Em 13 de
maio de 1888 o Brasil dava pontos finais a um dos capítulos mais difíceis da
sua história. A lei áurea foi sancionada e a escravidão estava oficialmente
extinta no país, fomos a última nação das Américas a finalizar este capítulo
vergonhoso da nossa história.
O
fim do regime escravista foi o resultado de um longo processo de lutas
abolicionistas que envolveram parte significativa da sociedade em uma luta
ferrenha contra as elites agrárias que buscavam a todo custo sustentar a
escravidão.
A
consolidação da liberdade para milhares de escravizados causou grande impacto
em toda a sociedade. Uma vez livres, os ex-escravos precisavam lutar pela
sobrevivência e dignidade. Nos interiores desse imenso país, as pessoas lutavam
para se adaptar ao novo regime. Em “Fogo Morto”, José Lins do Rego narra a
festa que se seguiu à chegada da notícia entre os escravizados do plantel do
Coronel Lula de Holanda e a subsequente debandada dos negros das garras de um
“senhorzinho” cruel que maltratava e humilhava seus escravos.
Não
é raro, entretanto, encontrar na literatura casos de ex-escravos que, uma vez
libertos, preferiram ficar em seus antigos engenhos e trabalharem para seus ex
senhores na condição de mão-de-obra assalariada. Contudo, a quase totalidade
desses casos é composta por relatos de uma relação minimamente amistosa entre
escravos e senhores no período de vigência da escravidão.
Nas
terras que hoje compõem o município de Fátima, para ficarmos em apenas um
exemplo, tivemos o caso do senhor de escravos conhecido como Severo Correia.
Documentado pela entrevista realizada com Isaura Borges, pelos professores
Maria São Pedro e José Domingos no ano de 1992, o caso de Severo é emblemático.
Notório
pela crueldade com que tratava seu plantel de escravos, Severo que costumava,
segundo o relato de Isaura Borges, dar tarefas humanamente impossíveis aos seus
negros só para ter o pretexto de castiga-los, passou a ter dificuldades enormes
com o fim do regime escravista.
Segundo
relatos documentados na entrevista, todos os seus ex-escravos abandonaram a
fazenda onde viviam imediatamente após a libertação, deixando para trás apenas
o rude fazendeiro e sua família para dar conta de todo o trabalho que antes era
realizado pelos negros.
De
acordo com Dona Isaura, que faleceu com mais de cem anos, o gado passou a
morrer de fome ou atolado nas aguadas, as plantações passaram a ser abandonadas
e as pesadas multas que o fazendeiro teve que pagar pelo descumprimento do
artigo primeiro da lei do ventre findaram por leva-lo à falência.
Com
a ruína, seus filhos passaram a andar maltrapilhos e um deles chegou a cometer
suicídio, dando linhas finais às atribulações da família do outrora rico
fazendeiro.
O
triste fim de Severo Correia e sua família, é para nós, um retrato dos anos
turbulentos que compunham aquele final de século XIX e anos posteriores à
proclamação da lei áurea assinada pela Princesa Isabel. Ao que parece, o
distanciamento dos grandes centros urbanos, bem como a rispidez do fazendeiro o
segaram para a ascensão da onda abolicionista que varria as grandes cidades do
império. Em algumas delas como o Rio de Janeiro, por exemplo, o número de
registros de escravos caíra muito naqueles anos finais do dezenove, sob muitos
aspectos tornara-se vergonhoso ter escravos em determinados bairros; movimentos
de arrecadação de fundos para compras de escravos a fim de alforria-los virou
constante e a própria princesa regente já aderira ao abolicionismo mesmo antes
de assinar a famigerada lei.
Os sinais
eram evidentes, as províncias do Ceará e do Amazonas já haviam abolido a
escravidão antes mesmo da lei Áurea. No Nordeste, pouco sobrava do plantel de
escravos devido à mudança do eixo econômico para o Sudeste, mas esses sinais
foram ignorados ou desconhecidos por Severo Correia e, Seguramente, por outros
donos de escravos da região, o que não preparou as suas finanças e a estrutura
da sua propriedade para a inevitável libertação dos cativos.
Os anos
subsequentes parecem mesmo ter sido de dificuldades para Severo. Em carta ao
Barão de Jeremoabo datada de 20 de novembro de 1898 ele se queixa de invasões à
sua propriedades e questões relacionadas à terra, o que pode indicar a perda de
poder de um proprietário de terras em um tempo em que as escrituras rurais
careciam, e muito, de precisão nas marcações.
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