O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

domingo, 29 de agosto de 2021

Folheto de comemoração do centenário do padre Vicente Martins.

Cedido por Jonielton Dantas

No último dia 26, eu publiquei aqui no Blog um texto sobre o padre Vicente Martins, que esteve a frente da paróquia de N.S do Bom Conselho por incríveis 50 anos.

            Tal qual exposto, o Padre Vicente foi um personagem que deixou forte marca na lembrança dos paroquianos de toda a região. Em Fátima, muitos ainda se lembram do religioso ou cresceram ouvindo falar desse personagem que faleceu no longínquo ano de 1933, 88 anos atrás.

            Logo após a publicação de mais essa história aqui em nosso Blog História de Fátima, o amigo Jonielton Dantas, nosso colaborador de longa data, me enviou uma fotografia que, segundo ele, era guardada por seu pai junto com outros documentos de valor sentimental. A fotografia, é um panfleto comemorativo ao centenário do padre, um artefato que, por si só, já é um documento histórico, isto é, mais um tijolo nessa nossa construção historiográfica.

            É importante ressaltar, com efeito, que o pároco da igreja matriz de Cícero Dantas na época da publicação do folheto (1956) era o Padre Renato Galvão, que estava no início da sua vida eclesiástica na referida paróquia. Há, no meu entender, muitas semelhanças entre os dois vigários. Ambos ocuparam o cargo maior do executivo municipal (O padre Vicente como intendente e o Padre Renato como prefeito), foram homens de grande carisma e muito ativos na sociedade local. Isso me faz pensar se a ideia da comemoração do centenário de Vicente Martins teria sido iniciativa de Renato Galvão. Possivelmente jamais saberemos disso. Será?

            Á título de ilustrar a popularidade do padre Vicente entre os fatimenses, cito o cuidado com que Seu José Dantas, ou Zé de Cilivero, como é conhecido, guardou esse folheto.  Além disso, ao receber a foto, eu tomei a iniciativa de coloca-la no texto, como uma das muitas atualizações que faço aqui sempre que algum amigo/leitor sinaliza. Diante disso, algumas pessoas, inclusive o ex-prefeito Eduardo Pires, comentaram comigo acerca do valor de tal imagem.

            O folheto comemorativo, contudo, incorre no mesmo equivoco cometido por Consuelo Novais, na excelente obra "Canudos, Cartas para o Barão". Em ambos os casos credita-se ao Padre Vicente Martins a construção da Igreja de N. S do Bom conselho, quando esse feito é do Frei Apolônio de Todi, ainda em 1812 conforme artigo publicado aqui no Blog cujo link segue abaixo.

            O engano deve-se a um trecho de carta do Padre ao Barão de Jeremoabo datada de 22 de janeiro de 1896, onde escreve o vigário:

 

Comunico a V. Exa. Que no dia de sábado, 18 do vigente, subiu com muita animação [...] a cumeeira da capela-mor da Igreja Matriz e é bem provável que até sábado seja a mesma coberta. O povo ultimamente vai revelando muito gosto: Entendo que, havendo missão, será de vantagem extraordinária.

 

            Esse trecho, na verdade, revela a descrição de uma reforma, talvez ampliação da igreja, não a sua construção que, como dito, teve início 84 anos antes da carta do Padre Vicente endereçada ao Barão.

            De toda sorte, esse folheto é um importante registro da nossa história.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.

 

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Padre Vicente José Martins




 

Para um pesquisador como eu, poucas coisas são mais gratificantes do que perceber a construção da história no imaginário das pessoas. É muito interessante notar como algumas histórias marcam a vida das pessoas e passam para as gerações futuras.

            A história do Padre Vicente, quarto vigário a assumir a paróquia de Cícero Dantas, chegou até meus ouvidos através de um exímio contador de histórias, Zelito Amaral, meu sogro. Foi através dele que ouvi pela primeira vez falar de um padre que esteve por muitos anos no comando da paróquia de Nossa Senhora do Bom Conselho e que tinha o peculiar hábito de beber em demasia.

            Ainda de acordo com esses relatos memorialistas, o Padre Vicente prestava seus serviços espirituais por todo o enorme município de Cícero Dantas do início do século XX a cavalo (Fátima, inclusive), tarefa que desempenhava a cavalo juntamente com um assistente. Certa vez, ao retornar de uma dessas missões, o Padre, embriagado, teria caído do cavalo dentro de uma “cava de valado”. Diante do acidente visivelmente causado pela embriagues do vigário, o assistente que o ajudava a levantar teria dito:

 


- Diabos o leve quem inventou cachaça, né padre?

 

Ao que o religioso teria respondido:

 

- Diabos o leve quem inventou cava de valado, meu filho!

 

            Essa é uma passagem que, sem dúvidas, legou ao padre Vicente um lugar na memória de muitos habitantes da sua paróquia, mas não é sua única peculiaridade.

            O vigário do Bom Conselho era amigo íntimo do Barão de Jeremoabo e após a morte deste em 1903, tornou-se amigo do seu filho, João da Costa Pinto Dantas. No acervo de cartas do Barão está uma pequena biografia de Vicente José Martins que nos ajuda a entender melhor essa figura interessante.

            O religioso é natural de Feira de Santana, nasceu em 22 de janeiro de 1856 e foi ordenado padre em Fortaleza, Ceará, em 1881. Ocupou o cargo de intendente (cargo equivalente ao de prefeito) do Bom Conselho e foi o responsável pela ampliação da igreja da cidade. Com a ajuda do Barão, foi o responsável por dar à centenária igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho a fachada que ainda hoje tem.

            Sua vida religiosa foi um tanto conturbada, na casa paroquial viviam com uma mulher e com algumas crianças que dizia serem adotadas, mas que na comunidade sabia-se serem seus filhos. Por conta dessa conduta teve que ir à Salvador prestar explicações por mais de uma vez.

            Esses reveses, contudo, não pareceram ofuscar a simpatia do reverendo frente aos seus fiéis. As lembranças que passaram à posteridade das suas ações dão conta de diversos episódios engraçados que revelam uma personalidade forte, porém, querida.

            Padre Vicente Martins faleceu em Cícero Dantas a 4 de junho de 1933. Após cinco décadas dedicado aos préstimos religiosos da cidade, teve, pelo menos, oito filhos conhecidos aos quais fez sempre questão de dar boa educação. De acordo com Consuelo Novais, um dos seus filhos foi governador do Estado do Acre e outros dois, de nomes Sálvio Martins e Antônio Martins, foram desembargadores.


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Foto cedida por Jonielton Dantas.

 


quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Homicídios do passado

 

Na base de dados do arquivo público do Estado da Bahia (APEB), na seção Processo Crime, constam os crimes registrados em Bom Conselho entre a segunda metade do século XIX e o período similar do século XX.         Diversos delitos estão ali registrados pela representação do poder público no pequeno município de Bom Conselho.

            Analisei cuidadosamente os dados, criei uma tabela para ter uma melhor percepção de como os processos foram registrados e fiquei surpreso com um tipo em particular de crime. Entre roubos, defloramentos, lesões corporais e outros, me surpreendeu o número elevado de homicídios registrados pelas autoridades policiais em especial na segunda metade do século XIX e princípio do século XX.

            Vamos aos dados com recortes temporais em décadas:

PERÍODO

N° DE HOMICÍDIOS (Bom Conselho)

1859-1869

12

1872-1888

6

1883-1893

5

1895-1905

18

 

            Se levarmos em considerações os padrões atuais, os números podem parecer modestos. Em 2020, para ficar em um exemplo, Cícero Dantas registrou 10 homicídios, mas sua população no mesmo ano superava os 32 mil habitantes, dados muito diferentes da pequena cidade do século XIX.

            De acordo com levantamento feito por Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior, a Bom Conselho do Século XIX apresentava números bem mais modestos.  Segundo relato de José Eduardo Freire de Carvalho, que visitou Cícero Dantas em 1875, a cidade contava com dois barracões para feira - nos quais Ângelo Lagoa se inspiraria cinquenta anos mais tarde para construir onde hoje é a Praça que carrega seu nome em Fátima – 244 casas em sua sede e duas escolas do ensino primário com 14 alunos no total.

            Analisando cuidadosamente esses e outros dados, podemos estimar a população total de Bom Conselho, sede e zona rural, em cerca de 2 a 3 mil habitantes, o que nos dá uma ideia da frequência da ocorrência de homicídios na localidade.

            Diante dos números acima descritos, é alarmante a violência na região naquele período. Como ainda não tive acesso aos documentos em si, apenas aos registros de que constam no acervo da APEB e informações como datas e autores, fica difícil tipificar as motivações de tão numerosos crimes hediondos, mas a história nos dá algumas pistas.

            Em primeiro lugar, é sabido que o cangaço já dava os seus primeiros passos bem antes de Lampião e seus subgrupos. No século XIX, antigos jagunços adquiriam autonomia e tornavam-se independentes dos grandes latifundiários, passando a vagar armados pelo sertão cometendo toda sorte de crimes.

            Um outro dado importante é o significativo número de escravos que existiam por essa área. Alguns crimes, de fato, foram cometidos por escravos rebeldes.

            Para além disso, os nossos antepassados do final do XIX também conviveram com as agitações do movimento de Canudos, há relatos de pelejas entre conselheiristas e habitantes locais por toda essa área e isso pode ter levado a pelejas mais graves e, por consequência, assassinatos.

            Seja o que for, embates com cangaceiros ou conselheiristas, o certo é que um fator em particular contribuiu com a violência em toda essa região e para o altíssimo número de homicídios registrados. A miséria!

            O Brasil do final do XIX era uma terra de astronômicas desigualdades, diferente dos tempos atuais, não haviam políticas de combate a seca ou de transferência de renda, o estado encontrava-se muito mias distante do cidadão comum e a política era de tolerância zero com as causas sociais. Tudo isso era elevado à décima potência quando se tratava dessa nossa seca terra, onde os grandes fazendeiros eram quase senhores feudais dentro dos seus domínios.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


terça-feira, 17 de agosto de 2021

Como surgiram os nomes dos povoados de Fátima?

 



 

            Sempre me questionei sobre como os nomes de alguns povoados da nossa cidade surgiram. Até pouco tempo eu imaginava que nomes um tanto exóticos como Paus Pretos, Serra Velha, Panelas e outros teriam surgido recentemente, isto é, algumas gerações atras.

            Pesquisando na base de dados de registro de terras da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Conselho dos Montes do Boqueirão, documentação de posse do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), tive acesso a alguns registros de terras da nossa região do período 1856/1857 e para a minha surpresa, lá estão muitos dos nomes de povoados que ainda perduram na linguagem do fatimense, isso mesmo, alguns desses nomes já existem há, pelo menos, 164 anos. Surpreso?

            Se por um lado é bastante interessante ver esses registros tão antigos das terras que hoje compõem o município de Fátima, por outro, isso, na prática, inviabiliza determinar a origem exata desses nomes, nos deixando apenas com suposições, uma vez que isso acabou caindo no esquecimento mesmo dos habitantes mais velhos de alguns povoados como pude apurar em recentes pesquisas.

             Mas isso, absolutamente, não tira de nós (fatimenses) o prazer pelas descobertas, visto que agora ficamos sabendo um pouco mais sobre esses povoados tão conhecidos por uns e que são o torrão natal de muitos dos leitores aqui do Blog História de Fátima.

            Não por acaso, muitas vezes, ao se dirigir a determinada comunidade da nossa zona rural, muitas vezes nos referimos a elas como fazendas. Fazendas Paus Pretos, Fazenda Mundo Novo, etc. isso ocorre porque, de fato, boa parte dos povoamentos que temos na zona rural do nosso município se originaram de antigas fazendas.

            Nos documentos do Arquivo Público constam quem eram os donos dessas fazendas no período 1856/1857 e isso não é sem razão. No ano de 1850 foi promulgada pelo governo imperial a Lei de Terras. Na prática, o governo tomava para si a responsabilidade de registrar a posse das terras, tarefa antes realizada pela igreja católica e optava pela grande propriedade rural, uma vez que decidia com a referida lei que o acesso à terra seria exclusividade de quem tivesse dinheiro.

Nessa quadra, por exemplo, a antiga fazenda denominada Serra Velha pertencia um certo Antônio Anastácio de Ferreira, a Gurema (Assim mesmo, com “G”, de acordo com a grafia da época) pertencia a Jorge de Souza Pereira, o João Barbosa a João Dantas dos Reis – esse, certamente um parente do Barão de Jeremoabo – a Queimada Grande, pertencia a Maria de Santa Ana.

             Todas essas terras já tinham a mesma dominação atual desde a segunda metade do século XIX e foram se formando, provavelmente, como núcleos familiares como é o caso da Fazenda Mundo Novo, pertencente na época a um certo José de Souza Quirino. A proximidade entre as atuais localidades de Mundo Novo e Quirinos me leva a crer que o sobrenome Quirino foi introduzido na região já por essa época, sendo esse indivíduo o provável patriarca dessa família numerosa cujos membros residem no povoado de mesmo nome e na sede do município.

            Caso semelhante ocorre no Mundo Novo, onde os moradores de sobrenome Cruz ainda residem naquela área. Essa família também possuía o sobrenome Quirino entre os seus membros mais antigos.

            O processo de formação desses povoados, provavelmente se deu a partir dessas famílias que foram construindo suas moradias próximo aos parentes mais antigos formando os pequenos conglomerados de casas que vemos hoje.

            Outros povoados atuais ainda constam nos arquivos do APEB como Lage da Boa Vista, Lagoa do Viado (provavelmente a atual localidade de Lagoa Dourada) Quixabeira e cajazeira, além do vizinho povoado de Cícero Dantas, Mandacaru. No caso da fazenda Paus Pretos, constam registros de, pelo menos, 30 propriedades no antigo território de Cícero Dantas com esse nome, o que me leva a acreditar que, ou a fazenda com tal denominação era muito grande ou existiam outras fazendas homônimas no território em análise.

            Outros nomes de povoados atuais também são datados do século XIX como Araçás, João Grande (também pertencente na época à família Quirino), Marmelada, Pau de Colher, Cutia e Fazenda das Bananas (provavelmente a atual localidade de Bananeira).

            Outros nomes foram provavelmente substituídos ou surgiram mais recentemente. É o caso de Belém de Fátima, antes provavelmente parte da antiga fazenda Volta. Belém de Fátima (ou Bandinha), foi assim batizada possivelmente pelo Padre Renato nos anos 1960.


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Que a terra lhe seja leve!


 

Na música Pequeno Cidadão Comum, escrita por Belchior em parceria com Toquinho narra-se a partida de um indivíduo afogado em suas obrigações cotidianas “Que caminha para a morte pensando em vencer na vida”.

A canção pode ser interpretada como um lamento - “era como aquela gente honesta, boa e comovida” - com um certo descontentamento acerca da morte de alguém que viveu para cumprir com o que acreditava ser as suas obrigações.

Mas a frase que trouxe essa música para o nosso Blog História de Fátima, está no final da canção, como um arremate a sintetizar o sentimento de dor pela partida de alguém. – “Que a terra lhe seja leve”.

“Que a terra lhe seja leve” é uma daquelas expressões auto explicativas, sobretudo quando se tem a mais elementar consciência contextual. Ela reflete a dor da perda e a síntese de um lamento. Uma frase que me chamou a atenção desde a primeira vez que ouvi, na voz do grande Belchior.

Quando, durante as minhas pesquisas no acervo de cartas enviadas ao Barão de Jeremoabo, me deparei com essa frase, percebi que não era esta uma criação do genial compositor cearense e resolvi pesquisar um pouco mais a respeito.

Aparentemente, é esta uma expressão romana, escrita nos túmulos em latim, como um epitáfio. O meu encontro com a frase deu-se através de um cícero-dantense, genro de um certo Joaquim Borges (não foi possível precisar se era este o Joaquim Borges patriarca da família Borges fatimense). Seu nome era Antero de Cerqueira Galo, amigo íntimo do Barão.

Na missiva em questão datada de 2 de junho de 1899, o pai de Antero, Quintino José Galo (nascido em 1819) faz o mais doloroso dos relatos que um pai poderia fazer. Escreve Quintino, ao Barão:

 

Com o maior desprazer passo a comunicar-lhe que ontem as 10 horas do dia foi retirado d’este mundo para o outro o nosso Antero vítima de uma febre que está grassando aqui;

 

E ao final, arremata o enlutado pai:

 

Que a terra lhe seja leve!


Sobre o acontecimento escreve o Barão em seu livro de notas:

 

Meu dedicado amigo e noivo da minha afilhada, filha de Joaquim Borges. Faleceu em 1° de junho de 1899, muito moço. Era talvez o meu melhor amigo do Tucano. Vitimou-o a febre biliosa.               

Trabalhar com história, por via de regra, é analisar as ações de pessoas que há muito se foram e isso, por vezes, o faz ter um olhar distinto acerca da morte. Por vezes me pego a refletir sobre a nossa passagem nesse plano e o legado que deixaremos para a posteridade. Em dado momento, mais cedo ou mais tarde, todos nós deixaremos de existir enquanto pessoa física e passaremos a povoar as lembranças dos que deixaremos para trás.

            A carta de Quintino Galo é a mais dura amostra de como a vida pode ser cruel. Nela vemos a inversão da ordem natural das coisas. Um pai não deveria ter que enterrar um filho.

            Esses exemplos não nos deixam esquecer que a memória daqueles que se foram deve ser tratada com respeito.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


terça-feira, 3 de agosto de 2021

Barão de Jeremoabo. Fidalgo.

 

            Etimologicamente, fidalgo significa filho d’algo. A expressão surge em Portugal, por volta do século XIII e significa literalmente filho de algo ou filho de alguém. Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo recebeu tal título de nobreza das mãos de D. Pedro II em 1880, em decorrência da construção de uma usina de açúcar (a primeira do Brasil) no recôncavo baiano.

            O título de nobreza, entretanto, no caso do Barão, foi somente uma espécie de oficialização para alguém cuja linhagem familiar sempre esteve intimidade com a dita alta sociedade imperial e posteriormente republicana.

            Como já abordado  em textos anteriores aqui no Blog História de Fátima, a linhagem dos Dantas é oriunda de Baltazar dos Reis Porto, português chegado ao Brasil no século XVIII que, ao se casar com Leandra Sancha Leite, origina uma prole que, mais tarde, carregaria o sobrenome Dantas.

            De acordo com NASCIMENTO (2008) Um dos netos de Baltazar, João Dantas dos Reis Portátil (Pai do Barão) se notabilizaria como homem de grande riqueza e foi, de fato, o homem que fez crescer de forma exponencial o patrimônio da família e construiu o berço de ouro no qual Cícero Dantas Martins viria a nascer.

            Nascido em 1773, no engenho Camurciatá, onde anos mais tarde o Barão ergueria um fabuloso sobrado que hoje abriga o museu com seu nome, João Dantas dos Reis herdou dos Ávila o ofício de grande criador de gado além de ter ocupado importantes cargos políticos no império e teve papel preponderante na independência do Brasil a partir da Bahia.

            Com sua morte, em 1873, os seus filhos herdaram grande fortuna em fazendas, gado e ouro. A pesquisadora Joana Medrado teve acesso ao inventário do pai do Barão no qual percebe-se que seus três herdeiros repartiram entre si 42 fazendas, 11.494 animais entre bois, cavalos e mulas e 91 escravos, dos quais, 55 eram homens com ofícios diversos.

            Tal fortuna, difícil de calcular em valores atuais, foi conduzida de forma distinta entre os filhos de João Dantas. Cícero Dantas, entretanto, se destacou nesse quesito por ter ampliado ainda mais aquilo o que recebeu dos pais. Ainda de acordo com Joana Medrado, ao falecer, em 1903, o Barão deixou para os seus herdeiros 54 propriedades, das quais 45 fazendas feitas e o restante em mata virgem. 25 dessas fazendas situavam-se na comarca de Cícero Dantas e algumas no município de Fátima, como Lagoa da Volta, São Domingos, Queimada Grande, Barriguda e outras.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


Fátima já pertenceu a Itapicuru, Jeremoabo e Paripiranga.


 

            Nos primórdios da colonização Portuguesa, toda a área que compõe Fátima e municípios vizinhos era parte do enorme latifúndio da família Ávila. Com o passar do tempo, povoações, freguesias e vilas foram se formando ao longo dos caminhos abertos pelos vaqueiros em áreas mais propícias ao convívio humano. Essas formações de povoados constituíram um processo extremamente lento e teve dinâmica diferente em cada localidade.

            Com o avanço do povoamento, a estrutura estatal foi sendo aos poucos montadas nas áreas mais proeminentes do ponto de vista populacional. Foi com esse intuito que os territórios foram divididos em sesmarias, como de costume em territórios portugueses desde o século XIV.

            Na primeira metade do Século XVIII, o primeiro indivíduo com o sobrenome Reis chega às terras pertencentes à família Ávila. Baltazar dos Reis Porto era português da cidade do Porto. Como procurador (uma espécie de gerente da Casa da Torre), administrou essas terras. Com enorme influência, em 1754 compra da viúva da quinta geração da Casa da Torre um lote de terras em Itapicuru, onde funda o engenho Camurciatá. Essa propriedade incluía a enorme extensão de terras que se estendia até a Freguesia de Jeremoabo de cima, incluindo a área onde hoje está Fátima. Nesse momento, essas terras deixam de pertencer a Itapicuru e passam aos domínios de Jeremoabo.

            Naturalmente, entre os pertences de Jeremoabo estavam também as terras onde hoje situa-se a cidade de Cícero Dantas. Em 27 de setembro de 1817 é fundada a freguesia de Nossa Senhora do Bom Conselho dos Montes do Boqueirão, esta, em 1875 desmembrada de Jeremoabo, formando-se assim o município de Bom Conselho por meio do alvará régio de 09 de julho.

            Nesse momento, passávamos a fazer parte do agora município de Bom Conselho, que mudaria de nome 1905, tonando-se a cidade de Cícero Dantas, em homenagem ao Barão de Jeremoabo, morto 3 anos antes.

            Em virtude dos arranjos políticos oriundos da revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, em 1931 o município de Cícero Dantas é extinto e passa a ser (juntamente com Fátima) parte do município de Paripiranga, situação que manteve-se até 1933.

            Dessa forma, para que fique mais fácil a compreensão de todo esse processo, assim resume-se a posse das terras onde hoje se situa Fátima a partir da colonização portuguesa e excetuando-se a posse dos diversos povos indígenas que habitavam essa área:

Período

Pertencimento

Até o século XVIII

Itapicuru

De 1875 a 1931

Cícero Dantas

De 1931 a 1933

Paripiranga

De 1933 a 1985

Cícero Dantas

A partir de 1986

Município Autônomo

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.