O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Conhece alguém que já cavou uma botija?


É sabido que o sertanejo dos séculos XVIII, XIX e início do século XX viviam em um mundo muito diferente do que conhecemos hoje. Expostos a ausência quase que completa do Estado, aquelas pessoas fortes tocavam suas vidas de forma autônoma e, com frequência, arrumavam soluções criativas para resolver os seus problemas cotidianos.
A ausência de bancos e a presença de criminosas de diversos naipes, cangaceiros! Inclusive, levou a adoção de um hábito bastante peculiar. Era relativamente comum que algumas pessoas, ao juntar uma quantidade significativa de dinheiro, buscasse locais seguros para depositar o seu pequeno tesouro longe das garras de malfeitores.
O costume de enterrar importâncias em dinheiro, ouro, prata ou pedras preciosas é bastante antigo. É conveniente lembrar das histórias de piratas e corsários dos século XVI a enterrar os seus baús de tesouros em ilhas distantes.
Aqui no nordeste, essa prática parece ter chegado junto com o colonizador. Não é possível precisar em qual período as pessoas começaram a enterrar importâncias. O que se sabe é que, foi bastante presente a prática de depositar quantias em moedas de prata ou de ouro ou mesmo em moeda corrente em vasos de cerâmicas, botijas, e enterrá-la em um local considerado seguro. Prova dessa difusão é que, inclusive, cangaceiros famosos como o próprio Lampião esconderam suas riquezas enterradas pelas caatingas por onde andavam.
As botijas, contudo, criaram raízes profundas no imaginário popular. Como é comum, no nordeste, tais tradições sempre são permeadas por forte influências religiosas e lendas são criadas ao gosto da imaginação da gente sertaneja.
Quando criança, nos anos 1990, ouvi essa história pela primeira vez na casa de Seu Joãzinho, João Paulo Félix. De acordo com suas histórias, “uma botija era formada” quando alguém realizava o procedimento de enterrar uma determinada quantia e morria antes de fazer uso do recurso ali depositado.
Quando isso acontecia, a alma do falecido era atormentada e ficava à vagar, pois, não poderia descansar em paz antes que o local fosse revelado e algum vivente fizesse uso do conteúdo enterrado. É importante salientar aqui que há diversas variações da mesma lenda, contudo, o roteiro é, basicamente, o mesmo.
O falecido, então, aparecia para alguma pessoa escolhida (nem sempre da sua família) e incumbia essa pessoa da tarefa de desenterrar o tesouro. Entretanto, uma série de obstáculos macabros dificultavam a tarefa. De acordo com a lenda, assombrações escabrosas apareciam para a pessoa no caminho da missão, e uma série de eventos sobrenaturais deveriam ser superados, de modo que, muitas vezes as pessoas escolhidas, mesmo sabendo da existência do tesouro desistia de possuí-lo. Em contrapartida, aquele que conseguisse dar conta da tarefa poderia usufruir dos benefícios do tesouro.
Lendas à parte, como disse, muitos sertanejos enterraram suas economias e, é possível dizer, que muitas botijas ainda estão enterradas esperando ser descobertas por toda a região, inclusive, uma resolução do Instituto do patrimônio histórico e artístico, o IPHAN, obriga àqueles que “tropeçarem” em uma botija por aí a entrar em contato com o órgão.
Lá nos anos 1990, lembro bem de uma senhora cujo nome desconheço pois já faleceu há muitos anos e não deixou parentes conhecidos, cognominada apenas por “Nita Doida”, indo ao cemitério da cidade por dias consecutivos munida de cavadeira e outras ferramentas para descavar uma botija que, de acordo com ela, tinha sido revelada em sonho.
Como era de se esperar, Nita não foi bem sucedida em sua missão e jamais encontrou nada, à despeito do trabalho duro daqueles dias cavoucando o cemitério.

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