O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O burro, que nada de “burro” tem, também é nosso irmão

Foto ilustrativa. Disponível em: http://www.morrodomoreno.com.br/materias/linguajar-do-tropeiro-por-ormando-moraes.html


O grande poeta e músico Luiz Gonzaga escreveu “Apologia do Jumento”, tornando célebre esse animal amplamente conhecido e querido entre nosso povo. Entretanto, um outro animal de porte semelhante, também merece a nossa homenagem por ter contribuído para a formação do nosso povo ao longo dos séculos.
Fruto do cruzamento entre o jumento (jegue para nós) e a égua, o burro, consegue herdar as melhores caraterísticas físicas das duas raças. Dono de uma personalidade forte, alta resistência e força, esse animal carece de cuidados especiais para quem com ele lida, quase sempre exigindo muita experiência e destreza dos vaqueiros.
Amplamente utilizado como animal de carga e tração em diversas partes do mundo, com exceção das áreas mais frias, o burro é dono de um legado considerável. No Brasil colônia, foi fundamental para bandeirantes e aventureiros na conquista de terras transportando pessoas e mercadorias. Possuindo formidável equilíbrio, era capaz de atravessar trilhas estreitas e sinuosas com enorme facilidade, sua vida longeva, completa o seu arcabouço de atributos que faziam desse animal ideal para o trabalho na colônia.
Foi sobre o lombo desses animais que boa parte das riquezas do Brasil foram carregadas. Desde a produção de açúcar nos séculos XVI e XVII, passando pelo ouro das minas gerais chegando ao café de São Paulo, o burro literalmente carregou a riqueza nas costas.
Como já dito em textos anteriormente publicados aqui no Blog, os primeiros desbravadores das terras em que Fátima se localiza foram os vaqueiros da Casa da Torre quando aqui chegaram utilizando o leito do rio Vaza Barris como caminho, estabelecendo nesta área os primeiros núcleos de povoamento após a expulsão dos Kiriris. Tais homens precisavam de animais fortes e resistentes para percorrer grande distâncias pelo terreno inóspito e os burros foram os escolhidos para tal tarefa, sendo amplamente utilizados nessa nossa região introduzidos pelos vaqueiros.
Posteriormente, já no século XIX, o burro continua sendo de suma importância nas atividades econômicas de toda essa região, pois eram esses animais o principal elemento das tropas de burros utilizadas pelos tropeiros para transportar pela estrada real toda sorte de bens de consumo do sertão para o litoral e do litoral para o sertão durante todo o século XIX e boa parte do século XX.
            Para ficar em um exemplo, em meados dos anos 70, o fatimense, José Antônio do Anjos, conhecido como “Zé de Augusta”, sustentou sua família por intermédio da tropa de burros que possuía. Segundo relato de familiares e amigos, ele fazia questão de que os animais utilizados no trabalho fossem sempre dessa raça, afirmando que cavalos ou jegues não suportariam as distâncias a serem percorridas. Durante vários anos, Zé de Augusta fez inúmeras viagens para Sergipe, onde comprava cachaça e revendia na área de Banzaê, Massacará, Buracos e Murití, genericamente chamados por ele de Sertão. Foram esses animais que o ajudaram a construir sua vida até serem substituídos por uma caminhonete anos após o início das suas atividades como tropeiro, cumprindo assim o inexorável ritual da modernidade.
Não é minha intenção romantizar a utilização desses animais ao longo da história do nosso pais pois inúmeros casos de maus tratos com burros e diversos outros animais são amplamente documentados ao longo desse percurso, sobretudo dada a inexistência de leis de proteção à fauna e a flora da colônia. A ideia é, tão somente, homenagear tais animais e chamar a atenção para a identificação histórica que nós, fatimenses, temos ou precisamos ter com eles.

4 comentários:

  1. Ele se fez necessário em seu momento. Homens se fizeram "necessários" em algum momento. É a naturalidade do processo da evolução. Que bom que alguém lembrou de homenagear!

    ResponderExcluir
  2. Muito interessante!vou usar em minhas aulas

    ResponderExcluir