O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Quanto valia um escravizado sertanejo?




No princípio do mês de maio de 1884, o velho Francisco Correia de Souza morre em sua fazenda Olaria, nas imediações de Vila do Bom Conselho. Em seu inventário de 85 páginas manuscritas, tocado pela viúva Maria Arcênia de Jesus, um patrimônio enorme é avaliado e descrito pelo juiz municipal.

Entre os bens de Francisco Correia, estão 14 cativos, homens e mulheres. Os adultos têm idade entre 20 e 57 anos e duas crianças, descritas apenas como “os inocentes”.

Já é bem pormenorizado na literatura, que os escravizados tinham preços muito variáveis a depender de fatores como idade, porte físico, estado de saúde, sexo, especialidade no trabalho e outros. Tais características poderiam elevar ou reduzir consideravelmente o preço do ser humano exposto ao sistema escravista brasileiro.

Os escravizados de Francisco Correia, com efeito, estão detalhadamente descritos em seu inventário. É o caso de Maria, assim descrita no documento:

 

Maria, crioula, solteira, com trinta e sete anos de idade com os ingênuos José, Manoel, e Francisco, matriculado sob o número novecentos e noventa e quatro de matrícula geral do município e sete da relação, avaliados por trezentos e cinquenta mil réis;

 

Veja que no caso de Maria e seus filhos, o preço é estipulado em conjunto, como se mãe e filhos pequenos fossem encarados como inseparáveis na hora da venda.

Já no caso dos homens, os preços foram estipulados separadamente, como se fosse bens comuns e valiosos. É o caso de Sérgio:

 

Sérgio, Cabra, vinte e oito anos de idade, solteiro, matriculado sob o número de mil e três da matrícula geral do município e dezesseis da relação. Avaliado por seiscentos mil réis;

 

Sérgio era um dos escravos mais valiosos do inventário. Com base em um outro processo, sabemos que este homem foi assassinado cerca de cinco anos depois por um dos seus companheiros de cativeiro, quando já pertencia a um dos filhos do falecido, Raymundo Correia, que o teria herdado com base no mesmo inventário.

Mas, sabendo que os escravos mais valiosos de Francisco Correia de Souza valiam cerca de 600 mil réis, como é possível termos uma noção do valor prático que essa quantia significava para a época?

A resposta para esse questionamento está no próprio inventário que avalia os demais bens do falecido. Essa relação nos dá uma boa ideia do quão valioso poderia ser um escravo, que poderia valer tanto quanto uma casa de laje na vila do Bom Conselho, de acordo com o mesmo documento.

Para efeito didático, acrescentarei abaixo uma lista com alguns bens e seus respectivos valores, a fim de que, o leitor possa fazer sua própria análise:

 

·       Um boi – valor: 27 mil réis;

·       Uma vaca – valor: 22 mil réis;

·       Uma casa na Vila – valor: 600 mil réis;

·       Uma casa na fazenda – 150 mil réis;

·       Um cavalo russo – valor: 200 mil réis.

 

Com base na lista acima, podemos notar que para adquirir um escravo como Sérgio, o fazendeiro tinha que demandar uma quantia equivalente a cerca de 22 vacas.

Mais uma vez para efeito didático, vamos fazer uma tentativa de transformar esse valor em moeda corrente atual, mas isso é somente uma estimativa.

Tomando como base um valor referência para uma vaca nos dias de hoje, poderíamos afirmar que um animal adulto, de raças que encontramos no sertão atualmente, poderíamos estimar o preço de um homem adulto e possivelmente com alguma especialidade laboral em cerca de 50 a 60 mil reais em valores atuais.

Confesso que esse exercício de calcular o preço de uma vida humana é algo que me causa um certo incômodo, contudo, a proposta desse blog é compartilhar com os entusiastas da história do sertão aquilo o que a documentação nos trás a título de informação e como eu já afirmei aqui anteriormente, o escravismo não carece de romantizações.


Ainda dá tempo de adquirir, fale diretamente com o autor.


 Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de HistóriaO NazistaFátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da PazMaria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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