O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Como Fátima e municípios vizinhos surgiram dentro das terras do Barão de Jeremoabo?

Disponível em: https://www.facebook.com/prefeituradefatimabahia/posts/1910284022614762/


O primeiro ponto a ser destacado na pergunta que nos serve aqui de problema balizador é como essas terras chegaram à família Dantas, linhagem de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo.
            A família D’ávila, da Casa da Torre, foi a responsável pela colonização de toda essa região com a expansão da pecuária bovina ainda nos anos 1700, embora o patriarca da casa da torre, Garcia de Sousa D’ávila tenha chegado ao Brasil ainda antes, nos anos 1500.
            A família Ávila ostentou por séculos, durante quase todo o período colonial, o maior latifúndio de que se tem notícia na história do Brasil. Contudo, com a proclamação da república e seus desdobramentos políticos, a Casa da Torre inicia o seu processo de decadência. É nesse período que o Capitão-mor João Dantas dos Reis, avô do Barão, aproveita de sua posição de procurador e administrador das terras da família para comprar grandes lotes de terras da família Ávila, iniciando assim, o que viria a ser o enorme império que seriam os latifúndios da família Dantas.
            O neto de João Dantas dos Reis, Cícero Dantas Martins, não só herda boa parte dessas terras como amplia os seus domínios ao longo dos seus 65 anos de vida. No ano da sua morte, 1903, o Barão de Jeremoabo ostentava uma propriedade que ia da Fazenda Caritá, onde nasceu, em Jeremoabo, até o atual município de Itapicuru. Suas terras se estendiam ainda até a região de Inhambupe, indo do recôncavo baiano à fronteira do estado de Sergipe.
            Os domínios do Barão, entretanto, não eram formados por territórios contínuos, sendo composto por dezenas de fazendas ligadas entre si e algumas entrecortadas por terras devolutas (sem dono).
            Entre as suas fazendas em nossa região, de acordo com Santana (2008), temos a Fazenda Lagoa da Volta, Cabeça do Boi, Formigueiro, barriguda, São Domingos, Lage e Tabuleiro, esta última ainda de posse dos seus descendentes, mais precisamente de uma sobrinha neta, moradora de Fátima, da qual não citarei o nome por questões de autorização.
            É importante também lembrarmos aqui, que o conceito de fazenda da época é demasiadamente diferente do que temos hoje. Nos tempos do Barão, eram propriedades imensas, contando com até 30 mil tarefas de terra dentro das quais abriam-se picadas para a passagem e, nos locais apropriados, uma clareira no seio da caatinga bruta para a construção de moradias. Como o foco principal dessas propriedades era a criação de gado, com o tempo iam-se abrindo as pastagens.
            Os animais eram criados soltos, não havia cerca suficiente para a delimitação de tantas terras. Surge desse fator uma tradição que já se perdeu em nossa região há muito tempo, as pegas da novilha, quando corajosos vaqueiros embrenhavam-se na caatinga em busca das reses desgarradas. Essas ocasiões ganharam ares festivos com passar do tempo, contudo, em sua origem, eram corriqueiras, compondo o leque de tarefas do vaqueiro o ato de juntar o gado para prender no curral.
            Era comum a presença de moradores nessas fazendas. À exemplo dos Senhores de engenhos da zona da mata, o Barão tinha milhares de moradores dentro das suas terras que compunham o seu curral eleitoral, onde sua palavra era lei e sua figura de autoridade era solicitada para a resolução de inúmeras questões como intrigas entre vizinhos, doenças, casos policiais, intrigas políticas e problemas mais duradouros e sérios como foram os acontecimentos resultantes da Guerra de Canudos. Ocasião essa em que o Barão teve importante participação na medida que seus moradores e, por consequência, trabalhadores de suas terras abandonavam as áreas onde viviam para se juntar aos conselheiristas.
            Cícero Dantas fazia questão de percorrer, na medida do possível, os seus domínios. Andava léguas a cavalo, sempre acompanhado por homens armados para a sua segurança, tinha diversas moradias de pouso como a Fazenda Caritá, em Jeremoabo e o sobrado onde hoje funciona a Rádio Regional da cidade de Cícero Dantas que usava para descansar e atender demandas locais.
            Após a sua morte, em 1903, seus bens foram divididos entre os herdeiros. Naturalmente, cada beneficiário do Barão, ficou com uma quantidade enorme de terras distribuídas em fazendas. E essas propriedades rurais é que vão dar origem, com o passar dos anos, aos municípios circunvizinhos à Fátima.
            Provavelmente, Ângelo Lagoa, patriarca da nossa cidade, comprou a fazenda Boa Vista que viria a gerar uma pequena povoação e que, posteriormente, se tornaria a Fátima que conhecemos hoje ,da viúva do Barão, Mariana da Costa Pinto Dantas, que herdou e vendeu terras nessa área, como, por exemplo, a fazenda Lagoa da Volta, de propriedade da família Correia (muito numerosa em nossa cidade). A Fazenda Volta foi herdada por Lavínia Francisca Dantas, irmã bastarda do Barão, mãe de Pedro Correia de Sousa (avô do conhecidíssimo Correinha da Zabumba). A linhagem dos Correias habita a região desde o final dos anos 1800, quando o Barão ainda era vivo.
            E foi assim, com as vendas das terras que outrora pertenceram ao Barão por seus descendentes, que Fátima e todas as cidades vizinhas foram surgindo. Existem várias razões para comunidades mais antigas como a Lagoa da Volta e o Formigueiro não terem crescido e chegarem a formar cidades. Uma delas, a meu ver, é o traçado da estrada real. Fátima ficava no caminho dos tropeiros e compreendia um entreposto onde esses comerciantes abasteciam de produtos dos centros urbanos mais desenvolvidos em Sergipe (como Lagarto e Itabaiana) e também comprovam gêneros agrícolas dos seus moradores. Essa localização estratégica fez com que a pequena vila evoluísse para se tornar uma cidade.

Esse artigo teve a importante colaboração do pesquisador Juan K. Menezes.


terça-feira, 28 de abril de 2020

Documento mostra que o território de Fátima pertencia à família do Barão de Jeremoabo




O documento, que transcrevo aqui em parte, foi levantado por Santana (2008) junto ao acervo do Arquivo Público do Estado da Bahia. Trata-se de uma declaração feita por um morador da atual comunidade do São Domingos, no município de Fátima, datado de 12 de dezembro de 1949.
A finalidade da declaração era ajudar na elucidação das dúvidas referentes à linha que dividia os municípios de Bom Conselho (Cícero Dantas) e Paripiranga. A razão do litígio era a fazenda Queimadas (atual Adustina).
Vejamos:
Eu, Maurício José de Santana, com 70 anos de idade, nascido na fazenda São Domingos, propriedade do Barão de Jeremoabo, Residente na Fazenda Monte Alegre (atual município de Fátima), declaro em sã consciência, a bem da verdade e sob juramento:
·         Que a fazenda de João Vieira de Andrade, ponto de referência no decreto da criação da freguesia e município de Patrocínio do Coité, Hoje Paripiranga, desmembrado da freguesia do Bom Conselho a 22 de maio de 1871, foi sempre a antiga Fazenda Queimada, onde residiu Francisco Vieira até bem pouco tempo. Eu conhecia a antiga casa da fazenda de João Vieira de Andrade, à margem direita da estrada real de Bom Conselho à Paripiranga, passando pela Vila de Adustina.
A análise cuidadosa das linhas acima transcritas, nos leva a, ao menos, duas importantes conclusões acerca da história de Fátima.
A primeira está explícita logo na parte inicial, no trecho que diz: “Eu, Maurício José de Santana, com 70 anos de idade, nascido na fazenda São Domingos, propriedade do Barão de Jeremoabo. Se considerarmos que o senhor narrador nasceu ainda no século XIX, período no qual as terras dessa região estavam sendo desmembradas das posses da família Dantas e gerando pequenas fazendas que, como veremos mais a diante, conservam ainda hoje os mesmos nomes, temos um magnífico registro indiciário a nos mostrar as origens do nosso município.
A outra conclusão está implícita no seguinte trecho: Eu conhecia a antiga casa da fazenda de João Vieira de Andrade, à margem direita da estrada real de Bom Conselho à Paripiranga, passando pela Vila de Adustina.
Mais uma vez, uma análise cuidadosa nos ajuda a trazer à luz uma suspeita que já vinha me incomodando há muito tempo. A narração é bastante clara ao dizer que a estrada real partia de Bom Conselho à Paripiranga passando pela antiga Fazenda Queimadas.
Mesmo não citando a fazenda Monte Alegre (Fátima) nos é possível concluir, fazendo um cruzamento de dados já elencados aqui no Blog em textos anteriores, que a estrada real, narrada por antigos moradores de Fátima, Vinha de Cícero Dantas, passando pela atual Lage da Boa Vista (na comunidade conhecida como “Os rodrigues”) chegando até a atual Rua Raimundo Oleiro, de onde seguia para Adustina e, posteriormente, para Paripiranga.
Isso explica não só o traçado da estrada, que já dava indício de seguir essa itinerário, mas explica porque a região da atual Serradinha abrigou diversas famílias abastadas da nossa cidade.
            Outro trecho do documento merece nossa atenção. Vejamos:
Distinguia três fazendas com a denominação Queimadas: Queimada do Vítor, Queimada de João Vieira e Queimada do Quinto. Eu nunca ouvi dizer que os limites entre Patrocínio do Coité e Bom Conselho tenham sido na Queimada Grande.
            Na minha interpretação, a atual comunidade fatimense de “Queimada Grande” por sua localização geográfica, pelo nome peculiar e pelas informações aqui colhidas, pode ter seu nome oriundo das fazendas com nomes de Queimadas citadas acima.  
         Particularmente, eu já conhecia o fato de serem todas as terras do atual município de Fátima, originárias das posses de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo. Entretanto, esse documento nos serve como prova nominal para tal informação.
            Sou obrigado a dizer, contudo, que as pesquisas voltadas ao processo de desmembramento de todas as terras que originaram os municípios de Fátima, Cicero Dantas, Adustina, Sítio do Quinto e outros, perante às posses da família Dantas, ainda carecem de muitos detalhes aos quais buscaremos com muito esforço.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

A comunidade da Serradinha e suas heranças africanas.


A comunidade fatimense cognominada Serradinha, por várias gerações, foi povoadas por uma dúvida. Seria aquela comunidade, composta majoritariamente por negros, um resquício de um quilombo que ali se desenvolvera nos anos do escravismo no Brasil?
Em 2010, um trabalho encabeçado por acadêmicos do curso de história da UNIT levou a cabo esse questionamento. Na oportunidade, os pesquisadores fizeram um profundo levantamento das origens da Serradinha que virou um documentário, hoje disponível gratuitamente no Youtube cujo link está exposto abaixo.
As informações obtidas na ocasião da pesquisa dão conta de que os moradores possuem laços de parentescos, rastreados para um ancestral em comum. Seu nome era José Cirilo dos Santos, conhecido como Zé Grande.
De acordo com relatos dos próprios descendentes de Zé Grande, os fundadores da Serradinha nasceram em Simão Dias, na localidade Mata do Cajueiro. São, basicamente, a família do senhor Zé Grande que migrou para a região, já nó pós escravidão. Estabelecendo-se como mão de obra nas terras que pertenciam ao fazendeiro Joaquim Borges de Santana, Nascido em 1897 e falecido em 1960
Zé grande e sua família compunham a mão de obra da fazenda açucareira denominada Mercador (No atual municípios de Simão Dias), Fundada em 1842. Por aquele período a economia açucareira já não gozava mais dos seus melhores anos que foram o final do século XVI e meados do XVII) pode residir aí o motivo da saída daquelas pessoas do referido engenho.
O trabalho de Zé Grande na fazenda Mercador, cuja enorme chaminé do antigo engenho ainda hoje pode ser vista próximo à Simão Dias, consistia nas atividades diretamente ligadas à lida da produção açucareira. O corte da cana, a moagem, o processo de purgar e a produção do açúcar como um todo.
De acordo com o apurado, a família de Zé Grande, composta, inclusive por escravos libertos, migrou para a atual região da Serradinha onde seus descendentes ainda hoje vivem em pequenas propriedades adquiridas ao longo dos anos.
A pesquisa citada trouxe à tona a origem daquela comunidade. Assim sendo, é possível concluir que a Serradinha não foi um quilombo nem foi fundada por escravos. Sua população negra foi formada à partir da família de descendentes de escravos que passou a ali viver no início do século XX.
A biocenose que hoje Vive predominantemente da agricultura Luta para manter as suas tradições, sofrendo com as anos de abandono das autoridades que dela só lembram em ano eleitoral. Tal abandono é provocador de um cenários lastimável no qual vivem aquelas pessoas.
A despeito das adversidades enfrentadas pelos moradores da Serradinha, estes ainda conservam as tradições de seus ancestrais traduzidas em danças e cantos, compostas por um forte sincretismo religioso.

Link do documentário:



segunda-feira, 13 de abril de 2020

Fátima: Heranças da cultura do gado vacum




Nos primórdio da colonização portuguesa no Brasil, ainda nos anos 1500. Garcia de Souza D’Ávila, patriarca da família da casa da torre, introduz na colônia o gado bovino. Mal sabia ele que aquele animal trazido à duras custas deixaria tão profundas marcas entre o povo nordestino.
Através dos seus colaboradores, as fazendas de gado ligadas à Garcia D’Ávila e seus descendentes povoariam boa parte do nordeste. Utilizando o leito dos rios como estradas, os vaqueiros abriram caminho entre a caatinga em busca de áreas para pastagem, expulsaram os índios das terras desejadas e estabeleceram povoações que, séculos mais tarde, se tornariam cidades.
Em artigo publicado no jornal aracajuano “A cidade” em 13 de agosto de 2011, o professor do departamento de história da UFS, Francisco José Alves, analisa as heranças da cultura da criação de gado entre a gente sergipana e é impressionante como tais marcas culturais se assemelham às nossas, mostrando como é forte a identificação do fatimense e de municípios vizinhos com o estado de Sergipe.
No campo simbólico, temos na região diversas localidades com nomes que remetem ao boi. Em Fátima, temos a localidade da “Vaca Brava” e "cabeça do boi", por exemplo.
Na culinária os traços são ainda mais visíveis, além das diversas formas de consumo da carne bovina, o queijo, o requeijão e a manteiga à venda nas feiras livres são o DNA da cultura bovina entre nós. No vestuário do nordestino, algumas peças como as botas e as sandálias de couro também são traços dessa herança.
Provérbios como o que diz, "Amigo é boi de carro, que anda junto e não briga" são exemplos da cultura bovina entre nosso povo.
Para além disso, no campo do folclore, diversas ocasiões festivas têm centralidade na cultura do boi como as cavalgadas (tão em voga na atualidade) a sempre presente vaquejada e, as já não muito comuns, Missa do vaqueiro e Pegas de Novilhas.
Quando criança, me lembro de ir assistir a um evento de “Pega da Novilha” na fazenda tabuleiro, município de Adustina. Lembro-me, também, das missas de vaqueiro na cidade de Fátima, ocasiões festivas onde as heranças dos costumes relacionados ao boi emergem como um lembrete de uma passado muito distante.

sábado, 11 de abril de 2020

Objetos voadores não identificados no céu de Fátima

Imagem ilustrativa: Disponível em: https://visao.sapo.pt/exameinformatica/noticias-ei/insolitos/2019-11-13-ovni-em-portugal-nao-sao-os-satelites-da-spacex/




Hoje, dia 11/04/2020, uma série de objetos voadores não identificados foram avistados no céu de Fátima. Pessoalmente não sei dizer o que eram nem estou afirmando se tratar de discos voadores, o fato é que daqui de casa ouvi os vizinhos agitados e comentando. Quando saí para ver pude notar diversos pontos luminosos (cerca de 20) cruzando o céu noturno. Como é possível perceber na imagem, alguns variavam a luminosidade enquanto seguiam uma trajetória reta. Por vezes avistou-se mais de uma em sequência. O que eram? Não sei, mas foi bacana de ver. 

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Conhece alguém que já cavou uma botija?


É sabido que o sertanejo dos séculos XVIII, XIX e início do século XX viviam em um mundo muito diferente do que conhecemos hoje. Expostos a ausência quase que completa do Estado, aquelas pessoas fortes tocavam suas vidas de forma autônoma e, com frequência, arrumavam soluções criativas para resolver os seus problemas cotidianos.
A ausência de bancos e a presença de criminosas de diversos naipes, cangaceiros! Inclusive, levou a adoção de um hábito bastante peculiar. Era relativamente comum que algumas pessoas, ao juntar uma quantidade significativa de dinheiro, buscasse locais seguros para depositar o seu pequeno tesouro longe das garras de malfeitores.
O costume de enterrar importâncias em dinheiro, ouro, prata ou pedras preciosas é bastante antigo. É conveniente lembrar das histórias de piratas e corsários dos século XVI a enterrar os seus baús de tesouros em ilhas distantes.
Aqui no nordeste, essa prática parece ter chegado junto com o colonizador. Não é possível precisar em qual período as pessoas começaram a enterrar importâncias. O que se sabe é que, foi bastante presente a prática de depositar quantias em moedas de prata ou de ouro ou mesmo em moeda corrente em vasos de cerâmicas, botijas, e enterrá-la em um local considerado seguro. Prova dessa difusão é que, inclusive, cangaceiros famosos como o próprio Lampião esconderam suas riquezas enterradas pelas caatingas por onde andavam.
As botijas, contudo, criaram raízes profundas no imaginário popular. Como é comum, no nordeste, tais tradições sempre são permeadas por forte influências religiosas e lendas são criadas ao gosto da imaginação da gente sertaneja.
Quando criança, nos anos 1990, ouvi essa história pela primeira vez na casa de Seu Joãzinho, João Paulo Félix. De acordo com suas histórias, “uma botija era formada” quando alguém realizava o procedimento de enterrar uma determinada quantia e morria antes de fazer uso do recurso ali depositado.
Quando isso acontecia, a alma do falecido era atormentada e ficava à vagar, pois, não poderia descansar em paz antes que o local fosse revelado e algum vivente fizesse uso do conteúdo enterrado. É importante salientar aqui que há diversas variações da mesma lenda, contudo, o roteiro é, basicamente, o mesmo.
O falecido, então, aparecia para alguma pessoa escolhida (nem sempre da sua família) e incumbia essa pessoa da tarefa de desenterrar o tesouro. Entretanto, uma série de obstáculos macabros dificultavam a tarefa. De acordo com a lenda, assombrações escabrosas apareciam para a pessoa no caminho da missão, e uma série de eventos sobrenaturais deveriam ser superados, de modo que, muitas vezes as pessoas escolhidas, mesmo sabendo da existência do tesouro desistia de possuí-lo. Em contrapartida, aquele que conseguisse dar conta da tarefa poderia usufruir dos benefícios do tesouro.
Lendas à parte, como disse, muitos sertanejos enterraram suas economias e, é possível dizer, que muitas botijas ainda estão enterradas esperando ser descobertas por toda a região, inclusive, uma resolução do Instituto do patrimônio histórico e artístico, o IPHAN, obriga àqueles que “tropeçarem” em uma botija por aí a entrar em contato com o órgão.
Lá nos anos 1990, lembro bem de uma senhora cujo nome desconheço pois já faleceu há muitos anos e não deixou parentes conhecidos, cognominada apenas por “Nita Doida”, indo ao cemitério da cidade por dias consecutivos munida de cavadeira e outras ferramentas para descavar uma botija que, de acordo com ela, tinha sido revelada em sonho.
Como era de se esperar, Nita não foi bem sucedida em sua missão e jamais encontrou nada, à despeito do trabalho duro daqueles dias cavoucando o cemitério.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Lenço sobre a cabeça. Herança da tradição árabe


Quem cresceu em Fátima e região, certamente já encontrou com uma senhora nas ruas ou mesmo tem uma tia ou avó que costuma cobrir os cabelos com fino lenço de pano. Mas de onde vem esse costume?
            Esse adereço não tem a finalidade, como costumamos pensar, de proteção contra o sol ou, tampouco, serve para carregar objetos sobre a cabeça. Sua origem, supreendentemente vem da distante cultura árabe.
            A tradição de cobrir os cabelo é muito comum na cultura árabe, é um sinal de recato feminino. Os cabelos são considerados demasiadamente íntimos para serem mostrados em público. Originalmente as mulheres muçulmanas utilizam a burca, traje feminino que só deixa, quando muito, os olhos das mulheres à mostra.
            De acordo com o historiador Francisco José Alves, esse costume chegou até o nordeste com a expansão da colonização, do litoral para o interior. Tal tradição provavelmente foi herdada das escravizadas de origem Malê, etnia que protagonizou a maior revolta de escravos do Brasil colonial, ocorrida em Salvador em 1835.
            Os Malês eram escravos muçulmanos, diferenciavam-se por serem alfabetizados e por terem uma unidade cultural muito forte e o hábito do lenço feminino era, como não poderia deixar de ser, um traço da indumentária das mulheres escravizadas que chegaram ao Brasil.
            O costume de usar o lenço para cobrir os cabelos foi amplamente difundido em todo o nordeste e, embora venha perdendo força com o passar dos anos, ainda se faz presente entre as mulheres sertanejas. Algumas senhoras (me arriscaria dizer que negras, em sua maioria) ainda conservam o costume de só sair de casa com a peça de pano, ou lenço, cobrindo seus cabelos.
            Outra herança da cultura árabe entre nós está na culinária. Falo do cuscuz, cujo nome é uma variação da palavra Árabe Kuskus, uma comida feita com semente de sêmola cozida no vapor. O milho, como se sabe, é originário das américas e foi fundido à receita para originar o cuscuz de milho que tanto amamos.


domingo, 5 de abril de 2020

Esse menino é “os pé de Zé Sereno”!



Quem cresceu em Fátima e região, provavelmente já escutou essa expressão. Aplicada à crianças traquinas, danadas em demasia, é uma expressão que remonta, provavelmente às origens da cidade, mais precisamente, ao tempo em que cangaceiros e cangaceiras perambulavam por essas caatingas que nos cerca.  
            Zé sereno foi um dos grandes nomes do cangaço. Compadre de Lampião, ele e sua companheira, Sila, estiveram entre os poucos sobreviventes do massacre de Angico, onde morreram, Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros.
            José Ribeiro Filho, o Zé Sereno, nasceu no dia 25 de agosto de 1913 em Chorrochó, Bahia. Zé sereno entra para o bando de Lampião após intriga com um policial. Combate ao lado do capitão Virgulino por vários anos, quando finalmente é autorizado a criar seu próprio grupo.
            Já era um chefe de subgrupo no dia 28 de julho de 1938, dia do massacre da grota do Angico. Em depoimento concedido a Antônio Amauri para o livro GENTE DE LAMPIÃO: SILA E ZÉ SERENO afirmou que reclamou muito ao capitão da vulnerabilidade do local do último coito, mas que foi ignorado por Lampião.
            Na noite que antecedeu o combate mortal entre cangaceiros e volantes em Angico, sua companheira Sila chegou a avistar luzes estranhas em meio à caatinga quando conversava com Maria Bonita, mas não deram a devida atenção ao sinal.
            Na manhã daquele 28 de julho, o violento tiroteio tinha como alvo principal o maior dos cangaceiros. O numeroso grupo de bandidos foi dizimado, apenas poucos conseguiram sobreviver. Zé Sereno, aliás, foi um dos sobreviventes do cangaço enquanto movimento social. Foi anistiado pelo presidente Getúlio Vargas durante o estado novo e foi viver com sua esposa em São Paulo, criou numerosa família e trabalhou por muitos anos como um pacato porteiro de escola na capital paulista, onde faleceu em 16 de fevereiro de 1981, aos 68 anos.
            A expressão que envolve o seu nome, provavelmente faz menção à esperteza e a agilidade do cangaceiro, capaz de percorrer enormes distancias a pé sob o sol causticante do sertão. Não se sabe porque Zé sereno foi o escolhido e nem quem primeiro cunhou a famosa expressão. Mas essa é mais uma característica da tradição popular da nossa gente.


Zé Sereno na época do cangaço
Zé Sereno já idoso, em hospital de São Paulo

quinta-feira, 2 de abril de 2020

CORDELIZANDO A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS


Autor: Cidney Nascimento
VOCÊ DIZ QUE É DE FÁTIMA E NÃO CONHECE...!?
Se tu és um(a) fatimense
Precisa a nossa história estudar
Se não conhecer teu passado
Vai ficar emocionado
Com o que vou te contar.
Memória, é a garantia
Da nossa identidade
É um sentimento de pertença
De valores, costumes e crenças
Da nossa querida cidade.
Se Você diz que é de Fátima
Tem que ter boas lembranças
Das pessoas, dos momentos
Alegrias, sofrimentos
Do seu tempo de criança.
Mocó, Monte Alverne e Feirinha
Foram os nomes recebidos
De uma Vila promissora
Hoje, cidade acolhedora
De um povo destemido.
Se és um bom fatimense
E conheces nosso chão
Sabes que foi Ângelo Lagoa
O seu nome ainda ecoa
Pela primeira construção.
Da independência política
Jamais devemos esquecer
De João Maria de Oliveira
Que sempre enfrentou os Vieira
Sem jamais retroceder.
A política desde sempre
Em Fátima foi uma agonia
João Maria e Augusto
Queriam a todo custo
Comandar a freguesia.
Isso não é proselitismo
Ninguém aqui foi igual
Zelavam da nossa Igreja
Sem salário, por sinal
Pra vocês estou falando
E a saudade aumentando
De Dona Izaura Borges e Seu Pascoal.
A Santa Missa sempre fez
Sentido pra vida do povo
Me permitam aqui aludir
À época da Santa Missão
Presidida pelo Padre
Monsenhor Renato Galvão
Era um químico sem formação
Mas de um conhecimento esplendoroso
Produzia vinagre, vinho e bebidas
É uma missão para incumbida
Lembrar do saudoso
Seu João Cardoso.
Será que ouvistes falar
Em Tonho de Tito e Liberino?
Esses dois fizeram parte
De algo muito importante
Foram membros da volante
Perseguindo o Virgolino.
A falta de água hoje
Não compara a antigamente
A bomba era o único meio
João Mota, pra administrar veio
Àquela enorme fila de potes
Pra encher de água e levar.
Cai, cai Tanajura
Na panela da gordura
E as crianças correndo atrás
Para a Saúva derrubar
E quando elas caíam
Aviãozinho eles faziam
Ou, davam pra alguém se alimentar.
Aqui, o verão foi quente
Faz um calor de escaldar
Mas, pra esfriar um pouquinho
Ia na sorveteria de Pedrinho
Picolé de coco ia chupar
Os mais antigos conhecem
E guardam no coração
Os que deixaram um legado
Pelos serviços prestados
Em favor da educação.
Diva a Primeira professora
Seu Domingos, Ana Mirena e Gracinha
Euza, Edna e Dona Marizete
Nalva e também Luzinete
E a querida Dona Chiquinha .
Outros personagens marcantes
Não professores, engenheiros ou Doutor
Cibite, Mercê, Rosalvo, Zeca de Antipa, Nita e Nô.
Mesmo na condição de especiais
Registraram nos anais
Enquanto pra eles o tempo durou.
Se dizes que é fatimense
De Pedrinho da Zabumba vai lembrar
Rezava, corria e cantava
E o povo, de longe o espiava
Correndo pra lá e pra cá.
A discoteca aqui em Fátima
Foi um sucesso arrasador
Como dizes que és daqui?
Se na discoteca de Temir
Nenhuma música dançou?
Faz parte da nossa infância
O banho de chuva e o guerrô
Nunca saiu da lembrança
Brincadeiras de criança
Lembrarei com muito amor.
Você que é de Fátima, sabe
E certamente saboreou
Os doces de Dona Totonha e Liquinha
A mudinha de Dona Chiquinha
E o bolo da muda, experimentou?
O bom fatimense se lembra
Que aqui tinha uma padaria
Tinha uma famosa bolacha de Corte
Prensada no bulinhote
Seu Isaias que fazia
Bufu, mexerico e alfenim
São Doces, que até hoje me fascinam
As doceiras se chamavam
Dona Bela, Dona Arnóbia
Dona Ismênia e Artelina
Quem é de Fátima conhece
O remédio Lambedor
Misturava tudo que é raiz
E o Rapé pra botar no nariz
Quem fazia era seu Nô.
Alguns fatimenses se lembram
De um circo que aqui passou
Do Palhaço Canelinha
Que animou nossa Feirinha
Muita saudade deixou
Se fores mesmo de Fátima
Vai sentir saudade no coração
Do Sítio tomando banho
Enquanto que alguém na nação
Na pedra ia esfregando com as mãos
As roupas que lavavam pra o ganho.
Era forma de sobrevivência
Lavar roupa na nação
Na cabeça uma bacia
Apoiada na rudia
Deuzinha e Maria de Dede
O esforço pra ganhar o pão.
Se és fatimense conhece
Desse tu não esqueces não
O popular Carinhoso
Que pra muitos um perigoso
Bateu, mas apanhou de montão
Mesmo sendo arreliento
Tinha um bom coração.
Algo meio paradoxo,
Aqui em Fátima existiu
Casal acima de 80 anos
Ela, toda formosa e gentil
Dona Nenem e Seu Jóvem
Se é que existe outro me provem
Nesse tão imenso Brasil.
Outra personagem marcante
Veio na lembrança agora
Valente com a bengala na mão
Oriunda da escravidão
Seu nome chamava-se
Dora.
Vou falar de outro homem
De cor morena e magrinho
Alvino Pinheiro, o chamavam
Numa carroça trabalhava
Puxada pelo um burro chamado Roxinho.
Dos comerciantes mais antigos
Que aqui, não mais estão
Zé da Lage, Seu Porfirio
E os demais que me refiro
Pedro Pipio e Seu Félix
Seu Sérgio, Seu Elias e Dão.
Nas festas de Outubro e Janeiro
Barracas tinham de montão
Com doces, salgados e pipoca
Até o perfuminhos de Seu Piroca
Exalava o cheiro no salão.
Zé de Aninha e Seu Badino
Os ferreiros do lugar
De vez em quando ia na tenda
Só pra ver o forno de fole soprar
Fundia o ferro e batia
Pra atender a freguesia
E a ferramenta moldar.
Segunda feira, era o dia
De pau de arara viajar
Pra Lagarto, o povo ia
Vendo o dia a clarear
Bispo, Detinho e Dão
Motoristas do caminhão
Que esse povo ia levar.
Você diz que é de Fátima
Mas nunca fez bala de barro
Para matar passarinho
Pegávamos na olaria
À Raimundo Oleiro pedia.
Ou, ao seu filho Toninho
O povo de Fátima também
É cheio de fé e de crença
Quando contraia uma doença
Logo queria se curar
Procurava uma rezadeira
Até mesmo uma benzedeira
Para o ramo ela passar.
Dona Nanzinha, especialista
Em espinhela caída
Dona Alzira, Belaniza
Domingão e Dona Zefa Cacheado
Rezavam pra dor de dente
Caxumba ou prisão de ventre
E dos que tinham mal olhado.
O Folclore é coisa nossa
Que no imaginário está
O Saci, Lobisomem e Caipora
Me arrepia até agora
Continuam fazendo parte
Da forte Cultura popular.
Quem é dessas bandas sabe
A lenda da Luzerna, vai lembrar
Eram duas luzes que se batiam
Os mais velhos pra nós diziam
Foram os Compadres
Que morreram sem se falar.
Remonta as histórias das ruas
A fundação do ASA e Expressinho
Ponta da Asa e Rua Nova
A Rivalidade sempre se renova
Até em jogo de palitinho.
Ao falar de Futebol
Logo me vem na memória
Um craque de todos os tempos
Na região, fez história
Refiro-me ao atleta ITA
Qualidades tinha de sobra
Talvez outro, aqui não o repita.
Se dizes que é de Fátima
Mas nunca comestes bufu?
Se Flamengo, Corinthians ou Botafogo
No dia que tivesse jogo
Assistíamos no salão de Zé de Bilu.
Se é de Fátima ainda se lembra
Que a Rua Melo Bico existia
E o curral que abatia animais
Lembranças tristes demais
Ao ver os bichinhos que caem
Quando o machado na cabeça batia.
Diz que és- um fatimense
Nunca em bicicleta montou
Não conheceu Zé de Diomédio
Que amenizou o meu tédio
Quando sua bicicleta me alugou.
Você diz que é de Fátima
Mas não consegue lembrar?
De um tal de Papa figo
Que para os pais era o perigo
Do fígado dos filhos roubar.
Fatimense de verdade se lembra
Dos doces que antigamente tinha
Quando o carro da Campineira Chegava
As crianças imediatamente compravam
Pirulito zorro, Chiclete Ping pong e Juquinha.
Outra lembrança marcante
Pra quem se diz fatimense
Ao pensar em viajar
A passagem ia compra
Na Viação Bonfinense.
Quando se fala em transporte
Dá saudade e emoção
De um ônibus que passava
E o povo que aqui morava
O chamava de Boião.
Aqui também teve um beiju
Que ganhou notoriedade
O Sarôio de Itabaiana
De sabor muito bacana
Que conquistou a cidade.
Baré Cola, Fratelli vita e Crush
Tiveram momentos de fama
Fogo Paulista, 88, e Cavalinho
Bastava tomar um pouquinho
Com ressaca ia pra cama.
Não sei se alguém tá lembrado
Vendia na feira daqui
Botava no cabelo uma banha
E ia comprar aratanha
E um colar de Licuri.
Dizes que é de Fátima
Música no Parque Silva nunca ofereceu
Era recadinho do coração
O nome não devia revelar
Para ninguém desconfiar
A sua oculta paixão.
Lembro-me da minha cidade, e sinto saudade
De tudo que nela vivi
Lembro quando dela parti
Pra morar em Salvador
Um sonho eu tinha em mente
Estudar, ser persistente
Para ser um dia professor.
Finalizo esses meus versos, rogando
A Deus Pai e Criador
Que a nossa terra proteja
Nossa Senhora de Fátima esteja
Intercedendo em nosso favor.
....................................
* Ângelo Lagoa: Fundador de Fátima
* João Maria de Oliveira: Primeiro prefeito e Emancipou Fátima de Cícero Dantas
* Augusto Borges: Liderança Política e desafeto de João Maria
* Vieira: Família que dominava a política na época
* Pedrinho da Zabumba: Deficiente mental que vinha a pés da Mata de Paripiranga tocando o seu tambor.
* Barriguda: Uma árvore, e uma Fazenda que ainda existe em Fátima.
* Bufu: Doce feito da raiz do Umbuzeiro
* Mexirico: Um doce feito de farinha, açúcar e pimenta do reino.
* Bomba: Chafariz que abastecia a população fatimense.
* Rapé: É Tabaco ( fumo ) em pó para inalar
* Lambedor: Um tipo de xarope de diversas raízes do mato.
* Canelinha: Proprietário do Circo.
* Sítio: Tanque que servia para o banho público.
* Nação: Tanque que o pessoal utilizava para lavar roupa e abastecia a Vila com água.
* Seu Piroca: Um Senhor que vendia perfumes em épocas de festas.
* Carinhoso: Foi a pessoa mais odiada pelos jovens das cidades vizinhas; gostava muito de confusão.
* Bala de barro: Bolinhas feitas com argila, que servia para matar passarinho com o badogue.
* Mau olhado e Espinhela caída: Tipos de doenças de antigamente.
* Papa Figo: No imaginário das crianças e dos pais, era uma pessoa que sequestrava as crianças para roubar o fígado.
* Campineiro: Era o Carro que trazia Doces pra vender no comércio ( nas budegas )
* Juquinha: Um tipo de bala.
* Boião: Era o nome dado a um ônibus que passava em Fátima. ( motorista era Lourinho de Cícero Dantas ).
* Banha de Porco: Creme que usava no cabelo.
* Aratanha: Um tipo de Camarão de água doce.
* Colar de Licuri:
Fátima-Bahia, 01 de Abril de 2020