Construir
uma casa nunca foi tarefa fácil. É necessário mão de obra especializada, uma gama de materiais de diferentes tipos e origens para erguer uma estrutura que
possa ser habitável. Hoje, mesmo com o advento de técnicas modernas, a
construção de uma residência continua a ser um desafio para quem deseja
construir o seu próprio canto nesse nosso mundo.
Os nossos antepassados, nesse nosso
seco pedaço de chão, precisavam de um esforço muito maior para construir suas
moradias e abrigarem suas comumente numerosos proles.
Além dos fatores econômicos (é
sabido que a nossa região, assim como todo o nordeste brasileiro foi muito mais
pobre do que é hoje durante boa parte do império e também da república) as
técnicas de construção, salve raríssimas exceções, eram rudimentares.
Na grande maioria dos casos, as
casas seguiam o estilo de construção conhecido como Taipa ou ainda casa de
pau-a-pique. Uma técnica que utilizava madeira rústica, ou varas, alinhadas
nos sentidos horizontal e vertical, criando uma grade de madeira entrelaçada que
depois tinha os vãos preenchidos com barro para formar as paredes rudimentares
à abrigar as famílias e seus raros bens materiais.
Não há um consenso entre os
historiadores acerca da origem dessa técnica de construção, fato é que, provavelmente
é esta originária da mescla dos estilos arquitetônicos vindos de Portugal,
técnicas indígenas e de origem africana. Foi amplamente utilizada em todo o
Brasil até o as primeiras décadas do século XX, sendo posteriormente substituída
pelas casas construídas em adobe sem queima, o adobe queimado e, mais
recentemente no nosso caso, pelos blocos de cerâmica.
A construção das casas de taipa em
nossa região no início século XX consistia em uma verdadeira odisseia. A mão-de-obra
precisava ser numerosa e o trabalho era dividido por gênero. Geralmente, às
mulheres, era dada a tarefa de cuidar da comida para o mutirão e de molhar a
terra para formar o barro. Aos homens cabia cortar as varas em um matagal
próximo, limpar a área e fazer a trama de varas que consistia na estrutura
principal das paredes.
Em Fátima, temos um rico relato de
uma dessas construções fornecido pela fatimense Maria Soledade do Nascimento,
conhecida popularmente como “Dona Brinco”. Em entrevista concedida ao
pesquisador Juan Kléber Menezes em novembro de 2018, Dona Brinco, portadora de
uma memória invejável, narra a construção da casa de seu pais em meados dos
1940.
Segundo relata a entrevistada, seu
pai trabalhou como tropeiro e juntou dinheiro durante longo período em uma lata
feita de cofre. O dinheiro era necessário para comprar “somente” as telhas produzidas
em olarias e também os pregos, pois os caibros, ripas e, claro, o barro, era encontrado nos arredores do próprio canteiro de obras. Daí em diante, era
preciso garantir que os vizinhos, amigos e parente que viriam ajudar, ou dar um digitório na obra tivessem uma carne de criação (carneiro ou bode) para
comer.
Quando suspeitou que já havia juntado a
quantia necessária para comprar o material, o pai de Dona Brinco e de numerosa
prole iniciou a construção, entretanto, mesmo contando com numerosa ajuda, o
dinheiro não foi suficiente e ele teve que contar com a solidariedade de amigos
de Adustina que vieram ajudar no término da sua casa. Na ocasião, um amigo se
solidarizou com a luta do sertanejo e trouxe um grande número de trabalhadores
e ainda um carneiro para alimentar a todos e finalmente concluir a casa onde a
família moraria por muitos anos.
Contar a história de uma família específica e
de um caso tão pontual como a construção de uma casa pode parecer, em um
primeiro momento, algo demasiadamente trivial para quem assumiu a
tarefa de escrever história, entretanto, é necessário sensibilidade para
perceber que esta história especificamente é um valioso retrato do passado de
milhões de sertanejos que passaram pela mesma situação. Essa passagem da história
de uma família de Fátima, cujos descendentes hoje integram a sua população,
serve como uma registro para que as gerações contemporâneas e futuras compreendam
a vida nua e crua dos seus antepassados e afinem sua identificação com a
memória coletiva de sua gente.
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