O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O cangaço e a ética da virilidade

Cangaceiro, Panca (ao centro), Vinte e Cinco à esquerda e Peitica à direita. Acervo de Kiko Monteiro.

Jessé Souza, em sua obra, “A Ralé Brasileira”, discorre sobre aquilo o que chama de “Ética da Virilidade”. É esta, uma espécie de pacto social velado comum em toda uma classe social do nosso pais, a bem dizer, a classe que ele denomina provocativamente de “Ralé brasileira”.
Tal pacto, é extremadamente difundido de forma irreflexiva entre todo esse segmento social permeando o seu cotidiano, ditando os costumes de milhões de brasileiros. Essa ética confere valor aos atributos de robustez dos homens, hierarquizando esses indivíduos de acordo com seu comportamento. É assim, por exemplo, que homens com características mais masculinas como a valentia e a coragem, são muito bem vistos socialmente. Entretanto, atitudes mais cotidianas e sutis vão aos poucos montando um “cabra macho” no imaginário popular. Características como: Comer em demasia, possuir força física notória, praticar sexo com frequência e outras, são consideradas atributos positivos de um homem.           A lógica também se aplica de forma inversa. A ausência desses “atributos”, são, com frequência, associados ao homossexualismo ou a fraqueza.
Entre as classes mais favorecidas, para citar um exemplo, uma outra lógica se aplica. Aquilo o que é considerado qualidades entre os homens mais pobres como comer em demasia é com frequência visto como sinal de um indivíduo bronco. Para esses homens mais abastados, os principais atributos socialmente aceitos são: Falar mais de um idioma, apreciar vinhos e concertos, uma fala mais rebuscada dentre outros.
Mas o que isso tem a ver com o cangaço?
Essa relação dar-se no âmbito da admiração que o sertanejo tinha e tem, pelos cangaceiros, sobretudo pelo capitão Virgulino, seu símbolo maior. A despeito das polêmicas entre julgar cangaceiros como heróis ou vilões, é público e notório a existência de uma mística de admiração por aqueles homens que perambulavam pela caatinga brigando com fazendeiros e policiais, enfrentando com bravura indômita a repressão do estado e os rigores do clima.
É perfeitamente possível que exista nessa admiração um princípio que nos leve em direção a ética da virilidade abordada por Jessé Souza. Os cangaceiros e suas ações nada mais eram do que a personificação do homem viril.
É claro que fatores como as ações das volantes frente à população desprotegida, sua brutalidade e frieza que fazia desses agentes públicos figuras mais temidas que os próprios cangaceiros ajudaram na construção desse mito e deram aos cangaceiros que, a despeito da sua crueldade, sabiam tratar bem seus coiteiros e aqueles a quem consideravam amigos uma aura de heroísmo. Isto posto, me sinto confortável em afirmar que há nessa relação uma identificação sociológica, uma sentimento de pertencimento e admiração baseados na ética da virilidade.

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