Para um pesquisador como eu,
poucas coisas são mais gratificantes do que perceber a construção da história
no imaginário das pessoas. É muito interessante notar como algumas histórias
marcam a vida das pessoas e passam para as gerações futuras.
A história do Padre Vicente, quarto vigário a assumir a
paróquia de Cícero Dantas, chegou até meus ouvidos através de um exímio
contador de histórias, Zelito Amaral, meu sogro. Foi através dele que ouvi pela
primeira vez falar de um padre que esteve por muitos anos no comando da
paróquia de Nossa Senhora do Bom Conselho e que tinha o peculiar hábito de
beber em demasia.
Ainda de acordo com esses relatos memorialistas, o Padre
Vicente prestava seus serviços espirituais por todo o enorme município de Cícero
Dantas do início do século XX a cavalo (Fátima, inclusive), tarefa que
desempenhava a cavalo juntamente com um assistente. Certa vez, ao retornar de
uma dessas missões, o Padre, embriagado, teria caído do cavalo dentro de uma “cava
de valado”. Diante do acidente visivelmente causado pela embriagues do vigário,
o assistente que o ajudava a levantar teria dito:
- Diabos o leve quem inventou
cachaça, né padre?
Ao que o religioso teria
respondido:
- Diabos o leve quem inventou
cava de valado, meu filho!
Essa é uma passagem que, sem dúvidas, legou ao padre
Vicente um lugar na memória de muitos habitantes da sua paróquia, mas não é sua
única peculiaridade.
O vigário do Bom Conselho era amigo íntimo do Barão de
Jeremoabo e após a morte deste em 1903, tornou-se amigo do seu filho, João da
Costa Pinto Dantas. No acervo de cartas do Barão está uma pequena biografia de
Vicente José Martins que nos ajuda a entender melhor essa figura interessante.
O religioso é natural de Feira de Santana, nasceu em 22
de janeiro de 1856 e foi ordenado padre em Fortaleza, Ceará, em 1881. Ocupou o
cargo de intendente (cargo equivalente ao de prefeito) do Bom Conselho e foi o
responsável pela ampliação da igreja da cidade. Com a ajuda do Barão, foi o
responsável por dar à centenária igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho a
fachada que ainda hoje tem.
Sua vida religiosa foi um tanto conturbada, na casa paroquial
viviam com uma mulher e com algumas crianças que dizia serem adotadas, mas que
na comunidade sabia-se serem seus filhos. Por conta dessa conduta teve que ir à
Salvador prestar explicações por mais de uma vez.
Esses reveses, contudo, não pareceram ofuscar a simpatia
do reverendo frente aos seus fiéis. As lembranças que passaram à posteridade
das suas ações dão conta de diversos episódios engraçados que revelam uma
personalidade forte, porém, querida.
Padre Vicente Martins faleceu em Cícero Dantas a 4 de
junho de 1933. Após cinco décadas dedicado aos préstimos religiosos da cidade,
teve, pelo menos, oito filhos conhecidos aos quais fez sempre questão de dar
boa educação. De acordo com Consuelo Novais, um dos seus filhos foi governador
do Estado do Acre e outros dois, de nomes Sálvio Martins e Antônio Martins,
foram desembargadores.
/Foto cedida por Jonielton Dantas.
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