O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Lampião esteve em Fátima?


A resposta para esse questionamento é extremamente complexa. Se há algo que aprendi nas pesquisas sobre o cangaço é que muitos escritores, muitos deles memorialistas não historiadores, se apegam a fatos que, para dizer o mínimo, carecem de robustez histórica. Borges 2009, em sua obra memorialista, dá como certa a passagem do chefe do cangaço por essas bandas.
Em seu capítulo 1, subtítulo “Lampião no mundo novo”, afirma que Virgulino Ferreira da Silva assaltou a residência do senhor Antônio Cruz em 1932, torturando o morador daquela pequena localidade após se apossar de objetos de valor deste e da sua família.
No livro “Lampião na Bahia” de 1988, Oleone Coelho Fontes narra a entrada do cangaceiro e de parte do seu bando na Bahia em 1928, após o fracassado assalto à Mossoró, no Rio Grande Norte, os bandidos se retiraram para a Bahia onde Lampião afirmava ter vindo para descansar. Durante este mesmo ano, há registros da sua presença em Ribeira do Pombal, que resultou em uma icônica fotografia dos cangaceiros tirada pelo alfaiate Alcides Fraga na qual posam para o fotógrafo, na praça da igreja, Lampião e mais seis cabras com ar de tranquilidade.
De lá o bando ruma para a vila de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) com o automóvel do padre da cidade e então se dirigem para Sítio do Quinto, que na época pertencia a Jeremoabo. Na oportunidade ocorreu o famoso encontro de Lampião com o então prefeito de Jeremoabo, o Coronel João Sá que se dirigia a Salvador.
Ainda segundo Fontes (1988), cerca de dez dias após as passagens por Pombal, Cícero Dantas e Sítio do Quinto, o bando de cangaceiros tem o seu primeiro combate com a volante em terras baianas na região dos Buracos, no município de Cícero Dantas, o que resultou na morte do tenente conhecido como “Bigode de ouro” naquela localidade.
Depois disso, Lampião e seu bando iniciam sua campanha de terror na Bahia, tendo passagens por Novo Amparo (atual Heliópolis) no dia 26 de fevereiro de 1928, onde dois soldados, segundo Oleone Coelho Fontes, são presos e executados pelos cangaceiros. O bando teria saído de Novo Amparo em direção à vila de Patrocínio do Coité (atual Paripiranga), fato também registrado na obra “Entre Padre e Coronéis” de Antônio Santana Carregosa.
Neste momento, o leitor já percebeu que as andanças dos cangaceiros por terras próximas à Fátima, foram muito bem documentadas. Teria, Lampião e seu bando, na caminhada entre Heliópolis e Paripiranga, realizado o assalto descrito por Borges (2009) na localidade do Mundo Novo em Fátima? As datas não batem, o que, sobremaneira, não invalida a história, pois é sabido que o grupo de bandidos agiu por essa região até, pelo menos, 1938, ano da morte de Lampião e parte do bando na grota do Angico.
O pesquisador Kiko Monteiro, em palestra na Câmara de vereadores de Fátima, afirma que o bando de cangaceiros com maior atuação nessa região, era o subgrupo comandado pelo pernambucano Ângelo Roque, cuja alcunha no mundo do cangaço era Labareda. O que faz todo o sentido, visto que o bando de Labareda se entregou à polícia na cidade de Paripiranga em 1940, sendo um dos últimos a se entregar, selando o fim do banditismo no nordeste.
De toda sorte, há registros de atuação também do subgrupo de Corisco em Paripiranga inclusive com registro fotográfico e de outras invasões do próprio Lampião na mesma cidade, bem como em cidades vizinhas.
Alguns pesquisadores do cangaço afirmam ser relativamente comum um subgrupo de cangaceiros como o de Labareda, por exemplo, se apresentarem como sendo o grupo de Lampião, talvez para amedrontar ainda mais a população local. Isso pode ter acontecido com o caso do Mundo Novo? Pode, assim como outros diversos casos narrados por pessoas que foram contemporâneos dos cangaceiros em ação.
Em 2018, só pra citar um caso, eu entrevistei o senhor Faustino, morador de Fátima, à época com 106 anos. Na oportunidade, ele me relatou um encontro que teve com dois cangaceiros em sua casa em Caxias, onde os bandidos exigiram comida. Teria sido um dos subgrupos ou teria sido o próprio Lampião? Difícil dizer.
Os registros sobre Fátima, especificamente, são mais complexos de encontrar, basta lembramos que, nos anos 1930, esta era apenas uma pequena vila com pouquíssimas casas, sendo assim, boa parte da história dessa municipalidade é obtida através de fontes secundárias como as três obras supracitadas.
O que se sabe é que toda esta área teve, a partir de 1928, uma intensa movimentação de grupos de cangaceiros. Quanto à resposta que dá nome a este texto, acredito não ser possível afirmar com certeza se o próprio rei do cangaço pisou neste causticado solo, entretanto, não me surpreenderia se encontrássemos alguma prova desta ilustre, porém desagradável visita, dada a intensa atividade registrada. Esses são os descaminhos impostos pela história e cá entre nós, esse trabalho de investigador é o que a torna uma ciência tão viva e empolgante. Lampião deixou a sua marca na história de Fátima de forma direta ou indireta, sua figura assombrosa e cruel, assim como de seus homens ainda povoa o imaginário do povo de Fátima, sendo comuns as histórias de encontros apavorantes com aquele, cuja crueldade e respeitabilidade marcou toda a população nordestina nas duas décadas que esses personagens perambularam pelas caatingas da região.

Professor Moisés Santos Reis Amaral.

Obs: Este texto é um fragmento de uma pesquisa maior, sua referência ainda está incompleta e correções de diversas ordens ainda serão feitas. Sua divulgação serve para divulgar as ações do GRUPO DE PESQUISAS HISTÓRIA DE FÁTIMA (GPHF) que está em fase de criação, bem como, chamar a atenção de interessados em fazer parte deste projeto.
REFERÊNCIAS:

BORGES, Edna. Fátima, Nossa Terra, Nossa Gente. Aracaju: J. Andrade, 2009.
CARREGOSA, Antônio dos Santana. Entre padre e coronéis: Como as disputas oligárquicas deram forma ao município de Paripiranga. Aracaju: Infographics, 2019.
FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
OLIVEIRA, André Santana. Ruptura ou continuidade? Práticas políticas em Cícero Dantas na trajetória do Padre Renato de Andrade Galvão (1945-1965). Monografia de conclusão de curso, UEFS, 2010.

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