O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Cangaceiros sem cabeça

Cabeças dos 11 cangaceiros mortos em Angico
Aqueles que se interessam minimamente por história, neste caso, história do cangaço, vão lembrar com relativa facilidade de um macabro costume das lutas entre cangaceiros e volantes.
Era comum que os soldados, ao matar um cangaceiro (a) decepassem as cabeças dos bandoleiros, geralmente a golpes de facão. Existem diferentes versões entre os estudiosos do cangaço para justificar tal prática. A versão mais aceita, contudo, é que o costume se daria em virtude da necessidade de provar para autoridades e a sociedade como um todo que o feito (o assassinato de um cangaceiro) tinha sido concretizado.
Na impossibilidade de levar o corpo inteiro para a cidade ou vila mais próxima (é bom lembrar que volante e cangaceiros, por via de regra, viajavam à pé) os policiais simplesmente cortavam as cabeças dos cangaceiros e levavam o macabro troféu. Outra parte do ritual que comprava esta versão é a fotografia de registro. Na grande maioria dos casos, as cabeças eram fotografadas prontamente.
Na semana passada, eu e o radialista Carlos César, visitamos o senhor Sebastião, morador do formigueiro, hoje com quase cem anos. Seu Sebastião, muito lúcido e altivo, nos contou que foi caçador durante a maior parte da sua vida, afirma ter criado os seus 14 filhos à partir desse ofício.
Por diversas vezes, este caçador perambulou pelas proximidades do Jardim, distrito que fica na fronteira entre as cidades de Adustina e Coronel João Sá. O local foi palco de “um fogo” (luta entre cangaceiros e volantes) entre o bando de Labareda e a volante do tenente Odilon Flor. No combate, morreram Mariquinha, Mulher de Labareda e mais dois cangaceiros. Como era de costume, as cabeças dos três foram decepadas e os corpos enterrados ali mesmo.
Pensar em pessoas cujas cabeças eram cortadas leva, com certa naturalidade, as pessoas a criarem toda uma mística em torno dos fatos e neste caso não seria diferente.
Seu Raimundo, entre as suas diversas histórias de uma vida longa, afirma categoricamente que toda a região ainda hoje é assombrada pelos espíritos dos cangaceiros mortos quase cem anos atrás.
Segundo ele, certo dia, estava caçando com outro companheiro quando deparou-se com o fantasma de um cangaceiro perambulando pela caatinga sem a cabeça. Afirma, contudo, que não sentiu medo do espectro, mas que seu companheiro de caça nunca mais voltou à referida região.
Não se trata aqui de acreditar ou não no fato, trata-se, isto sim, de compreender que a brutalidade dos tempos dos embates entre cangaceiros e volantes acabou por criar toda essa mística entre a gente simples dessa nossa região. Seu Sebastião é só mais uma pessoa sensibilizada, em sua simplicidade de homem do campo, por toda aquela violência dos tempos de Lampião em seus cangaceiros.

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