O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

domingo, 28 de junho de 2020

O soldado fatimense que participou do último combate do cangaço

Liberino Vicente, Fátima, 1982.
            No dia 25 de maio de 1940 acontecia o último combate entre cangaceiros e volantes na cidade baiana de Barra do Mendes. Tratou-se do embate em que Corisco, o diabo loiro, foi morto e sua companheira, Dadá, perdeu uma das pernas em consequência de um tiro de fuzil.
            Durante os anos de auge do cangaceirismo no nordeste, Corisco era considerado o segundo homem nas trincheiras do banditismo, abaixo apenas de Lampião. Notório pela sua crueldade, cometeu atos tão hediondos que rivaliza com as ações do próprio Virgulino. Por esse motivo, adquiriu a alcunha de Diabo Loiro.
            Em 1940, contudo, o cangaço dava seus últimos suspiros. Após a morte de Lampião em 28 de julho de 1938, o cangaceirismo passou a sofrer um forte processo de decadência, seja pela própria simbologia da morte do seu maior expoente, seja pela intensificação das perseguições do estado afim de dar linhas finais ao banditismo.
            Após o massacre de Angico, vários grupos foram sendo dissolvidos. Se entregando às autoridades ou sendo dizimados pela polícia, os chefes de subgrupos foram aos poucos cedendo às pressões que levariam ao fim do movimento. Assim, bandos como os de Zé Sereno e Ângelo Roque, este último em Paripiranga, foram se entregando e dando baixa em suas armas.
            Naquele 25 de maio de 1940, contudo, o combate entre a volante de Zé Rufino e Corisco não foi necessariamente um fogo, como os bandoleiros nominavam os tiroteios, entre soldados e um grupo de bandidos, pois Corisco não estava mais no comando do seu, outrora numeroso, grupo de cangaceiros.
            Viajavam Coriso, Dadá, Rio Branco, Florência e a menina Zefinha, natural de Bebedouro (atual Coronel João Sá). Não estavam mais atuando como cangaceiros, já não usavam mais a sua característica indumentária. Vestidos como civis e carregando o que restara dos espólios do cangaço, viajavam em fuga, rumo a uma vida clandestina e distante das catingas que dominaram por anos.
            Na altura da cidade de Barra do Mendes, pediram pouso na fazenda Pacheco. Passavam-se por romeiros em direção a Bom Jesus da lapa, possivelmente seu destino final fosse o estado de Minas Gerais. Na época, Corisco já não lembrava nem de longe o estereótipo de guerreiro que havia adquirido nos anos de combate. Deficiente de ambos os braços em decorrência de ferimento a bala, era alcoólatra e tinha dificuldades para atirar.
            De Jeremoabo, o tenente Zé Rufino buscava rastrear o último grupo de cangaceiros que, de uma forma ou de outra, ainda perambulavam em liberdade. Sagaz e incansável, o tenente Consegue pistas do possível paradeiro de Corisco. Naquela expedição chefiada por Zé Rufino havia um fatimense, Liberino Vicente, que na época já gozava do posto de soldado efetivo da polícia baiana.
            O grupo de 15 soldados chega à fazenda Pacheco onde Corisco e o restante do grupo estavam escondidos. Dadá é a primeira a perceber a chegada dos soldados e alerta Corisco que prontamente começa a atirar contra os policiais. Não foi uma luta justa, visto que Rio Branco e Florência estavam afastados e fugiram ao escutar os primeiros disparos. Corisco e Dadá enfrentam sozinhos o numeroso grupo de soldados.
            Em poucos minutos de ação efetiva, Dadá é baleada na perna e vai ao chão gritando para que Corisco fuja, não há tempo. Alvejado por uma rajada de metralhadora, Corisco cai com as vísceras à mostra. Estava mortalmente ferido mas ainda vivo.
            Em entrevista, Zé Rufino afirma que conversou com Corisco enquanto esse agonizava. Queria saber porque o cangaceiro não tinha simplesmente se entregado diante da evidente desvantagem. Indagação a qual Corisco teria respondido com esses palavras: “Não sou homem pra me entregar, sou homem pra morrer”.
            O casal de cangaceiros feridos e a menina Zefinha são postos em um carro de boi e levados para a cidade vizinha de Miguel Calmon. No trajeto, descrito posteriormente por Dadá, como uma viagem extremamente longa e dolorida, Corisco viria a morrer cerca de seis horas depois de ser baleado. Ao chegar na cidade, Dadá é levada ao hospital onde tem a sua perna direita amputada e Corisco é sepultado no cemitério da cidade.    De lá, Dadá e a menina Zefinha são postos em um trem e levados para Salvador. Dadá é presa e a criança mandada de volta para a casa dos seus pais.
            Inusitadamente, nos anos posteriores, Dadá e seu algoz, Zé Rufino, desenvolvem um sentimento de respeito mútuo. Tanto é que, nos anos 1980 a ex-cangaceira visita  o militar em Jeremoabo por mais de uma vez. Durante uma dessas visitas ela relata que adquiriu um respeito pelo agora Coronel Zé Rufino em decorrência das suas ações após o combate. Ele teria impedido que cortassem a cabeça de Corisco, algo muito comum naquelas ocasiões, e ainda garantiria que Dadá não fosse executada ali mesmo.
            Aquele combate em Barra do Mendes entraria para a história como sendo o marco final do cangaço. Não ficou claro para mim qual foi a participação do soldado Liberino na ocasião. Sabe-se, de acordo com informações apuradas, que ele estava presente e participou efetivamente da ação. De toda sorte, está mais do que claro que o fatimense Liberino Vicente entrou para a história do cangaço nordestino.

Corisco Morto


A construção desse artigo teve a importante colaboração do amigo pesquisador Robério Santos, do canal “O cangaço na literatura”.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Rara foto da igreja de Fátima é encontrada no computador da paróquia.


A foto foi encontrada no acervo fotográfico da paróquia de Fátima por frequentadores. A rara imagem mostra a igreja com dimensões bem menores que as atuais. É possível observar diversos fiéis na parte da frente. Ainda não havia sido construída a praça da matriz e as construções ao redor se mostram bastante diferente do atual aspecto.
Infelizmente as informações sobre a imagem em questão são escassas. A foto foi enviada ao Blog HISTÓRIA DE FÁTIMA pelo colaborador Juan K. Menezes e, infelizmente, não é possível saber qual o ano retratado e quem é o fotógrafo. Esperamos que algum leitor possa nos fornecer informações adicionais.

terça-feira, 9 de junho de 2020

A influência do Padre Renato Galvão junto ao deputado Dantas Jr muito ajudou Cícero Dantas e Fátima.



João da Costa Pinto Dantas era neto de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo. Nascido em 1859, formou-se em direito aos 20 anos e aos 23 já era deputado estadual (1921).
Por ser membro de uma das famílias mais influentes do nordeste, passou a vida alternando entre os cargos públicos ligados ao direito e os mandatos de deputado, tendo ocupado também o cargo de Presidente da Caixa Econômica da Bahia. Integrante do auto escalão da política baiana, tinha o seu distrito eleitoral nessa parte do sertão, onde suas raízes familiares o conferiam grande prestígio.
Por essa razão, cultivava amizades com lideranças políticas locais com quem, à exemplo do avô, trocava correspondências com enorme frequência. Esses laços de amizade, claro, era uma eficiente forma de manter os seus votos.
Uma dessas amizades era o vigário da paróquia de Cícero Dantas, Renato Galvão. Em uma série de cartas disponíveis no “corpus eletrônico Documentos do Sertão”, entre os anos de 1945 e 1959, o religioso e o político conversam sobre os temas relevantes para a região, revelando uma amizade e uma aliança duradoura.
Os documentos revelam que o Padre Renato, como era conhecido, exercia grande influência dobre o deputado e era realmente comprometido com as questões da gente pobre da sua comarca.
Evidentemente, sabemos que a relação entre os dois era permeada de interesses políticos de ambos os lados como era praxe na época e ainda, em grande medida, o é. O fato é que as cartas do padre, endereçadas ao deputado, estavam sempre permeadas de pedidos que refletiam a demanda da população local a despeito de alguns pedidos em nome de amigos estarem também registrados.
Sempre respeitoso com as palavras dirigidas ao líder político, o padre frequentemente assim iniciava as suas cartas:

Meu caro amigo, Dantas. Afetuosas saudações, com elevados votos de bem estar.


Entre as petições encaminhadas ao deputado pelo vigário estão a construção ou revitalização de estradas, açudes e socorro perante os efeitos das secas, como podemos notar nesse trecho de carta de 1955 onde, preocupado, escreve o padre:

Escrevo-lhe sobre a impressão de terrível pesadelo que atormente a mente de todos os nordestinos. As faltas de chuvas de inverno. Estamos, infelizmente, as portas de uma calamidade sem precedentes. As chuvas de plantação suspenderam desde maio, noites frias e dias de sol, tudo se estiola e morre. Lembro ao bom amigo do Nordeste que as verbas  do Departamento de Secas e outros auxílios de 1956 devem ser maiores, mesmo porque o povo precisa de trabalho para garantir.

Nota-se, pelo emprego das palavras que o vigário antecipa-se ao que chama de “calamidade sem precedentes” para pedir pelos mais pobres e vulneráveis aos efeitos nefastos das secas que à época, muito mais do que hoje, em virtude da melhor estrutura de amparo estatal, imprimia muito mais sofrimento ao povo da região.
Nesse outro trecho de setembro de 1957, o padre solicita a construção de um açude:

Aqui nessa missiva vai o nosso pensamento sobre a mais importante obra de que necessita o município, qual seja o açude do Pedrão do Vale.

Na sequência da carta o padre fala sobre a possibilidade de obras no rio Quingomes que hoje divide os limites de Fátima e Cícero Dantas, também para prevenção contra as secas e pede que o deputado interfira como puder para que a obra seja realizada.
Não há registro de petição para a construção do Poço Municipal de Fátima, a Bomba, inaugurada em 1960, mas é sabido que a obra foi realizada através de pedido do padre ao mesmo deputado, como já tratado aqui no blog em textos anteriores.
Os padres sempre desempenharam importante papel político em nosso região. As capelas erguidas em locais cuidadosamente escolhidos funcionavam como postos avançados do estado durante a colonização e o poder e influência dos religiosos manteve-se república a dentro.
A análise da correspondência entre o Padre Renato Galvão e o Deputado Dantas Jr revela um homem com espírito público e uma profunda identificação com o povo mais pobre. Essa foi a impressão que tive dessa figura tão importante para a nossa gente.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Carta de 1812 descreve a construção da igreja o do cemitério de Cícero Dantas.



            A missiva é escrita pelo Frei Apolônio de Toddi, endereçada ao imperador. Nela o frei italiano, conhecido como o beato dos sertões, fornece informações sobre a construção de uma igreja no local onde ficava o antigo cemitério da cacunéa, na atual praça da igreja matriz de Cícero Dantas.
            O relato do religioso é rico em detalhes:

Nesse tempo o povo dos tabuleiros, que fica longe doze léguas, fez requerimento de fazer uma capela no antiquíssimo cemitério da cacunéa e pediu de eu manda-lo fazer. O excelentíssimo arcebispo despachou que sim, que eu fosse e fizesse a caridade.

O trecho da carta do frei, nos mostra uma prática comum no Brasil colonial. Não havia a separação entre igreja e estado e a igreja católica tinha liberdade de transitar livremente pela colônia. Os padres e freis percorriam esses sertões evangelizando os caboclos e os indígenas. Quase sempre, fundava-se uma pequena capela em uma área minimamente povoada e com potencial em recursos naturais para gerar uma vila. Aos poucos, casas iam sendo erigidas no entorno do templo e, com o passar do tempo, formava-se um povoamento que depois viraria uma freguesia, vila e, posteriormente, uma cidade. Era uma forma muito eficiente de direcionar a formação da futura cidade ao redor da igreja, o que é bastante simbólico, pois a igreja torna-se o centro da cidade e da vida das pessoas que ali vivem.

E foi aos 8 de julho de 1812, e fui conduzido a uma casinha de uma negrinha, que tinha cento e três anos, porém, bem longe do dito cemitério.
No dia seguinte vieram dois homens para me conduzir a ver o lugar; cheguei ao dito cemitério e não tinha formalidade nenhuma porque tudo era mato e se via aqui e acolá uma cova de defunto.

Mais adiante, o frei faz o primeiro relato conhecido das práticas violentas da localidade que ficava às margens da estrada real e era frequentemente palco de verdadeiras tragédias protagonizadas por ladrões que atacavam viajantes na área, os matando a fim de roubar os seus pertences e, posteriormente, os enterrando ali mesmo. Essa particularidade daquela área é tratada no romance “Cariri Sangrento” de Landswalth Lima, quando portugueses recém chegados ao Brasil se envolvem em um violento episódio com um sujeito que tentava assassinar Maria Boqueirão, uma das personagens principais da trama. No obra de ficção, o malfeitor é morto e enterrado no dito cemitério.

Perguntei se havia rio, responderam que não, mas sim muitos olhos d’água que nunca secavam, ainda com apertada seca, e que, por ser uma travessia, muita gente passageira se mata nesse lugar, porque pelo motivo da água arranchavam-se e vinham os ladrões, e no tempo que dormiam, os matavam, roubavam e enterravam no cemitério.
A seguir, o religioso conta como reuniu gente suficiente para iniciar a obra da igreja:

Ordenei as duas pessoas que no domingo dizia missa, que espalhassem voz pelos circunvizinhos de vir. Ordenei que no sábado se ajuntassem no cemitério, trazendo machados, foices e enxadas para se aprontar o lugar da igreja. Da fato, no sábado bem cedo vieram perto de cinquenta homens se cortou todo o mato, e se mataram muitas cobras tão grandes que uma foi julgada pesar duas arrobas.

Em outro trecho relata como conseguiu a madeira necessária:

Agasalhado no cemitério, principiei logo a andar com guia e com gente pelos matos para achar madeira boa e escolhida para levantar a igreja, para tabuado, linhas, frechais, caibros, ripas, etc.

O atual cemitério que fica em um monte em frente à igreja também foi obra do mesmo frei:

Assim como de frente a igreja, distante sessenta braças, tem um monte bastante alto, em cima dele erigi o santo calvário, entre uma pequena capela, onde além das três cruzes, coloquei a imagem de Nossa Senhora da Soledade, S. João e Bom Jesus no túmulo, com bonito altar.

No trecho seguinte, vemos como a vila do Bom Conselho vai se formando em volta da igreja e em decorrência desta:

Frei Francisco de S. Damazo, por uma pastoral ordenou que se benzesse e se rezasse missa, declarou altar privilegiado e concedeu muitas indulgências, por cujo motivo é muito visitado dos romeiros, que recebem do santo calvário graças e favores. Por esta razão, sendo continuado o concurso de romeiros, de boiadas, de comboios e passageiros, os habitantes fizeram muitas casas, e se sua majestade fizer vila há de ser muito grande e dar muito lucro à vossa majestade e seus vassalos.

Documento publicado por SANTANA (2008).

Padre Renato Galvão se queixa da atuação de João Maria em eleições de Fátima


Em carta de 1954, o vigário líder político local e, posteriormente, candidato a prefeito de Cícero Dantas, relata as movimentações políticas locais ao deputado estadual João da Costa Pinto Dantas Jr, neto do Barão de Jeremoabo, líder político regional.
Naquele período, Fátima, que ainda se chamava Monte Alverne e pertencia à Cícero Dantas, era o maior povoado do município e importante colégio eleitoral para o candidato Renato Galvão. Na correspondência, o padre fala sobre a total desorganização dos trabalhos na localidade de Monte Alverne, citando inclusive a suposta incompetência dos responsáveis, o que nos dá uma ideia de como os pleitos eram realizados por aqui na época:

Em Monte Alverne, nosso reduto, não houve praticamente eleições. Já o previa e assim é que forneci cópias ao delegado do partido em termo de responsabilidade ao presidente. Escolheram para dirigir pessoas incapazes. Os trabalhos estiveram paralisados até as 15 horas, os presidentes não sabiam abrir e dirigir os trabalhos

Na sequência, o vigário fala da atuação de João Maria e um certo João Neves:

O delegado João Neves e o soldado João Maria só deixaram votar quem mostrasse as chapas, isso dentro do recinto, suspenderam os trabalhos pela manhã e espalharam notícias falsas que causaram o pânico.

O texto nos mostra as acirradas disputas eleitorais em nossa região. Regada a um certo primitivismo e a inapropriada malícia de manipular os resultados, o que produzia um ambiente caótico de intrigas e resultados fraudulentos.
É esse mais um retrato das disputas políticas em nossa região na década de 1950, são práticas políticas que, infelizmente, ainda não foram de todo extirpadas em nossa cidade.


O documento necessário para esse artigo nos foi enviado pelo amigo Fernando Pires

A data da proclamação da república era comemorada em nossa região no final do século XIX e início do século XX.


As circunstâncias da proclamação da república brasileira levaram a população, de um modo geral, a dar muito pouca importância ao 15 de novembro. Assim, nomes importantes do republicanismo nacional como Floriano Peixoto, Quintino Bocaiúva e Benjamim Constant não figuram no imaginário do grande público no país.
De acordo com a maioria dos historiadores, essa falta de interesse pelo evento da proclamação da república se dá, em grande medida, pela falta de participação popular na mudança de regime. A república fora proclamada através de um golpe de estado dado pelos militares com o apoio das elites políticas e econômicas. Ficando o povo totalmente à margem de todo o processo e, a rigor, do planejamento daquilo o que viria a ser o Brasil republicano.
Por conta disso, o feriado de 15 de novembro passa quase que em branco em todo o país. Boa parte dos brasileiros nem sabe do que se trata a data. Para além disso, poucas são as homenagens feitas pelo país ao acontecimento daquele conturbado ano de 1889.
Em nossa região, contudo, existem alguns indícios de que essa apatia referente à data da proclamação da república tenha sido diferente nos primeiros anos do novo regime. É provável que a recém proclamada república carecesse de liga entre o nosso povo, por isso, os primeiros governos empenharam-se em criar um sentimento patriótico em torna da república, sobretudo nessa distante região.
Em carta à Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo, um cidadão da então Vila de Tucano, de nome, Antero Cerqueira Gallo, fala a respeito das comemorações do 15 de novembro. O simples fato de tal comemoração ser citada em carta ao Barão nos diz muita coisa. É importante lembrar que o Cícero Dantas Martins tinha grande prestígio político, era uma liderança venerada entre os seus conterrâneos e, considerando que esse tema fora citado em mais de uma carta do mesmo Antero Gallo em correspondências com o Barão, nos é possível deduzir que, de fato, era este um feriado importante e apreciado pela população.
Uma das cartas data de 23 de novembro de 1898, apenas nove anos após a proclamação. É demasiadamente importante lembrar que naquele ano, do envio da correspondência, a Guerra de Canudos, um movimento abertamente monarquista na figura do seu líder Antônio Conselheiro, um antirrepublicano convicto, tinha sido encerrado há muito pouco tempo (1897) e suas marcas ainda estavam muito vivas no imaginário popular.
Nesse momento, nos é franqueada a liberdade de imaginar o quão importante era para aquela elite política local, fazer com que o sentimento republicano fosse absorvido pela população em geral. Aliás, um duro dever aquele de inserir na cabeça dos mais pobres a bondade de um regime que simplesmente não os enxergava.

Fonte: Corpus eletrônico de documentos do sertão - UEFS


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Carta do Padre Renato Galvão revela aspectos dos pleitos eleitorais em Fátima.



A missiva é endereçada ao neto do Barão de Jeremoabo, João da Costa Pinto Dantas Júnior, o Dr. Dantas, e trata das movimentações políticas entre os poderes de Cícero Dantas quando Fátima ainda se chamava Monte Alverne.
            Na correspondência, o vigário da paróquia da cidade de Cícero Dantas fala sobre a situação em torno do pleito eleitoral no qual concorria ao cargo de prefeito da cidade. Deputado estadual na ocasião, Dr. Dantas era parte da linhagem do Barão de Jeremoabo, seu avô, falecido em 1903 e sepultado na igreja da cidade que carrega seu nome, Cícero Dantas.
            Corria o ano de 1954 e o padre candidato assim escreve ao chefe político em tom de prestação de contas:

Acabo de regressar de Monte Alverne onde realizei na tarde de hoje grande comício no qual seu nome foi delirantemente aplaudido. Lembrei ao povo a memória do saudoso coronel Chiquinho Vieira e os benefícios da política de paz que os Dantas sempre realizaram no nordeste. Várias adesões. Tenho sofrido ataques tremendos, inclusive ameaças e até fortes pancadas na porta altas horas da noite. Nada receio. Os ataques estão revoltando o povo que dia a dia se apavora e abandona os adversários. nunca vi adversários tão cruéis. Descobriu-se que a empregada que demiti iria envenenar-me. A vitória é certa, apesar de não dispormos de eleitorado novo e fui prejudicado, o cartório eleitoral é uma imoralidade, desaparecem títulos novos e velhos.

Em outro trecho, em virtude dos ânimos exaltados, o padre pede o envio de tropas federais para garantir a segurança e queixa-se do, agora famoso, Coronel Zé Rufino, o algoz de Corisco que residia na cidade de Jeremoabo.

Havendo garantias de forças federais a vitória será esmagadora. Veja se consegue forças federais para Cícero Danas, até agora não houve mortes porque tenho sido prudente. José Rufino não apareceu e é dúbio, o soldado não é amigo de ninguém.

O fim do período da história do Brasil conhecido como Coronelismo é costumeiramente cravado no ano de 1930, ano da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder e colocou números finais à República Velha. Contudo, as práticas políticas oriundas desse passado tardaram a desaparecer em nossa região. A carta do Padre Renato Galvão, que se elegeria prefeito de Cícero Dantas, mostra como as disputas ainda eram pautadas em fraudes eleitorais e na coerção de eleitores.
A citação do Coronel Chiquinho Vieira, patriarca da família Vieira de Cícero Dantas, nos mostra como aquele período ainda carregava forte influência do mandonismo político assim como os sumiços de títulos eleitorais do cartório demonstram as recorrentes fraudes eleitorais.
Monte Alverne era o maior povoado de Cícero Dantas, por essa razão, um comício exitoso por aqui era importante para a candidatura do padre. Um relatos feitos a mim por Joselito Amaral, dá conta de que a campanha foi, de fato, intensa por aqui, o trecho da música de campanha ainda é lembrado por alguns fatimenses:

“Valente Padre Renato!
Valente Padre Renato!”

            Ao que parece, o Padre buscou retribuir os moradores de Monte Alverne trazendo para a localidade programas de incentivo e aperfeiçoamento agrícola e o poço municipal, conhecido como “A Bomba” pelos fatimenses, inaugurado a 4 de outubro de 1960.

A documentação para a confecção desse artigo nos foi enviada pelo amigo Fernando Pires.