Na base
de dados do arquivo público do Estado da Bahia (APEB), na seção Processo Crime,
constam os crimes registrados em Bom Conselho entre a segunda metade do século
XIX e o período similar do século XX. Diversos
delitos estão ali registrados pela representação do poder público no pequeno
município de Bom Conselho.
Analisei cuidadosamente os dados,
criei uma tabela para ter uma melhor percepção de como os processos foram
registrados e fiquei surpreso com um tipo em particular de crime. Entre roubos,
defloramentos, lesões corporais e outros, me surpreendeu o número elevado de homicídios
registrados pelas autoridades policiais em especial na segunda metade do século
XIX e princípio do século XX.
Vamos aos dados com recortes
temporais em décadas:
PERÍODO |
N° DE HOMICÍDIOS (Bom Conselho) |
1859-1869 |
12 |
1872-1888 |
6 |
1883-1893 |
5 |
1895-1905 |
18 |
Se levarmos em considerações os
padrões atuais, os números podem parecer modestos. Em 2020, para ficar em um
exemplo, Cícero Dantas registrou 10 homicídios, mas sua população no mesmo ano
superava os 32 mil habitantes, dados muito diferentes da pequena cidade do
século XIX.
De acordo com levantamento feito por
Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior, a Bom Conselho do Século
XIX apresentava números bem mais modestos. Segundo relato de José Eduardo Freire de
Carvalho, que visitou Cícero Dantas em 1875, a cidade contava com dois
barracões para feira - nos quais Ângelo Lagoa se inspiraria cinquenta anos mais
tarde para construir onde hoje é a Praça que carrega seu nome em Fátima – 244 casas
em sua sede e duas escolas do ensino primário com 14 alunos no total.
Analisando cuidadosamente esses e outros
dados, podemos estimar a população total de Bom Conselho, sede e zona rural, em
cerca de 2 a 3 mil habitantes, o que nos dá uma ideia da frequência da ocorrência
de homicídios na localidade.
Diante dos números acima descritos,
é alarmante a violência na região naquele período. Como ainda não tive acesso aos
documentos em si, apenas aos registros de que constam no acervo da APEB e informações
como datas e autores, fica difícil tipificar as motivações de tão numerosos
crimes hediondos, mas a história nos dá algumas pistas.
Em primeiro lugar, é sabido que o
cangaço já dava os seus primeiros passos bem antes de Lampião e seus subgrupos.
No século XIX, antigos jagunços adquiriam autonomia e tornavam-se independentes
dos grandes latifundiários, passando a vagar armados pelo sertão cometendo toda
sorte de crimes.
Um outro dado importante é o significativo
número de escravos que existiam por essa área. Alguns crimes, de fato, foram
cometidos por escravos rebeldes.
Para além disso, os nossos
antepassados do final do XIX também conviveram com as agitações do movimento de
Canudos, há relatos de pelejas entre conselheiristas e habitantes locais por
toda essa área e isso pode ter levado a pelejas mais graves e, por consequência,
assassinatos.
Seja o que for, embates com
cangaceiros ou conselheiristas, o certo é que um fator em particular contribuiu
com a violência em toda essa região e para o altíssimo número de homicídios
registrados. A miséria!
O Brasil do final do XIX era uma
terra de astronômicas desigualdades, diferente dos tempos atuais, não haviam
políticas de combate a seca ou de transferência de renda, o estado
encontrava-se muito mias distante do cidadão comum e a política era de tolerância
zero com as causas sociais. Tudo isso era elevado à décima potência quando se tratava
dessa nossa seca terra, onde os grandes fazendeiros eram quase senhores feudais
dentro dos seus domínios.
Moisés Santos Reis Amaral,
Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela
Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em
Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.
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