A resposta para esse questionamento é
extremamente complexa. Se há algo que aprendi nas pesquisas sobre o cangaço é
que muitos escritores, muitos deles memorialistas não historiadores, se apegam
a fatos que, para dizer o mínimo, carecem de robustez histórica. Borges 2009,
em sua obra memorialista, dá como certa a passagem do chefe do cangaço por
essas bandas.
Em seu capítulo 1, subtítulo “Lampião no
mundo novo”, afirma que Virgulino Ferreira da Silva assaltou a residência do
senhor Antônio Cruz em 1932, torturando o morador daquela pequena localidade
após se apossar de objetos de valor deste e da sua família.
No livro “Lampião na Bahia” de 1988,
Oleone Coelho Fontes narra a entrada do cangaceiro e de parte do seu bando na
Bahia em 1928, após o fracassado assalto à Mossoró, no Rio Grande Norte, os
bandidos se retiraram para a Bahia onde Lampião afirmava ter vindo para descansar.
Durante este mesmo ano, há registros da sua presença em Ribeira do Pombal, que
resultou em uma icônica fotografia dos cangaceiros tirada pelo alfaiate Alcides
Fraga na qual posam para o fotógrafo, na praça da igreja, Lampião e mais seis
cabras com ar de tranquilidade.
De lá o bando ruma para a vila de Bom
Conselho (atual Cícero Dantas) com o automóvel do padre da cidade e então se
dirigem para Sítio do Quinto, que na época pertencia a Jeremoabo. Na
oportunidade ocorreu o famoso encontro de Lampião com o então prefeito de
Jeremoabo, o Coronel João Sá que se dirigia a Salvador.
Ainda segundo Fontes (1988), cerca de
dez dias após as passagens por Pombal, Cícero Dantas e Sítio do Quinto, o bando
de cangaceiros tem o seu primeiro combate com a volante em terras baianas na
região dos Buracos, no município de Cícero Dantas, o que resultou na morte do
tenente conhecido como “Bigode de ouro” naquela localidade.
Depois disso, Lampião e seu bando
iniciam sua campanha de terror na Bahia, tendo passagens por Novo Amparo (atual
Heliópolis) no dia 26 de fevereiro de 1928, onde dois soldados, segundo Oleone
Coelho Fontes, são presos e executados pelos cangaceiros. O bando teria saído
de Novo Amparo em direção à vila de Patrocínio do Coité (atual Paripiranga),
fato também registrado na obra “Entre Padre e Coronéis” de Antônio Santana
Carregosa.
Neste momento, o leitor já percebeu que
as andanças dos cangaceiros por terras próximas à Fátima, foram muito bem
documentadas. Teria, Lampião e seu bando, na caminhada entre Heliópolis e
Paripiranga, realizado o assalto descrito por Borges (2009) na localidade do
Mundo Novo em Fátima? As datas não batem, o que, sobremaneira, não invalida a
história, pois é sabido que o grupo de bandidos agiu por essa região até, pelo
menos, 1938, ano da morte de Lampião e parte do bando na grota do Angico.
O pesquisador Kiko Monteiro, em palestra
na Câmara de vereadores de Fátima, afirma que o bando de cangaceiros com maior
atuação nessa região, era o subgrupo comandado pelo pernambucano Ângelo Roque,
cuja alcunha no mundo do cangaço era Labareda. O que faz todo o sentido, visto
que o bando de Labareda se entregou à polícia na cidade de Paripiranga em 1940,
sendo um dos últimos a se entregar, selando o fim do banditismo no nordeste.
De toda sorte, há registros de atuação
também do subgrupo de Corisco em Paripiranga inclusive com registro fotográfico
e de outras invasões do próprio Lampião na mesma cidade, bem como em cidades
vizinhas.
Alguns pesquisadores do cangaço afirmam ser
relativamente comum um subgrupo de cangaceiros como o de Labareda, por exemplo,
se apresentarem como sendo o grupo de Lampião, talvez para amedrontar ainda
mais a população local. Isso pode ter acontecido com o caso do Mundo Novo?
Pode, assim como outros diversos casos narrados por pessoas que foram
contemporâneos dos cangaceiros em ação.
Em 2018, só pra citar um caso, eu
entrevistei o senhor Faustino, morador de Fátima, à época com 106 anos. Na
oportunidade, ele me relatou um encontro que teve com dois cangaceiros em sua
casa em Caxias, onde os bandidos exigiram comida. Teria sido um dos subgrupos
ou teria sido o próprio Lampião? Difícil dizer.
Os registros sobre Fátima,
especificamente, são mais complexos de encontrar, basta lembramos que, nos anos
1930, esta era apenas uma pequena vila com pouquíssimas casas, sendo assim, boa
parte da história dessa municipalidade é obtida através de fontes secundárias
como as três obras supracitadas.
O que se sabe é que toda esta área teve,
a partir de 1928, uma intensa movimentação de grupos de cangaceiros. Quanto à
resposta que dá nome a este texto, acredito não ser possível afirmar com
certeza se o próprio rei do cangaço pisou neste causticado solo, entretanto,
não me surpreenderia se encontrássemos alguma prova desta ilustre, porém desagradável
visita, dada a intensa atividade registrada. Esses são os descaminhos impostos
pela história e cá entre nós, esse trabalho de investigador é o que a torna uma
ciência tão viva e empolgante. Lampião deixou a sua marca na história de Fátima
de forma direta ou indireta, sua figura assombrosa e cruel, assim como de seus
homens ainda povoa o imaginário do povo de Fátima, sendo comuns as histórias de
encontros apavorantes com aquele, cuja crueldade e respeitabilidade marcou toda
a população nordestina nas duas décadas que esses personagens perambularam
pelas caatingas da região.
Professor
Moisés Santos Reis Amaral.
Obs:
Este texto é um fragmento de uma pesquisa maior, sua referência ainda está
incompleta e correções de diversas ordens ainda serão feitas. Sua divulgação
serve para divulgar as ações do GRUPO DE PESQUISAS HISTÓRIA DE FÁTIMA (GPHF)
que está em fase de criação, bem como, chamar a atenção de interessados em
fazer parte deste projeto.
REFERÊNCIAS:
BORGES, Edna. Fátima, Nossa Terra, Nossa Gente. Aracaju: J. Andrade, 2009.
CARREGOSA, Antônio dos Santana. Entre padre e coronéis: Como as disputas
oligárquicas deram forma ao município de Paripiranga. Aracaju:
Infographics, 2019.
FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Rio de Janeiro:
Vozes, 1988.
OLIVEIRA, André
Santana. Ruptura ou continuidade? Práticas políticas em Cícero Dantas na
trajetória do Padre Renato de Andrade Galvão (1945-1965). Monografia de conclusão de curso,
UEFS, 2010.
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