passaram e o Frei Cândido não fugiu a essa regra. Construiu a igreja matriz de Tucano, construiu igreja no município de Jeremoabo, Monte Santo e Nova Soure. Em Sergipe tem obras em Simão Dias e Itabaianinha.

          Quanto à capela da Serra do Capitão, consta o seguinte relato na documentação:

 

Noutros lugares se perpetuou por meio de cruzes e capelinhas, erguidas como lembranças da Santa Missão [...] entre as construções desse tipo, Frei Cândido recordava aos cruzeiros e as capelinhas anexas na Serra do Capitão, na freguesia de Coité (atual Paripiranga), em Jeremoabo e nos morros Mairi, onde repousam os restos mortais do Frei Apolônio de Todi.

 

          Conforme se percebe do relato, a data da construção não é citada, contudo, se pensarmos que ele lança-se aos sertão da Bahia e Sergipe, conforme documentação, em 1838 e vai para a Itália já doente em 1858, é possível depreender que a data da construção da capela está dentro desse intervalo de tempo (1838 a 1858).

          Essa revelação é um exemplo eloquente da produtiva interação entre a história oral, por meio das tradições passadas ao longo das gerações e a pesquisa arquivística. Aqui temos um caso no qual uma informação transmitida oralmente por gerações atravessou quase duzentos anos de história, sendo só agora confirmada pela documentação primária.

          Eu conversava hoje pela manhã com Antônio Carregosa e compartilhava com ele a alegria que um historiador tem de revelar algo novo, sobretudo algo referente às suas próprias raízes. Viva a história!