Fonte: https://uqdcriticanageografia.blogspot.com/2016/07/a-problematica-da-regiao-nordeste-seca.html |
Esqueça
tudo o que você já ouviu ou leu, ou mesmo assistiu, de relato contra a seca até
o momento, nada, absolutamente nada, supera a descrição da seca que assolava o
sertão baiano feita em 1947 pelo vigário de Jeremoabo, o Monsenhor José de
Magalhães e Souza.
Em que
pese a característica narrativa dramatizada e carregada de emoção desse
religioso, os fatos narrados aqui são de amolecer até mesmo os mais duros
corações, pois se trata da mais dura descrição do sofrimento dos nossos
ancestrais, sertanejos que sofreram as agruras da estiagem não muito longe
daqui, no atual território do vizinho município de Antas.
Em
1947, Antas ainda era um pequeno arruado pertencente à Cícero Dantas, sob a
administração religiosa do padre de Jeremoabo. Naquele ano, a seca assolava o
Nordeste, uma estiagem que, de tão hedionda, inspirou Luiz Gonzaga a escrever a
célebre música “Asa Branca”.
Após
muito clamor popular, conseguiu-se um caminhão munido de tambores para
transportar água para as áreas mais críticas. Ao que parece (naquela época), o
veículo pegava água do rio Vaza Barris, na altura do município de Jeremoabo e
transportava para Antas, que sofria com os piores efeitos imagináveis da seca.
Era
mês de janeiro e não se viam motivos para celebrar o ano que se iniciava. No
livro de Tombo da Igreja de São João Batista, em Jeremoabo, o Monsenhor
Magalhães anotava:
Flagelo da seca, Antas sem água
Antas, grande comércio de Bom Conselho, nosso vizinho, começou a fazer
dor no coração, sem uma gota de água.
Logo em seguida, registra a chegada do caminhão de ajuda com
o título “Socorro do Governo”:
Já tendo sido pedido com verdadeiro clamor, socorro ao governo, veio um
caminhão mandado pelo Dr. Secretário de agricultura o Excelentíssimo Orlando
Ferreira para socorrer Antas com tambores de água. Chegando no dia 14 de
janeiro com os tambores e carregando em Jeremoabo para Antas, eu pedi ao
encarregado do carro, o Sr. Nelson, para ir com ele. Assistir a distribuição do
primeiro caminhão de água em Antas, levei o Padre Jorge também.
A seguir, a descrição do padre começa a demonstrar o sofrimento
das pessoas:
Vi clamor
Chegando perto do sítio do chagas, encontre já ao curvar, mais de
cinquenta potes de barro na beira da estrada e mais de trinta havendo pedido
que os socorresse, pedi ao Sr. Nelson que deixássemos ali um tambor; ele
acordou e logo desceu um tambor e se ensinou em haver tirar água com um pedaço
de mangueira.
Mas a situação se mostra verdadeiramente caótica quando o
religioso, a bordo do caminhão que transportava água, encontra uma mãe em
desespero:
Mãe chorosa
Saltei do caminhão com o Sr. Padre Jorge e do mato apareceu uma senhora
com uma criança no colo e veio à minha frente clamando a chorar: Graças a Deus
que veio, senhor vigário! Eu sei que o senhor não (ilegível). Sr. Vigário, me
diga: Esta água tem sezões? Oh, quanto me doeu na alma! A pobre mãe com sede e
os filhinhos nas angústias com receio de que a água tivesse sezões!!!
Logo a acolhi dizendo: Muito obrigado, minha filha, por confiar em mim!
Posso garantir-lhe que esta água não tem sezões. Nem faz mal a ninguém! Toda a
cidade de Jeremoabo bebeu desta.
José de Magalhães e Souza costumava fazer registros
detalhados de suas atividades. A partir dos seus escritos, é possível
depreender que parte desses relatos era feito, por parte do religioso, com a
clara intensão de deixar registros históricos, como parece ser o relato abaixo:
Para a eterna memória – e acrescentei, mais à mulherzinha, para que
todos saibam que o vigário de Jeremoabo não dormia quando é preciso defender o
sertanejo, Senhor saiba que eu estava em Jeremoabo espiando de onde enchiam os
tambores de água e carregavam da boa, pois se quisessem carregar do Vaza Barris
– eu daria o meu grito para a saúde pública não consentir, pois seria uma
derrota para o povo.
A pobre senhora ficou rogando a todos os homens ficaram confortados com
a nossa palavra de que estava vigiando pela causa do povo!!!
O Padre
segue com o caminhão para Antas e o cenário ainda era desolador:
Seguimos para Antas, chegando a sete horas da noite. Lá foi uma luta
para a distribuição. Gritava um! Gritava outro! Ouvia-se o quebrar de mais um
pote! E logo outro!
A situação no arruado era de caos, com a chegada do
caminhão com água, as pessoas sedentas criam logo um tumulto e no afã de
conseguir o precioso líquido, muitos potes de barro acabam quebrando durante o
tumulto. Imaginar pessoas em desespero por um pote de água é algo muito forte, com
frequência, visto por nós como algo distante.
Com o cair da noite, o padre e os demais ocupantes do
caminhão resolvem passar a noite no povoado, mesmo com a carga do veículo já
esgotada e os relatos que ouvem dos locais dá ainda um ar ainda maior de angústia
ao terrível roteiro:
Enfim, demorando, tivemos que dormir; ficamos em casa do Sr. João Nilo,
onde ouvíamos falar de senhoras que tinham saído nesse dia de madrugada, a pé,
para ir ver um pote d’água no tanque da estrada e chagaram ao meio-dia de sol
abrasador, com areia escaldante; a estrada quase três léguas da distância!
Pobres mães!
Nos dias atuais, é quase inimaginável conceber a ideia de viajar
a pé, sob o sol inclemente do sertão, por quase 18 quilômetros (Três léguas)
para conseguir um pote d’água.
Ouvida a história, os ocupantes do caminhão vão dormir, mas
a seca não dá tréguas nem mesmo com a escuridão da noite:
Não dormi
Deitado em uma cama no quarto, junto à rua, toda a noite ouvia o falar
de junto dos tambores; eram pessoas conferindo se ainda tinha água. De manhã,
quatro horas, levantei-me, abri a janela e que quadro aterrador, vi seis ou
sete homens agarrados a um tambor grande (de 600 litros) e virando a boca dele
para baixo para escorrer algum copo de água que parecia ainda ter.
No dia seguinte, o veículo retorna à Jeremoabo para buscar
novo carregamento de água e o desespero de quem presenciou tanta agrura
continua:
Voltamos a Jeremoabo, dia 15, às cinco horas da manhã, voltamos para
Jeremoabo onde eu procurava ouvir e pedir ao senhor Nelson que andasse ligeiro
para socorrer o povo de Antas. Ele trazia ordem de que o caminhão da rodagem
(D.E.R) acompanhasse ele no socorro a antas; mas insignificante não vi muito
boa vontade e pouco ajudou.
Estudando os registros da igreja de Jeremoabo, em busca de
outras temáticas, me deparei com esse relato angustiante, um cenário desolador
para sertanejos da primeira metade do século XX que são pegos indefesos pela
dureza da terra e do clima. Sem acesso a água encanada, nem mesmo a uma fonte
segura de água, os habitantes de Antas são massacrados pela seca, socorridos de
forma dramática pelo vigário.
Para qualquer pessoa, esse relato é angustiante, para os
que presenciaram aqueles fatos, certamente foi muito mais e para um
estrangeiro, como era o Monsenhor Magalhães, o impacto de presenciar tamanho
sofrimento deve ter sido monstruoso.
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