No dia primeiro de abril de 1964 o presidente
João Goulart era deposto do cargo e a presidência fora decretada vaga pelo
congresso nacional. Os militares assumiram o poder alegando questões de
segurança nacional enquanto a população assistia atônita aos movimentos de
tropas com tanques e blindados nas capitais e nas principais cidades do país. Era
o golpe militar de 1964.
Aquele foi o dia que durou vinte e um anos. Apoiados
pelos EUA, os militares se revezaram no poder durante esse período, sem
eleições e com o arrocho da censura, opositores do regime foram presos, torturados,
mortos ou exiliados. Muitos desapareceram nos porões da ditadura e até hoje
seus restos mortais são procurados pelos familiares.
Nos grandes centros urbanos do país, a despeito
de toda a nação viver sob o mesmo comando, haviam dois grupos basilares com percepções
distintas acerca dos acontecimentos políticos. De um lado haviam aqueles que
não se interessavam por política e preferiam levar as suas atividades sem se
importarem com os rumos do país, fechando os olhos para a miséria, a corrupção
e os desmandos dos comandantes. De outro haviam os que corajosamente se opunham
ao regime e bradavam por liberdade, democracia e mais direitos.
Para o primeiro grupo, geralmente composto
por pessoas à partir da classe média (no caso dos escolarizados), as mais de
duas décadas dos governos militares passaram sem muitos problemas. Em contrapartida,
para o segundo grupo, o dos que se opunham ao regime, as coisas se desenrolaram
de forma muito diferente. Esses foram considerados inimigos da pátria,
terroristas (como se a nação tivesse a obrigação de apoiar o governo). Esses homens
e mulheres tiveram um tratamento desumano. Como já dito, muitos morreram, foram
torturados e/ou tiveram que deixar o país.
Mas essa era a realidade dos grandes centros
urbanos, onde as políticas públicas, ou a sua ausência, tendem a ser mais
sensíveis aos anseios e necessidades da população. Nas pequenas cidade e vilas
do interior, como é o caso da pequena Fátima, as percepções acerca do que se
desenrolava na política nacional eram muito diferentes. É preciso lembrar que
os meios de comunicação das décadas de 60,70 e 80 eram infinitamente mais
lentos do que os de hoje. As notícias da política chegavam ao interior quase
que exclusivamente pelas ondas do rádio e como a censura e o controle da
imprensa eram armas utilizadas pelo regime, pouco se sabia sobre lutas pela
redemocratização e afins. Como não haviam movimentações políticas, pouco se
sentia da dureza do sistema então vigente.
Foi esse o cenário que levou contemporâneos da
ditadura civil militar brasileira a simpatizarem com o regime, uma vez que as “notícias”
que chegavam pelo rádio davam conta de um país à plenos pulmões.
Quando eu era aluno do ensino fundamental nos
anos 1990, período pós redemocratização, lembro-me de ficar chocado com o
depoimento do senhor José Ferreira Sobrinho, Zé da Barreira. O então Juiz de
Paz da cidade, fora chamado à palestrar na escola onde eu estudava e falar aos
alunos, filhos da redemocratização, sobre o período. A opinião do convidado,
que passara todo o período de vigência da ditadura em Fátima, era de que fora
uma época muito boa para o país e que sentia saudade do tempo de “ordem” dos
militares no poder. Essa posição, com efeito, não era exclusividade de José
Ferreira Sobrinho, lembro-me de ter ouvido de outras pessoas a mesma opinião.
Naturalmente, à época, eu e todos os colegas
de turma não conseguíamos compreender a discrepância entre o que havíamos aprendido
na escola sobre o regime militar e o discurso daquele senhor pacato e muito
conhecido em toda a cidade. São coisas que só o tempo e a maturidade nos fazem
compreender.
Hoje, é possível depreender que o contexto
vivido pelas pessoas produzem suas memórias acerca de cada contexto vivido e
memória não é história, é esta, tão somente, uma ferramenta da história. A
percepção de uma pessoa ou um grupo de pessoas acerca de um período vivenciado.
Isto posto, entendo que as opiniões em favor do período 1964/1985 são somente
opiniões e não sobrepõem toda uma literatura bastante consolidada e uma
infinidade de fatos histórico com robustíssimo embasamento nas fontes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário