O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Conexões: Da ditadura civil militar a Fátima



No dia primeiro de abril de 1964 o presidente João Goulart era deposto do cargo e a presidência fora decretada vaga pelo congresso nacional. Os militares assumiram o poder alegando questões de segurança nacional enquanto a população assistia atônita aos movimentos de tropas com tanques e blindados nas capitais e nas principais cidades do país. Era o golpe militar de 1964.
Aquele foi o dia que durou vinte e um anos. Apoiados pelos EUA, os militares se revezaram no poder durante esse período, sem eleições e com o arrocho da censura, opositores do regime foram presos, torturados, mortos ou exiliados. Muitos desapareceram nos porões da ditadura e até hoje seus restos mortais são procurados pelos familiares.
Nos grandes centros urbanos do país, a despeito de toda a nação viver sob o mesmo comando, haviam dois grupos basilares com percepções distintas acerca dos acontecimentos políticos. De um lado haviam aqueles que não se interessavam por política e preferiam levar as suas atividades sem se importarem com os rumos do país, fechando os olhos para a miséria, a corrupção e os desmandos dos comandantes. De outro haviam os que corajosamente se opunham ao regime e bradavam por liberdade, democracia e mais direitos.
Para o primeiro grupo, geralmente composto por pessoas à partir da classe média (no caso dos escolarizados), as mais de duas décadas dos governos militares passaram sem muitos problemas. Em contrapartida, para o segundo grupo, o dos que se opunham ao regime, as coisas se desenrolaram de forma muito diferente. Esses foram considerados inimigos da pátria, terroristas (como se a nação tivesse a obrigação de apoiar o governo). Esses homens e mulheres tiveram um tratamento desumano. Como já dito, muitos morreram, foram torturados e/ou tiveram que deixar o país.
Mas essa era a realidade dos grandes centros urbanos, onde as políticas públicas, ou a sua ausência, tendem a ser mais sensíveis aos anseios e necessidades da população. Nas pequenas cidade e vilas do interior, como é o caso da pequena Fátima, as percepções acerca do que se desenrolava na política nacional eram muito diferentes. É preciso lembrar que os meios de comunicação das décadas de 60,70 e 80 eram infinitamente mais lentos do que os de hoje. As notícias da política chegavam ao interior quase que exclusivamente pelas ondas do rádio e como a censura e o controle da imprensa eram armas utilizadas pelo regime, pouco se sabia sobre lutas pela redemocratização e afins. Como não haviam movimentações políticas, pouco se sentia da dureza do sistema então vigente.
Foi esse o cenário que levou contemporâneos da ditadura civil militar brasileira a simpatizarem com o regime, uma vez que as “notícias” que chegavam pelo rádio davam conta de um país à plenos pulmões.
Quando eu era aluno do ensino fundamental nos anos 1990, período pós redemocratização, lembro-me de ficar chocado com o depoimento do senhor José Ferreira Sobrinho, Zé da Barreira. O então Juiz de Paz da cidade, fora chamado à palestrar na escola onde eu estudava e falar aos alunos, filhos da redemocratização, sobre o período. A opinião do convidado, que passara todo o período de vigência da ditadura em Fátima, era de que fora uma época muito boa para o país e que sentia saudade do tempo de “ordem” dos militares no poder. Essa posição, com efeito, não era exclusividade de José Ferreira Sobrinho, lembro-me de ter ouvido de outras pessoas a mesma opinião.
Naturalmente, à época, eu e todos os colegas de turma não conseguíamos compreender a discrepância entre o que havíamos aprendido na escola sobre o regime militar e o discurso daquele senhor pacato e muito conhecido em toda a cidade. São coisas que só o tempo e a maturidade nos fazem compreender.
Hoje, é possível depreender que o contexto vivido pelas pessoas produzem suas memórias acerca de cada contexto vivido e memória não é história, é esta, tão somente, uma ferramenta da história. A percepção de uma pessoa ou um grupo de pessoas acerca de um período vivenciado. Isto posto, entendo que as opiniões em favor do período 1964/1985 são somente opiniões e não sobrepõem toda uma literatura bastante consolidada e uma infinidade de fatos histórico com robustíssimo embasamento nas fontes.

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