O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Como se constrói um cangaceiro?

Corisco e o cangaceiro Vinte e Cinco, natural de Paripiranga.


Na grande obra de José Lins do Rego, “Fogo Morto”, narra-se a dureza da vida em uma terra dominada por coronéis e uma organização social quase que estamental na qual tornava-se praticamente impossível qualquer tipo de mobilidade social.
Narra de forma magnifica os desmandos dos poderosos cuja terra é seu domínio e as vidas que nela vivem têm quase que a mesma relação de posse. O mestre José Amaro é o símbolo disso. Vive em uma casa dentro do engenho Santa fé, do coronel Lula de Holanda. Tem por obrigação seguir os ditames do latifundiário a pretexto de ser expulso e não ter para onde ir. Apesar das habilidades de mestre no trato com o couro não tem posses, seus bens são sua tralha de trabalho, uma esposa e uma filha.
O mestre da vida real, Estácio de Lima, escreveu “O Mundo Estranho dos Cangaceiros” onde se debruça sobre as condições que levaram tantos homens e mulheres a enveredarem pelos caminhos do cangaceirismo a viver sem sorte vagando pelas caatingas.
Apesar de admitir fatores sociais e econômicos como os narrados em “Fogo Morto”, Lima (2006) analisa as condições de vida do sertanejo ligadas ao clima. Para ele as secas intermináveis que consumiam a plantação, o gado e a água de beber, arrematadas pelas enxurradas que se seguiam de uma só vez conferindo ainda mais crueldade àquelas pessoas, agia como uma trituradora de vidas. Assim, como em um moinho de seres humanos, o seu produto final era a construção de um indivíduo forte, capaz de suportar com relativa facilidade as brigas cruéis com a polícia.
O caboclo que emergia daquela terra dura não se importava com a morte, nem a sua. Muito menos as de seus inimigos. Afinal, morrer não poderia ser muito mais ruim do que viver. Foi dessa vida cruenta, comungada com a violência policial, a pobreza e o sofrimento, que nasceram lampiões, coriscos, Marias Bonita e tantos outros que ficaram marcados pela crueldade. Sua e contra si.
Não por acaso, em “Fogo Morto”, o Mestre José Amaro busca refúgio no bando do cangaceiro Antônio Silvino, não por acaso, Virgulino e tantos outros entram para o cangaço após a violência contra os seus, não por acaso os filhos das favelas adentram os caminhos do tráfico de drogas.

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