Retirantes: Portinari |
No
transcorrer desses mais de dois anos de pesquisa historiográfica em nossa
região, diversos idosos foram entrevistados. Boa parte desses foram testemunhas
oculares da famigerada “seca de 32”, como costumam nominar. Outros, ainda, são
descendentes em primeiro ou segundo grau daqueles que enfrentaram terrível e
penoso ano de 1932.
A região semiárida nordestina é
envolta pelo chamado polígono da seca, área na qual as chuvas são irregulares e
os longos períodos de estiagem são cíclicos. Há um certo consenso entre os
pesquisadores do clima acerca do principal culpado dessa lástima, o fenômeno El
Niño.
No
campo político, Juracy Magalhães ocupava o cargo de governador da Bahia e Getúlio
Vargas era o presidente do país. As políticas públicas no combate à seca são
historicamente ineficientes. Comumente reduzem-se à construção de açudes e a
assistência imediatista dos carros pipas (esses últimos, um quadro bem mais
atual, recurso que não estava disponível na época). Meras soluções paliativas
que na prática aprisionam o eleitor a votar em determinados grupos políticos. Entretanto,
naquele ano, o governo federal tomou medidas mais eficazes, como a sustentação
dos preços em um patamar mais aceitável e a criação de frentes de trabalho com
mão-de-obra local para o combate à seca. Provavelmente, tais medidas amenizaram
os efeitos da estiagem, mas não evitaram um incontável número de sertanejos
mortos.
Os relatos de quem vivenciou o
período, dão conta do sofrimento da nossa gente. A água escassa era tratada
como ouro (não havia qualquer tipo de abastecimento, a única água disponível
era em aguadas escavadas pelo governo ou particulares), mal dava para beber e
cozinhar, os rebanhos foram praticamente dizimados, as plantações também. Em algumas
regiões comia-se biscoitos de milho moído aquecidos no fogão de lenha, o feijão
armazenado em vasos de um ano para outro era a principal fonte de alimento,
muitas famílias cozinhavam diariamente uma panela de feijão, tarefa comumente atribuída
a mãe de família, e, para obter a carne, os demais membros saíam pela manhã
para caçar ou pescar a fim de obter a mistura se a sorte assim permitisse.
Muitos desses relatos foram
colhidos, como dito, em diversas entrevistas. Seu Raimundo, morador do
formigueiro me relatou a morte de muitas pessoas por epidemias incomuns e em consequência
da fome, a mais brutal das pestes.
Em
Fátima, nas proximidades da laje da boa vista, uma capelinha (estrutura erguida
para demarcar o local do falecimento de alguém) ainda existe como testemunha
daquele flagelo. Segundo Dona Maria José, a estrutura marca a morte de uma
mulher, de quem o nome nunca se soube. A caminhante que seguia viagem solitária
pela estrada real não trazia alimento nem água entre seus pertences, caiu sem
vida à beira da estrada e é provável que tenha sido sepultada ali mesmo por
tropeiros. Anos depois, o proprietário do terreno resolveu erguer a capelinha
em homenagem àquela pobre criatura, vítima da fome.
As secas que se abatem por essa região
são cíclicas, retornam a cada período de 30 anos. Cantada em verso e prosa
pelos artistas da terra, já vitimou milhões de nordestinos. Hoje seus afeitos
são amenizados devido, sobretudo, a existência da água encanada em parte
significativa dos lares, mas seus afeitos ainda são terríveis para a agricultura
e a pecuária da região.Foto: Édson Nascimento |
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