O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Homicídios do passado

 

Na base de dados do arquivo público do Estado da Bahia (APEB), na seção Processo Crime, constam os crimes registrados em Bom Conselho entre a segunda metade do século XIX e o período similar do século XX.         Diversos delitos estão ali registrados pela representação do poder público no pequeno município de Bom Conselho.

            Analisei cuidadosamente os dados, criei uma tabela para ter uma melhor percepção de como os processos foram registrados e fiquei surpreso com um tipo em particular de crime. Entre roubos, defloramentos, lesões corporais e outros, me surpreendeu o número elevado de homicídios registrados pelas autoridades policiais em especial na segunda metade do século XIX e princípio do século XX.

            Vamos aos dados com recortes temporais em décadas:

PERÍODO

N° DE HOMICÍDIOS (Bom Conselho)

1859-1869

12

1872-1888

6

1883-1893

5

1895-1905

18

 

            Se levarmos em considerações os padrões atuais, os números podem parecer modestos. Em 2020, para ficar em um exemplo, Cícero Dantas registrou 10 homicídios, mas sua população no mesmo ano superava os 32 mil habitantes, dados muito diferentes da pequena cidade do século XIX.

            De acordo com levantamento feito por Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior, a Bom Conselho do Século XIX apresentava números bem mais modestos.  Segundo relato de José Eduardo Freire de Carvalho, que visitou Cícero Dantas em 1875, a cidade contava com dois barracões para feira - nos quais Ângelo Lagoa se inspiraria cinquenta anos mais tarde para construir onde hoje é a Praça que carrega seu nome em Fátima – 244 casas em sua sede e duas escolas do ensino primário com 14 alunos no total.

            Analisando cuidadosamente esses e outros dados, podemos estimar a população total de Bom Conselho, sede e zona rural, em cerca de 2 a 3 mil habitantes, o que nos dá uma ideia da frequência da ocorrência de homicídios na localidade.

            Diante dos números acima descritos, é alarmante a violência na região naquele período. Como ainda não tive acesso aos documentos em si, apenas aos registros de que constam no acervo da APEB e informações como datas e autores, fica difícil tipificar as motivações de tão numerosos crimes hediondos, mas a história nos dá algumas pistas.

            Em primeiro lugar, é sabido que o cangaço já dava os seus primeiros passos bem antes de Lampião e seus subgrupos. No século XIX, antigos jagunços adquiriam autonomia e tornavam-se independentes dos grandes latifundiários, passando a vagar armados pelo sertão cometendo toda sorte de crimes.

            Um outro dado importante é o significativo número de escravos que existiam por essa área. Alguns crimes, de fato, foram cometidos por escravos rebeldes.

            Para além disso, os nossos antepassados do final do XIX também conviveram com as agitações do movimento de Canudos, há relatos de pelejas entre conselheiristas e habitantes locais por toda essa área e isso pode ter levado a pelejas mais graves e, por consequência, assassinatos.

            Seja o que for, embates com cangaceiros ou conselheiristas, o certo é que um fator em particular contribuiu com a violência em toda essa região e para o altíssimo número de homicídios registrados. A miséria!

            O Brasil do final do XIX era uma terra de astronômicas desigualdades, diferente dos tempos atuais, não haviam políticas de combate a seca ou de transferência de renda, o estado encontrava-se muito mias distante do cidadão comum e a política era de tolerância zero com as causas sociais. Tudo isso era elevado à décima potência quando se tratava dessa nossa seca terra, onde os grandes fazendeiros eram quase senhores feudais dentro dos seus domínios.

 

Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


Nenhum comentário:

Postar um comentário