O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A seca que assolou o semiárido baiano em 1932

Retirantes: Portinari


No transcorrer desses mais de dois anos de pesquisa historiográfica em nossa região, diversos idosos foram entrevistados. Boa parte desses foram testemunhas oculares da famigerada “seca de 32”, como costumam nominar. Outros, ainda, são descendentes em primeiro ou segundo grau daqueles que enfrentaram terrível e penoso ano de 1932.
            A região semiárida nordestina é envolta pelo chamado polígono da seca, área na qual as chuvas são irregulares e os longos períodos de estiagem são cíclicos. Há um certo consenso entre os pesquisadores do clima acerca do principal culpado dessa lástima, o fenômeno El Niño.




No campo político, Juracy Magalhães ocupava o cargo de governador da Bahia e Getúlio Vargas era o presidente do país. As políticas públicas no combate à seca são historicamente ineficientes. Comumente reduzem-se à construção de açudes e a assistência imediatista dos carros pipas (esses últimos, um quadro bem mais atual, recurso que não estava disponível na época). Meras soluções paliativas que na prática aprisionam o eleitor a votar em determinados grupos políticos. Entretanto, naquele ano, o governo federal tomou medidas mais eficazes, como a sustentação dos preços em um patamar mais aceitável e a criação de frentes de trabalho com mão-de-obra local para o combate à seca. Provavelmente, tais medidas amenizaram os efeitos da estiagem, mas não evitaram um incontável número de sertanejos mortos.
            Os relatos de quem vivenciou o período, dão conta do sofrimento da nossa gente. A água escassa era tratada como ouro (não havia qualquer tipo de abastecimento, a única água disponível era em aguadas escavadas pelo governo ou particulares), mal dava para beber e cozinhar, os rebanhos foram praticamente dizimados, as plantações também. Em algumas regiões comia-se biscoitos de milho moído aquecidos no fogão de lenha, o feijão armazenado em vasos de um ano para outro era a principal fonte de alimento, muitas famílias cozinhavam diariamente uma panela de feijão, tarefa comumente atribuída a mãe de família, e, para obter a carne, os demais membros saíam pela manhã para caçar ou pescar a fim de obter a mistura se a sorte assim permitisse.
            Muitos desses relatos foram colhidos, como dito, em diversas entrevistas. Seu Raimundo, morador do formigueiro me relatou a morte de muitas pessoas por epidemias incomuns e em consequência da fome, a mais brutal das pestes.

Em Fátima, nas proximidades da laje da boa vista, uma capelinha (estrutura erguida para demarcar o local do falecimento de alguém) ainda existe como testemunha daquele flagelo. Segundo Dona Maria José, a estrutura marca a morte de uma mulher, de quem o nome nunca se soube. A caminhante que seguia viagem solitária pela estrada real não trazia alimento nem água entre seus pertences, caiu sem vida à beira da estrada e é provável que tenha sido sepultada ali mesmo por tropeiros. Anos depois, o proprietário do terreno resolveu erguer a capelinha em homenagem àquela pobre criatura, vítima da fome.
Foto: Édson Nascimento

            As secas que se abatem por essa região são cíclicas, retornam a cada período de 30 anos. Cantada em verso e prosa pelos artistas da terra, já vitimou milhões de nordestinos. Hoje seus afeitos são amenizados devido, sobretudo, a existência da água encanada em parte significativa dos lares, mas seus afeitos ainda são terríveis para a agricultura e a pecuária da região.

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