Capela construída no alto da Serra do Capitão.
Constrastando com o relevo plano da região, ergue-se a meio
caminho entre Paripiranga e Adustina (ambos no estado da Bahia, mais
especificamente na zona de Fronteira entre os dois Estados) um acidente
geográfico majestoso, suas encostas escarpadas se erguem a vários metros de
altura, chega a ter paredões tão íngremes que seriam escalados apenas por experientes
profissionais.
A Serra do Capitão pode ser vista com dezenas de
quilômetros de distância, como uma protuberância a se destacar em um chapadão
até onde a vista alcança. Se observada de longe, toma uma cor azulada e
fantasmagórica, quando vista de perto, apresenta as cores da estação do ano,
acinzentada no período seco e tomada de um verde exuberante nos meses chuvosos.
Deve ter sido esses atributos que chamaram a atenção de
missionários capuchinhos em missões itinerantes pelo sertão ainda na primeira
metade do século XIX, naquela época, dado o isolamento quase que absoluto dessa
zona sertaneja, a Serra do Capitão deve ter impressionado muito aqueles
religiosos que decidiram ali construir uma pequena capela.
A primeira referência que tive acerca da construção no topo
da dita serra, veio com a leitura do livro “Entre Padres e Coronéis”, obra do
sociólogo paripiranguense Antônio Carregosa. Em conversa com o referido
escritor, descobri que a informação acerca da construção chegou até ele tirada
de um outro livro, “Adustina, sua história”, escrito por Roberto Santos
Santana. A pequena citação afirmava que a
dita capela havia sido erguida por um certo Frei Cândido e por um morador local
de nome Miguel Correia de Brito.
Isso foi o suficiente para que eu buscasse junto ao museu
dos capuchinhos em Salvador, na pessoa do guardião do acervo, Frei Ulisses
Pinto Bandeira, mais informações sobre o Frei Cândido e o que você lerá a
seguir, a bem da verdade, foi produzido baseado na documentação que recebi
deste.
Seu nome de missionário era Frei Cândido de Tággia, seu
nome faz referência à cidade de Tággia, no norte da Itália, onde o Frei nasceu
a 20 de novembro de 1806. Entrou para a ordem em 26 de março de 1823 e veio a
falecer no bairro da Piedade, em Salvador, no ano de 1863.
Durante sua vida missionária pelo sertão, iniciada em 1838,
atuou no estado de Sergipe junto aos índios Xocós, em Porto da Folha (é essa considerada
a última tribo indígena do Estado) e chegou a ser nomeado vice-prefeito da
província de Sergipe em 1843, data em que encabeçou a construção do hospício
dos capuchinhos na cidade de São Cristóvão, então capital da província.
No sertão, ocupou espaço deixado pelas demais ordens religiosas
em virtude do espaço geográfico vasto e pouco habitado. Em 1858, ano no qual
foi para a Itália por motivo de saúde, reportou em relatório 104 missões, 10.000
batizados e 137 000 crismas, todas em solo sertanejo.
Mas a atuação dos capuchinhos não se limitava aos trabalhos
eclesiásticos, famosos por construir igrejas, muitas dessas capelas antigas que
vemos nas estradas vicinais e açudes, deixaram muitas obras por onde passaram e
o Frei Cândido não fugiu a essa regra. Construiu a igreja matriz de Tucano, construiu
igreja no município de Jeremoabo, Monte Santo e Nova Soure. Em Sergipe tem
obras em Simão Dias e Itabaianinha.
Quanto à capela da Serra do Capitão, consta o seguinte
relato na documentação:
Noutros lugares se perpetuou
por meio de cruzes e capelinhas, erguidas como lembranças da Santa Missão [...]
entre as construções desse tipo, Frei Cândido recordava aos cruzeiros e as
capelinhas anexas na Serra do Capitão, na freguesia de Coité (atual Paripiranga),
em Jeremoabo e nos morros Mairi, onde repousam os restos mortais do Frei Apolônio
de Todi.
Conforme se percebe do relato, a data da construção não é
citada, contudo, se pensarmos que ele lança-se aos sertão da Bahia e Sergipe,
conforme documentação, em 1838 e vai para a Itália já doente em 1858, é
possível depreender que a data da construção da capela está dentro desse
intervalo de tempo (1838 a 1858).
Essa revelação é um exemplo eloquente da produtiva
interação entre a história oral, por meio das tradições passadas ao longo das
gerações e a pesquisa arquivística. Aqui temos um caso no qual uma informação
transmitida oralmente por gerações atravessou quase duzentos anos de história,
sendo só agora confirmada pela documentação primária.
Eu conversava hoje pela manhã com Antônio Carregosa e compartilhava
com ele a alegria que um historiador tem de revelar algo novo, sobretudo algo referente
às suas próprias raízes. Viva a história! |
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