O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Que a terra lhe seja leve!


 

Na música Pequeno Cidadão Comum, escrita por Belchior em parceria com Toquinho narra-se a partida de um indivíduo afogado em suas obrigações cotidianas “Que caminha para a morte pensando em vencer na vida”.

A canção pode ser interpretada como um lamento - “era como aquela gente honesta, boa e comovida” - com um certo descontentamento acerca da morte de alguém que viveu para cumprir com o que acreditava ser as suas obrigações.

Mas a frase que trouxe essa música para o nosso Blog História de Fátima, está no final da canção, como um arremate a sintetizar o sentimento de dor pela partida de alguém. – “Que a terra lhe seja leve”.

“Que a terra lhe seja leve” é uma daquelas expressões auto explicativas, sobretudo quando se tem a mais elementar consciência contextual. Ela reflete a dor da perda e a síntese de um lamento. Uma frase que me chamou a atenção desde a primeira vez que ouvi, na voz do grande Belchior.

Quando, durante as minhas pesquisas no acervo de cartas enviadas ao Barão de Jeremoabo, me deparei com essa frase, percebi que não era esta uma criação do genial compositor cearense e resolvi pesquisar um pouco mais a respeito.

Aparentemente, é esta uma expressão romana, escrita nos túmulos em latim, como um epitáfio. O meu encontro com a frase deu-se através de um cícero-dantense, genro de um certo Joaquim Borges (não foi possível precisar se era este o Joaquim Borges patriarca da família Borges fatimense). Seu nome era Antero de Cerqueira Galo, amigo íntimo do Barão.

Na missiva em questão datada de 2 de junho de 1899, o pai de Antero, Quintino José Galo (nascido em 1819) faz o mais doloroso dos relatos que um pai poderia fazer. Escreve Quintino, ao Barão:

 

Com o maior desprazer passo a comunicar-lhe que ontem as 10 horas do dia foi retirado d’este mundo para o outro o nosso Antero vítima de uma febre que está grassando aqui;

 

E ao final, arremata o enlutado pai:

 

Que a terra lhe seja leve!


Sobre o acontecimento escreve o Barão em seu livro de notas:

 

Meu dedicado amigo e noivo da minha afilhada, filha de Joaquim Borges. Faleceu em 1° de junho de 1899, muito moço. Era talvez o meu melhor amigo do Tucano. Vitimou-o a febre biliosa.               

Trabalhar com história, por via de regra, é analisar as ações de pessoas que há muito se foram e isso, por vezes, o faz ter um olhar distinto acerca da morte. Por vezes me pego a refletir sobre a nossa passagem nesse plano e o legado que deixaremos para a posteridade. Em dado momento, mais cedo ou mais tarde, todos nós deixaremos de existir enquanto pessoa física e passaremos a povoar as lembranças dos que deixaremos para trás.

            A carta de Quintino Galo é a mais dura amostra de como a vida pode ser cruel. Nela vemos a inversão da ordem natural das coisas. Um pai não deveria ter que enterrar um filho.

            Esses exemplos não nos deixam esquecer que a memória daqueles que se foram deve ser tratada com respeito.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


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