É sabido
que o sertanejo dos séculos XVIII, XIX e início do século XX viviam em um mundo
muito diferente do que conhecemos hoje. Expostos a ausência quase que completa
do Estado, aquelas pessoas fortes tocavam suas vidas de forma autônoma e, com frequência,
arrumavam soluções criativas para resolver os seus problemas cotidianos.
A ausência
de bancos e a presença de criminosas de diversos naipes, cangaceiros! Inclusive,
levou a adoção de um hábito bastante peculiar. Era relativamente comum que
algumas pessoas, ao juntar uma quantidade significativa de dinheiro, buscasse
locais seguros para depositar o seu pequeno tesouro longe das garras de
malfeitores.
O
costume de enterrar importâncias em dinheiro, ouro, prata ou pedras preciosas é
bastante antigo. É conveniente lembrar das histórias de piratas e corsários dos
século XVI a enterrar os seus baús de tesouros em ilhas distantes.
Aqui
no nordeste, essa prática parece ter chegado junto com o colonizador. Não é
possível precisar em qual período as pessoas começaram a enterrar importâncias.
O que se sabe é que, foi bastante presente a prática de depositar quantias em
moedas de prata ou de ouro ou mesmo em moeda corrente em vasos de cerâmicas,
botijas, e enterrá-la em um local considerado seguro. Prova dessa difusão é
que, inclusive, cangaceiros famosos como o próprio Lampião esconderam suas
riquezas enterradas pelas caatingas por onde andavam.
As botijas,
contudo, criaram raízes profundas no imaginário popular. Como é comum, no nordeste,
tais tradições sempre são permeadas por forte influências religiosas e lendas
são criadas ao gosto da imaginação da gente sertaneja.
Quando
criança, nos anos 1990, ouvi essa história pela primeira vez na casa de Seu
Joãzinho, João Paulo Félix. De acordo com suas histórias, “uma botija era formada”
quando alguém realizava o procedimento de enterrar uma determinada quantia e
morria antes de fazer uso do recurso ali depositado.
Quando
isso acontecia, a alma do falecido era atormentada e ficava à vagar, pois, não
poderia descansar em paz antes que o local fosse revelado e algum vivente
fizesse uso do conteúdo enterrado. É importante salientar aqui que há diversas
variações da mesma lenda, contudo, o roteiro é, basicamente, o mesmo.
O falecido,
então, aparecia para alguma pessoa escolhida (nem sempre da sua família) e incumbia
essa pessoa da tarefa de desenterrar o tesouro. Entretanto, uma série de
obstáculos macabros dificultavam a tarefa. De acordo com a lenda, assombrações
escabrosas apareciam para a pessoa no caminho da missão, e uma série de eventos
sobrenaturais deveriam ser superados, de modo que, muitas vezes as pessoas
escolhidas, mesmo sabendo da existência do tesouro desistia de possuí-lo. Em contrapartida,
aquele que conseguisse dar conta da tarefa poderia usufruir dos benefícios do
tesouro.
Lendas
à parte, como disse, muitos sertanejos enterraram suas economias e, é possível
dizer, que muitas botijas ainda estão enterradas esperando ser descobertas por
toda a região, inclusive, uma resolução do Instituto do patrimônio histórico e
artístico, o IPHAN, obriga àqueles que “tropeçarem” em uma botija por aí a
entrar em contato com o órgão.
Lá
nos anos 1990, lembro bem de uma senhora cujo nome desconheço pois já faleceu
há muitos anos e não deixou parentes conhecidos, cognominada apenas por “Nita
Doida”, indo ao cemitério da cidade por dias consecutivos munida de cavadeira e
outras ferramentas para descavar uma botija que, de acordo com ela, tinha sido
revelada em sonho.
Como era de se
esperar, Nita não foi bem sucedida em sua missão e jamais encontrou nada, à despeito
do trabalho duro daqueles dias cavoucando o cemitério.
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