Foto, arquivo pessoal de José Elício |
Em fins dos anos 1980, José Elício, conhecido
por todos como “Zelício de seu Tóta” resolve iniciar o curioso projeto de
escrever as suas memórias e o seu ponto de vista dos anos entre a infância e a
adolescência vividos na então Vila de Fátima.
Tais registros, cuidadosamente datilografados
(escrito ainda com máquinas de escrever) em cerca de trinta páginas, hoje já
amareladas em decorrência dos seus mais de trinta anos de existência, são
panorama interessantíssimo de como era a vida cotidiana dos nossos antepassados
que aqui viviam por aquela época.
É trabalho do historiador colocar filtro
sobre as memórias, saber interpretá-las e fazer daquilo o que parece algo muito
pessoal de quem escreveu, uma janela panorâmica que nos leva automaticamente ao
passado, este inacessível, no sentido mais literal do termo, por definição.
A narrativa de Zelício é um retrato a nos
mostrar a vida dos fatimenses do passado. À partir das suas memórias, é
possível compreendermos as relações familiares, marcadas pelo patriarcalismo,
onde o homem era, ao mesmo tempo, o provedor e a autoridade máxima da casa. Sem
me prestar a generalismos toscos, sinto-me confortável para afirmar que aquela
geração viveu os rigores de um conservadorismo intenso que, aos olhos da
pós-modernidade, pode assumir uma conotação inaceitável.
A forma como as mulheres eram tratadas dá
sustentação a isso. Além de uma submissão quase que inconteste, os relatos
presentes no referido texto de memórias nos conta essa história com mais
detalhes. Segundo Zelício, as moças (nome dado à época para a mulheres jovens,
solteiras e virgens) vestiam-se quase sempre com vestidos ou saias. Os vestidos
eram confeccionados com muito tecido, avolumando o corpo das jovens abaixo da
cintura, enquanto as saias eram acompanhadas de diversas anáguas que se
estendiam até os tornozelos, deixando apenas os seus pés à mostra.
Fátima era apenas uma vila com uma dezena de
casas formadas no entorno da atual praça Angelo Lagoa, algumas outras na atual
Avenida Nossa Senhora de Fátima e pequenos sítios na vizinhança da vila.
Sem água encanada, o abastecimento era feito
no lombo de jumentos, tocados por meninos muito jovens como fizera o próprio
Zelício. Os galões de água eram abastecidos na Nação, um antigo reservatório de
água que, segundo Borges (2009), fora cavado inicialmente com mão-de-obra
escrava e que hoje recebe o esgoto da maior parte da cidade. Ingrato destino.
Sua água abastecia os potes das casas dos
moradores e serviam para beber, cozinhar, tomar banho e demais atividades
domésticas cujo uso da água era imprescindível. Não havia tratamento químico,
uma das poucas práticas de higienização da água consistia em coar com o pano de
prato.
As festas eram pequenos bailes realizados nas
próprias residências, sempre ao som do forró. Como não havia eletricidade, a
animação ficava por conta do sanfoneiro, no caso do texto, essa tarefa ficava a
cargo de Antãozinho, um zabumbeiro e um tocador de triângulo.
A molecada brincava livre, a forma como as
mães do passado criavam seus filhos assustaria as mães de hoje. As crianças
saiam de casa e por via de regra tinham apenas que voltar em determinado
horário, o que faziam neste meio tempo ficava por sua conta. É claro que as
mais diversas recomendações eram declamadas dia após dia, mas a forma de
encarar a criação dos filhos mudou muito, como não poderia deixar de ser, com o
passar dos anos.
Assim, colhiam frutas nas roças dos
conhecidos, tomavam banho em tanques, caçavam passarinho, corriam, jogavam
futebol e outros esportes no meio da praça sem pavimentação.
Um relato interessante feito por Zelício é
que os meninos costumavam colocar visgo de jaca no muro do cemitério para pegar
passarinhos. Isso nos leva a concluir que na época, o cemitério local, hoje um
dos três da cidade, mas o mais velho, era rodeado pela caatinga. Aspecto bem
diferente do atual, onde encontra-se totalmente rodeado pela cidade.
Não é intenção desse texto buscar um olhar nostálgico
acerca do período retratado nem de narrar a vida de uma pessoa em particular. Ao
ler os escritos de Zelício, busquei toma-los como base para construir um relato
mais fidedigno possível da vida cotidiana dos fatimenses que viveram os anos 50
e 60.
Estou amando ler cada pedaço dessa lindíssima história fatimense.
ResponderExcluirMuito obrigado, Cristina. Vc e seu Faustino contribuíram com isso.
ResponderExcluirFico muito feliz e orgulhosa de meu Tio Zelício. Sou Socorro, filha de Maria Olga e também por saber que uma Praça da cidade, tem o nome de meu bisavô paterno Ângelo Lagoa. Parabéns pelo trabalho de todos!
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado. Aliás, somos parente, Ângelo Lagoa é meu trisavô.
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