O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Severo Correia escreve ao Barão de Jeremoabo

Corpus eletrônico Documentos do Sertão

A missiva é datada de 9 de outubro de 1898 e é endereçada à Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo. Nela o fazendeiro, dono da Maria Preta, cujas terras englobavam boa parte do que hoje é a sede do município de Fátima, queixa-se de questões locais ao Barão, cita pelejas com Joaquim Borges, ancestral da família Borges, hoje muito numerosa na cidade e trata de assuntos corriqueiros como a seca e enfermidades.

            Como já tratado aqui no blog em outras ocasiões, Severo Correia é ancestral da também numerosa família Correia e passava por dificuldades no período posterior à assinatura da Lei Áurea pois o seu plantel de escravos abandonou a suas terras deixando o fazendeiro em maus lençóis.

            Na carta, Severo relata a escavação de manutenção da aguada do São Domingo que ainda hoje existe e tem o mesmo nome, o serviço de “tirar a lama” do tanque que nos tempos da escravidão era feito com mão-de-obra cativa, naquela data, contudo, já era executado por trabalhadores assalariados. No dia em que escrevera a carta, Severo havia ido visitar a obra.

            Outro assunto tratado no documento é uma questão de terras com um certo “Félis”, provavelmente um integrante da família Félix, questão essa intermediada por Joaquim Borges. A peleja parece girar em torno de um gado de Félix em terras reivindicadas por Severo. Como muitas questões à época eram resolvidas à bala, é possível identificar ameaças nesse sentido.

            A sede da fazenda Maria Preta provavelmente ficava localizada onde hoje estão as terras de José Nonato de Oliveira. Pela carta não é possível concluir que a fazenda São Domingos, hoje povoado de mesmo nome, tenha sido parte da Maria Preta ou simplesmente uma segunda propriedade pertencente a Severo Correia.

            O documento de 122 anos está disponível no corpus eletrônico documentos do sertão mantido pela UEFS.  

 

Monte Alverne sofre com a seca

 

Foto: Juan K. Menezes

No dia 19 de Março de 1947 o JORNAL A TARDE noticiava o sofrimento do povo dessa região em consequência da nefasta seca que assolava toda essa área naquele ano.

A notícia do periódico está registrada no livro de tombo da igreja de Cícero Dantas e foi encontrada pelo pesquisador Juan K. Menezes. Um velho recorte de jornal está ali anexado ao lado de inscrições feitas à mão e são um valioso relato de como a seca afetava a vida do sertanejo naquela data.

Com o título “A seca no Nordeste”, o jornal busca noticiar algumas ações governamentais que visavam amenizar os efeitos da estiagem, bem como relatar a dificuldades de municípios como Antas, Ribeira do Pombal e Cícero Dantas. As ações passam pela construção de açudes e a disponibilização de caminhões pipas para levar água aos rincões dessa árida terra.

A reportagem dá conta da morte de animais e do colapso das aguadas infestadas de urubus se alimentando de peixes mortos, um cenário absolutamente desolador que as gerações atuais, felizmente, não conhecem em sua plenitude.

Os recursos públicos enviados à região para combater os efeitos da seca estão cuidadosamente anotados à mão no livro, Monte Alverne, hoje Fátima, teria recebido 5 mil cruzeiros, conforme anotação. O documento é um mostruário da importante atuação da diocese junto ao povo mais pobre da época. Cartas e telegramas demonstram a preocupação de religiosos e o contato com políticos afim de angariar recursos e obras. O Padre Renato Galvão certamente é um expoente nesse seguimento, seu nome sempre figura entre os mais empenhados em combater os efeitos das secas e minorar a terrível penúria que se abatia sobre o sertanejo a cada período de estiagem, inclusive tomando medidas preventivas como a inserção da algaroba, planta de origem africana,  para servir de ração animal e diversificação da agricultura familiar.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Padre Renato Galvão pede socorro a Deputado Estadual em nome dos moradores de Monte Alverne (Fátima).


 A carta de 7 de setembro de 1955 é endereçada ao então deputado federal João da Costa Pinto Dantas Júnior e escrita pelo vigário e político a partir da cidade de Cícero Dantas. O documento é parte do acervo on-line “Corpus Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão” que passou por uma recente atualização.

A missiva, uma das centenas escritas por Renato Galvão ao político, traz um apelo feito pelo padre para que o deputado tome medidas que combatam os terríveis efeitos da seca e cita a situação calamitosa na pequena localidade de Monte Alverne, cinco anos antes de esta ser alçada à Vila de Fátima.

As cartas do padre endereçadas aos chefes políticos locais, com frequência demonstravam a preocupação do religioso com os nefastos efeitos das secas em nossa região. Vale lembrar que, à época, uma precária estrutura estatal buscava amenizar tais efeitos sobre a população e isso aparentemente era motivo de grande preocupação para o Padre Renato, como era conhecido. Dessa forma, pedidos de construção de açudes, barragens e de verbas para o combate às estiagens eram assuntos frequentemente tratado entre o padre e o deputado.

Na carta a qual nos referimos, o religioso solicita a construção de um açude na lagoa do Ouricuri, obra esta já em fase de inspeção por parte do Departamento de Secas, um antecessor do DNOCS. De acordo com o Padre, essa barragem daria sustentação hídrica a cede do município de Cícero Dantas aproveitando a vazão do rio Kingomes que atualmente serve de divisa entre aquele município e Fátima.

Curioso é que o prefeito de Cícero Dantas na época era João Batista de Andrade (precursor da tradicional família Andrade na cidade), mas foi o vigário o remetente da carta e quem “entregou” a obra nas mãos do chefe político.

Quanto a Monte Alverne, os relatos do Padre Renato dão conta de uma situação absolutamente calamitosa. O vigário pede para que o deputado interceda diretamente junto ao então governador do estado Luiz Viana Filho em nome da pequena localidade onde os moradores não dispunham  mais de água e se alimentavam de bró e um farelo obtido a partir do tronco do ouricurizeiro.

O padre cita ainda o uso político da situação de seca por políticos locais aos quais nomeia simplesmente de “Nosso adversários” confirmando que, por essas bandas, a indústria da seca já é secular e a miséria do povo mais pobre serviu e, em grande medida, ainda serve de palanque para os maus políticos.