O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A simplicidade da vida na vila de Fátima dos anos 1960

Foto, arquivo pessoal de José Elício


Em fins dos anos 1980, José Elício, conhecido por todos como “Zelício de seu Tóta” resolve iniciar o curioso projeto de escrever as suas memórias e o seu ponto de vista dos anos entre a infância e a adolescência vividos na então Vila de Fátima.
Tais registros, cuidadosamente datilografados (escrito ainda com máquinas de escrever) em cerca de trinta páginas, hoje já amareladas em decorrência dos seus mais de trinta anos de existência, são panorama interessantíssimo de como era a vida cotidiana dos nossos antepassados que aqui viviam por aquela época.
É trabalho do historiador colocar filtro sobre as memórias, saber interpretá-las e fazer daquilo o que parece algo muito pessoal de quem escreveu, uma janela panorâmica que nos leva automaticamente ao passado, este inacessível, no sentido mais literal do termo, por definição.
A narrativa de Zelício é um retrato a nos mostrar a vida dos fatimenses do passado. À partir das suas memórias, é possível compreendermos as relações familiares, marcadas pelo patriarcalismo, onde o homem era, ao mesmo tempo, o provedor e a autoridade máxima da casa. Sem me prestar a generalismos toscos, sinto-me confortável para afirmar que aquela geração viveu os rigores de um conservadorismo intenso que, aos olhos da pós-modernidade, pode assumir uma conotação inaceitável.
A forma como as mulheres eram tratadas dá sustentação a isso. Além de uma submissão quase que inconteste, os relatos presentes no referido texto de memórias nos conta essa história com mais detalhes. Segundo Zelício, as moças (nome dado à época para a mulheres jovens, solteiras e virgens) vestiam-se quase sempre com vestidos ou saias. Os vestidos eram confeccionados com muito tecido, avolumando o corpo das jovens abaixo da cintura, enquanto as saias eram acompanhadas de diversas anáguas que se estendiam até os tornozelos, deixando apenas os seus pés à mostra.
Fátima era apenas uma vila com uma dezena de casas formadas no entorno da atual praça Angelo Lagoa, algumas outras na atual Avenida Nossa Senhora de Fátima e pequenos sítios na vizinhança da vila.
Sem água encanada, o abastecimento era feito no lombo de jumentos, tocados por meninos muito jovens como fizera o próprio Zelício. Os galões de água eram abastecidos na Nação, um antigo reservatório de água que, segundo Borges (2009), fora cavado inicialmente com mão-de-obra escrava e que hoje recebe o esgoto da maior parte da cidade. Ingrato destino.
Sua água abastecia os potes das casas dos moradores e serviam para beber, cozinhar, tomar banho e demais atividades domésticas cujo uso da água era imprescindível. Não havia tratamento químico, uma das poucas práticas de higienização da água consistia em coar com o pano de prato.  
As festas eram pequenos bailes realizados nas próprias residências, sempre ao som do forró. Como não havia eletricidade, a animação ficava por conta do sanfoneiro, no caso do texto, essa tarefa ficava a cargo de Antãozinho, um zabumbeiro e um tocador de triângulo.
A molecada brincava livre, a forma como as mães do passado criavam seus filhos assustaria as mães de hoje. As crianças saiam de casa e por via de regra tinham apenas que voltar em determinado horário, o que faziam neste meio tempo ficava por sua conta. É claro que as mais diversas recomendações eram declamadas dia após dia, mas a forma de encarar a criação dos filhos mudou muito, como não poderia deixar de ser, com o passar dos anos.
Assim, colhiam frutas nas roças dos conhecidos, tomavam banho em tanques, caçavam passarinho, corriam, jogavam futebol e outros esportes no meio da praça sem pavimentação.
Um relato interessante feito por Zelício é que os meninos costumavam colocar visgo de jaca no muro do cemitério para pegar passarinhos. Isso nos leva a concluir que na época, o cemitério local, hoje um dos três da cidade, mas o mais velho, era rodeado pela caatinga. Aspecto bem diferente do atual, onde encontra-se totalmente rodeado pela cidade.
Não é intenção desse texto buscar um olhar nostálgico acerca do período retratado nem de narrar a vida de uma pessoa em particular. Ao ler os escritos de Zelício, busquei toma-los como base para construir um relato mais fidedigno possível da vida cotidiana dos fatimenses que viveram os anos 50 e 60.

4 comentários:

  1. Estou amando ler cada pedaço dessa lindíssima história fatimense.

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  2. Muito obrigado, Cristina. Vc e seu Faustino contribuíram com isso.

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  3. Fico muito feliz e orgulhosa de meu Tio Zelício. Sou Socorro, filha de Maria Olga e também por saber que uma Praça da cidade, tem o nome de meu bisavô paterno Ângelo Lagoa. Parabéns pelo trabalho de todos!

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    1. Fico feliz que tenha gostado. Aliás, somos parente, Ângelo Lagoa é meu trisavô.

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