O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

De Bom Conselho à Cícero Dantas

 


    O decreto acima, assinado pelo governador José Marcelino de Souza, determina a mudança de nome da Antiga Vila do Bom Conselho que, a partir do dia 30 de maio de 1905, passava a se chamar Cícero Dantas. A Nova nomenclatura homenageia a Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, falecido na mesma vila, no dia 27 de outubro de 1903. O Barão tinha uma forte ligação com Cícero Dantas, dizia que se morresse longe dali, que enterrassem ao menos o seu coração naquela terra. Faleceu no atual sobrado que abriga a Rádio Regional e foi sepultado no altar da igreja, ao lado de um dos seus desafetos, o Cônego Caetano Dias. 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Bom Conselho violento.

 

Era 28 de agosto de 1903, entardecer na Vila de Bom Conselho, quando 40 homens armados chegam à casa do juiz da local, o magistrado Antônio Pedreira Cerqueira, conhecido como Dr. Pedreira. Aqueles homens estavam sob as ordens do então comissário de polícia, Pedro Correia de Sousa e traziam um cavalo arreado.

          Entraram na casa do juiz alheios aos gritos dos filhos e da esposa e arrancaram a autoridade de dentro da residência fazendo-o montar no animal sobressalente sob as ordens do comissário que afirmava não ser mais possível ao magistrado atuar no Bom Conselho. Conduziram-no por longo caminho até o engenho Camurciatá, propriedade do barão de Jeremoabo, no município de Itapicuru. Dois dias depois, a família do juiz deixou a vila para encontra-lo.

          Toda essa ação foi capitaneada pelos Correias e Vieiras, duas famílias que se unem em laços históricos antigos em Cícero Dantas. Mas o que teria motivado tamanha violência? O que poderia ter levado à expulsão forçosa do juiz da cidade pelos mandatários locais?

          De acordo com o historiador Marcelo Reis, o juiz Pedreira, havia libertado um homem, preso injustamente. Ocorre que esse indivíduo era um desafeto antigo de Manoel Vieira de Andrade, o Mané Vieira.

          Para fins didáticos e para situar esse indivíduo na atual família Vieira de Cícero Dantas, Mané Vieira era pai de Chiquinho Vieira, que, por sua vez, é o avô do ex-prefeito de Cícero Dantas, Hélio Vieira, ainda vivo nos dias de hoje.

          A soltura do desafeto, teria levado a uma reação em cadeia que, de acordo com depoimentos colhidos por Marcelo Reis, levaria ao trágico suicídio de Mané Vieira.

          A ação realizada em Bom Conselho repercutiu na imprensa baiana. Na edição de 14 de agosto de 1903, o jornal da capital CORREIO DO BRASIL, noticiava com grande alarde os fatos.

          De oposição ao governador Severino Vieira, o periódico tratou de culpar o governo do estado pelo ato violente e de citar motivações eleitoreiras. Fazendo a defesa incisiva do magistrado deposto, o texto cobra a exoneração do comissário de polícia e afirma: “O Dr. Pedreira tinha o pecado de não ser um magistrado político”.

          Na edição de 16 de setembro, o mesmo veículo de informação afirma que no interior da Bahia, essas arbitrariedades não eram novidades, cita o caso do juiz de Monte Santos que, meses antes, tinha se mudado às pressas da comarca por medo da violência.

          O próprio Antônio Pedreira publicaria artigo no mesmo jornal afirmando que, no calor do momento, ele mesmo teria solicitado aos seus algozes que o levassem para a propriedade do Barão em Itapicuru e que não voltaria ao Bom Conselho pois isto seria, em suas palavras: “Morte certa”.

          Mesmo após a repercussão negativa do fato, o comissário de polícia Pedro Correia, que era membro da poderosa família e tio do promotor local, foi mantido no cargo pelo governador. Sabendo disso, o jornal acusa Severino Vieira de ter, ele mesmo, planejado a ação em conluio com seus correligionários locais.

          O sertão sempre foi palco de atos violentos, com a ausência do estado nos primórdios da colonização, as pessoas aprenderam a fazer justiça com as próprias mãos, a arma sempre ao alcance, foi um recurso recorrente para a vingança ou para a coerção.

          Os homens que arquitetaram a expulsão do juiz, acreditavam ter o direito de impor pela via da força os seus interesses. Nos dias atuais, coagir um juiz a deixar a comarca é um ato quase impensado, mas para os nossos ancestrais, fazia parte do jogo de interesses.

 

Moisés Reis, Professor há 24 anos do município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História - O Nazista - Fátima: Traços da sua Histórias - O Embaixador da Paz - Maria Preta: Escravismo no sertão baiano – Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade - da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense.


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segunda-feira, 19 de maio de 2025

ESCOLA MUNICIPAL PROFESSORA IDIVANIA DE OLIVEIRA MENEZES – HISTÓRIA.

 

QUADRO DEMOSNTRATIVO DOS DIRETORES E DIRETORAS.

NOME

PERÍODO

MARILENE SANTANA SILVEIRA

1987 a 1995*

MARIA SOLANGE

 

EDMILSON OLIVEIRA SOUZA

De 1996 a 1999.

JOSÉ ADELMO DE SANTANA

2000

IDIVANIA DE OLIVEIRA MENEZES

2001 a 2007 e 2011 a 2014

MEIRE CLÉSIA GASPAR DE ANDRADE CAVALCANTE

2008

DÉBORA SANTANA BORGES GOLVEIA

2009..

JOCELINA ALVES DOS SANTOS

2016 a 2020

MOISÉS SANTOS REIS AMARAL

2021...


O Colégio Cícero Dantas foi fundado pelo professor José Batista Gouveia (Zelito Gouveia) a 5 de janeiro de 1972. Era uma instituição particular que teve autorização para funcionamento a partir da portaria n° 173, de 5 de janeiro de 1972, emitida pela secretaria do estado da Bahia.

Contava com os cursos do maternal, pré-escolar, primeiro e segundo graus. O segundo grau era um curso profissionalizante subdividido em duas modalidades, que habilitava os estudantes para o exercício do magistério e da contabilidade.

A instituição foi pensada para ofertar o Ensino Médio para jovens que concluíam o curso Ginasial, uma vez que estes precisavam viajar para Feira de Santana, Salvador ou Aracaju para prosseguir nos estudos.

O prédio do antigo Hotel Gouveia, situado na Av. Getúlio Vargas (atual Avenida Luiz Eduardo Magalhães) na cidade de Cícero Dantas, foi adaptado por Zelito Gouveia para receber as instalações do Colégio Cícero Dantas.

A instituição passa a funcionar como filial na Vila de Fátima a partir de 1975 ofertando aos fatimenses o ensino primário (equivalente ao ensino de 6° ao 9° ano atual), onde assim permanece por 12 anos, até 1987. Essa etapa do ensino, era exclusiva para aqueles que podiam pagar. Para os demais, a opção era estudar na escola Estadual Nossa Senhora de Fátima (fundada em 1952 na gestão de Abelardo Vieira) que ofertava o curso pré-escolar, equivalente atualmente ao ensino de 1° ao 5° ano.

O curso de Magistério acabou vindo para Fátima através da Professora Marilene Santana Silveira, que já atuava como “professora leiga” na cidade desde 1975. Com o objetivo de se qualificar na carreira de professora, Marilene começou a estudar em Cícero Dantas, com uma turma de outros jovens estudantes, fretavam um carro e iam todas as noites até a cidade vizinha, enfrentando os 18km que separam Fátima de Cícero Dantas, ainda com estrada de chão. No inverno, as dificuldades corriqueiras como falhas mecânicas, pneus furados e outras, se somavam à lama que tomava conta da velha estrada.

De acordo com Marilene, em conversa com Zelito Gouveia, veio o aval para trazer o curso para Fátima utilizando a antiga estrutura já existente na cidade. A condição imposta por Zelito Gouveia teria sido que a própria Marilene assumisse toda a burocracia e administração do Magistério em Fátima.

Conhecendo bem as dificuldades do deslocamento para fins de estudo de Fátima à Cícero Dantas, após a formação, Marilene viu a oportunidade de trazer o curso para Fátima, o Curso Técnico em Magistério veio para Fátima ainda ofertado como ensino particular. Funcionou até 1987.

Em funcionamento, o Magistério conduzido por Marilene tornou-se referência regional, atraindo, alunos das cidades vizinhas em busca de formação profissional.  Aquelas primeiras turmas de professores formadas em Fátima, no futuro, seriam os condutores da educação do município.

Com a emancipação política de Fátima, iniciada efetivamente a partir de 1986, o município passa a gerir suas próprias instituições. São organizadas e estruturadas órgão públicos e passa-se a existir a necessidade de ofertar aos seus cidadãos o ensino oficial municipal.

O pequeno prédio escolar que já funcionava onde hoje é a Escola Municipal Professora Idivania de Oliveira Menezes, dispunha de estrutura consolidada, porém, já no ano de 1987, não contava com muitos alunos no âmbito do ensino particular e Zelito Gouveia acabou optando por vender o prédio para a prefeitura de Fátima.

Naquele mesmo ano, o município adquire por compra, o prédio escolar do Colégio Cícero Dantas. O nome da nova unidade serie escolhido pelo prefeito João Maria de Oliveira. Como militar, escolhe o nome do Marechal Floriano Peixoto, nome esse que refletia muito mais a admiração do gestor pelo Marechal do que uma identificação com o nome do homenageado a qualquer temática ligada à educação como um todo.

Em 1988, o Floriano Peixoto foi transferido para o prédio da antiga Escalo Municipal José Sarney em virtude das obras de ampliação no prédio da unidade. Em 1989, voltou a funcionar no prédio de origem, de onde nunca mais saiu.

          No dia 29 de janeiro de 1987, o prefeito João Maria de Oliveira e a secretária de administração Claudinei Batista Santana, assinam o primeiro plano de carreira do magistério municipal, após a aprovação pela câmara.

          No documento, institui-se os cargos comissionados ligados à educação como sendo de três categorias: Direção, Supervisão e Docência, cujo provimento de vagas se dava por nomeação ou contrato.

          A nomeação, nesse caso, também era via do concurso público que estava sendo organizado pelo município recém-criado. 

No diário oficial do Estado da Bahia de 12 de fevereiro de 1992, sai a autorização para o funcionamento. Naquele mesmo ano, uma descrição da estrutura física da escola é feita.

Com o título simplório de “Sobre o Prédio”, o texto sem autor definido consta nos arquivos atuais da escola, não é indicado em suas linhas o objetivo pelo qual foi redigido e assim descreve a estrutura da época:

 

A escola está localizada numa avenida ampla e de fácil acesso para todos. possui um amplo espaço que serve como estacionamento para mais ou menos 100 (cem) veículos.

A área total do terreno da escola corresponde a 6.368,51 metros quadrados, com uma área construída de 1.645,25 metros quadrados; construção feita com bloco de cimento e tijolos comuns, reboco fino, massa corrida, pintura com tinta base d’água, piso de cerâmica.

 

Conforme planta arquitetônica em anexo, a escola possui 8 salas de aula, uma sala para biblioteca, uma sala para diretoria, uma sala para coordenação pedagógica, uma sala de computação, uma para supervisão do estágio, uma sala para a secretaria, dois banheiros na área administrativa, uma cozinha na érea para oficina pedagógica, uma sala para almoxarifado, uma cantina com refeitório, um auditório, uma área livre coberta, quatro banheiros para uso exclusivo dos alunos, uma quadra de esportes.

 

Quando o município assume a unidade escolar, já rebatizada de Escola Municipal de 1° e 2° graus Floriano Peixoto, era ofertado apenas o ensino de 1° a 4° séria, na gestão escolar da professora Marilene. A partir de 1998, já com Edimilson Souza como gestor, inicia-se o funcionamento escolar com a modalidade de 5° a 8° série, já na gestão do prefeito Eduardo Pires.

Em março do ano 2000, a escola solicitou autorização para funcionamento do ensino médio, pedido respondido a 30 de março daquele ano pelo ofício 040/2000. Na correspondência, a técnica da secretaria de educação do estado, Terezinha Froes Burnham, alega precariedade na estrutura física da escola e emite parecer negativo.

A autorização para o funcionamento do 2° grau só foi concedida em 1992, após árduo processo de junção e envio de documentação comprobatória encabeçado pelo então gestor escolar Edimilson Oliveira Souza.


No dia 14 de maio de 1996, o prefeito Eduardo Pires de Andrade assina a lei municipal que autoriza formalmente a mudança de nome da escola, essa lei, na prática, formalizava a inclusão do termo “Escola de 1° e 2° Graus” à nomenclatura “Floriano Peixoto”.

 Os desafios para a autorização da escola junto à secretaria do estado eram inúmeros e sempre dificultado pelo distanciamento do órgão estadual em relação ao município tanto de ponto de vista geográfico quanto do ponto de vista das necessidades e particularidades da educação local.

De acordo com o professor Edimilson, não existia rede municipal de educação, sendo o ensino do município atrelado à DIREC 11. Assim, todos os trâmites legais referentes ao ensino deveriam ser resolvidos na esfera estadual, o que amarrava as tomadas de decisões e, por consequência, toda a rede.

A partir de 1998, com a sansão da Lei 220, de 02 de outubro, que disciplinava a organização do Sistema Municipal de Ensino de Fátima, é dado o primeiro passo no sentido de dar autonomia ao município com a criação do CME, o Conselho Municipal de Educação. Ainda de acordo com Edimilson, o CME ainda não era autônomo, era um órgão propositivo e consultivo, mas não normativo. O mesmo poderia ser dito da Secretaria Municipal de Educação, que poderia deliberar sobre questões pontuais, mas precisava se reportar ao representante do Estado.

Essa dependência é superada com a lei 220, de 02 de outubro de 2001, que disciplina a organização do Sistema Municipal de Ensino de Fátima. É essa legislação que cria, de fato, um sistema municipal de ensino e traz autonomia total.

Em 2001, a lei 221, altera a lei 178 (25 de novembro de 1998) e reestrutura o CME, dando a esse órgão o caráter de colegiado. É a partir daí, que sob a presidência do mesmo Edimilson Souza, muitos avanços são registrados na educação do município.

O nome Escola Municipal de 1° e 2° graus foi oficialmente abandonado no dia 2 de dezembro de 2015, quando foi sancionada a Lei 426 pelo legislativo municipal. O projeto, de autoria do vereador Fabio José Reis de Araújo, determinava que a escola passaria a se chamar, a partir daquela data, Escola Municipal Professora Idivania de Oliveira Menezes a partir do dia 1 de janeiro do ano seguinte e foi assinado pelo então prefeito Florisval Nunes Santana.

A nova nomenclatura tinha por objetivo homenagear a Professora Idivania de Oliveira Menezes, servidora pública municipal, que atuou como professora da instituição (1996 a 2000) como diretora em duas oportunidades (2001 a 2007 e 2011 a 2014). A professora Idivania faleceu precocemente no dia 21 de dezembro de 2014, enquanto ainda exercia a função de diretora da escola. Sua morte, aos 39 anos de idade, abalou a todos os colegas de trabalho e amizades firmadas ao longo dos anos.


Termo de doação e termo de compra do terreno.

 

No dia 26 de novembro de 1985, foi lavrado o termo de doação de um terreno, o doador foi Miguel Arcanjo da Silva e sua esposa Maria de Lourdes Silva, residentes na Lage da Boa Vista. A propriedade do casal era de 12 hectares, da qual, de acordo com documento cartorial, foi desmembrada uma área de mil e duzentos metros quadrados, cujos limites margeavam a antiga avenida dos Rodoviários. Os limites do dito terreno eram:

 

Ao sul, com a avenida do Rodoviário, ao poente e ao norte, com o os doadores e ao nascente com José Valter Cardoso de Oliveira.

 

Em valores da época, o terreno estava avaliado em 5 milhões de cruzeiros, a área construída seria ampliada mediante compra de mais uma área de terras adjacente. O terreno de dois mil e quinhentos metros quadrados foi adquirido do casal Eliezer Cosme dos Santos e Marizete Maria Santos, os limites do dito terreno eram os seguintes:

 

Localizado no perímetro urbano da cidade de Fátima, Bahia, confrontando ao norte com a BA 2020, medindo 44 metros, ao sul com a Travessa Maria Preta, medindo 35m, ao leste com a Rua Maria Preta, medindo 46m e a oeste com a terra dos vendedores, medindo 80,3m

 

O terreno foi vendido a um valor total de 8 mil cruzeiros, venda consumada em 25 de setembro de 1998.

         

 

AGRADECIMENTOS:

·       Marilene Santana Silveira

·       Edimilson Oliveira Souza

·       Juan Kléber Menezes;

·       Eduardo Pires de Andrade;

·       Cidney Andrade Nascimento;

 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Calúnias do passado na Vila do Bom Conselho.


 

No dia 2 de novembro de 1892, uma abastada família do Bom Conselho comprava um espaço no jornal impresso denominado JORNAL DE NOTÍCIAS, com sede em Salvador sob o desejo de defender a honra de um dos seus membros e, por consequência, a honra de toda a família Gonçalves de Souza.

Dias antes da nota no dito jornal, João Gonçalves de Sousa, morador nascido no Bom Conselho, se dirigia à capital portando certa quantia em dinheiro, o objetivo da viagem era fazer compras para o seu comércio e trazer víveres para os seus conterrâneos. Era uma viagem longa, cansativa e dispendioso.

Na altura do município de Alagoinhas, houve um roubo de animais e o sertanejo foi acusado de ser o malfeitor.

Não se sabe se João Gonçalves foi ou não o praticante do crime, o que ficou para a história, foi a indignação dos seus familiares com o ocorrido. Tamanha foi a revolta da família que um dos seus irmãos procurou o periódico para publicar a nota e esclarecer que em sua família não havia ladrões.

Não satisfeito, a família Gonçalves recolheu notas do Juiz da cidade, do Juiz de Paz, do promotor e do padre, afirmando a boa conduta do rapaz. Todos esses depoimentos foram publicados na nota, a fim de dar veracidade ao que diziam.

O padre Vicente Martins, que estava no Bom Com Conselho já fazia nove anos, assim escreveu:  

 

Atesto que o procedimento do suplicante, já como pai de família, já como comerciante, já como empregado público, é ótimo.

 

Bom Conselho, 1° de novembro de 1892.

 

Esse é um fato que aparentemente não tem muita importância histórica, mas que é uma amostra muito interessante para entendermos as regras de conduta e demais facetas sociais de quem viveu no sertão nessa época.

 

terça-feira, 29 de abril de 2025

Escravidão no sertão. O Fundo de Emancipação Nacional em Cícero Dantas, Bahia.

 


Criado no âmbito da Lei do Ventre Livre em 1871, o Fundo de Emancipação Nacional foi mais um aspecto da política abolicionista, um instrumento financeiro que visava financiar a alforria de cativos e dar suporte a libertos nos primeiros anos de emancipação.

          A lei 2040, previa a compra da liberdade de escravizados financiados pelo próprio Estado Imperial. Os recursos eram oriundos de impostos como o do açúcar e liberados em forma de cotas para os municípios brasileiros. Esse dinheiro, uma vez destinado a cada município ou vila, era pago aos proprietários dos cativos selecionados para receber a carta de alforria.

          A seleção desses homens e mulheres para receber a tão sonhada liberdade, era feita por junta de classificação municipal, composta pelo promotor público, do coletor e pelo presidente da câmara local.

          Infelizmente, existem inúmeros relatos de favorecimentos de partidários políticos, familiares e amigos dos integrantes das juntas de classificação, até mesmo de superfaturamento nos preços das alforrias, o que não elimina os benefícios dessa política pública nos anos derradeiros da escravidão.

          De acordo com o relatório de presidente de província da Bahia de 1887, um ano antes da promulgação da Lei Áurea, o município de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) teve um total de 22 libertos pelas cotas do Fundo. Os custos para os cofres públicos para a província da Bahia nesse ano superaram os 142 mil Réis. Dessa quantia, 13 mil e 170 Réis foram destinados à Cícero Dantas.

          Em algumas localidades da Bahia, a cerimônia de entrega das alforrias aos escravizados tomavam ares festivos, chegando-se até a festividades com ornamentação dos prédios das câmaras, fogos de artifícios e música para celebrar a libertação. Essas festividades serviam como instrumento de pressão para a finalização definitiva da escravidão no Brasil.

          O relatório em questão é assinado pelo então presidente da província da Bahia, o político pernambucanos Theodoro Machado Freire Pereira da Silva, que ocupou o cargo entre os anos de 1885 e 1887.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Ângelo Lagoa segundo a IA

Imagem gerada por IA

Essa é a imagem de Ângelo Lagoa, criada pela Inteligência artificial.

Ângelo José de Souza, nasceu em 1868 e faleceu em meados dos anos 1950, é desconhecida qualquer fotografia sua. Casado com Porfíria Maria de Jesus, Ângelo Lagoa é considerado o fundador da cidade por que no entorno da sua casa iniciou o arruado que viria a se tornar Fátima. O casal teve 15 filhos, todos nascidos na Praça Ângelo Lagoa, muitos deles, ainda no século XIX, como Emília Maria, nascida em 1894, antes da Guerra de Canudos. A descoberta dessas dados, permite inferir que Ângelo construiu a primeira casa na atual praça por volta de 1885


 

terça-feira, 8 de abril de 2025

Sergipe e Bahia disputam território no sertão


Desde o período colonial, acalorados debates são travados na definição dos territórios que pertencem a um e ao outro estado e, a bem da verdade, essa história ainda rende comentários, haja vista que, mesmo nos dias atuais, a linha fronteiriça entre Bahia e Sergipe ainda é contestada.

          Em 2017, autoridades dos dois estados abriram discursão acerca do tracejo da fronteira. Entendendo que áreas de municípios como Fátima, Bahia e Poço Verde, Sergipe (para ficar apenas em um exemplo), precisavam ser revistas. No caso citado, Sergipe alega que parte dos territórios do Bomfim e Riacho das Pedras, pertenceriam, por direito, ao município de Poço Verde e, por consequência, ao estado sergipano.

          Essa definição é muito complexa devido a ausência de precisão em tratados antigos. Documentos do século XIX, por exemplo, colocam a Serra do Capitão como área limítrofe entre os municípios de Cícero Dantas e Sergipe, colocando Paripiranga como pertencente àquele estado.

          Outro capítulo dessa história ocorreu em primeiro de abril de 1827, quando a câmara municipal de Itapicuru, escreve a D. Pedro I.  Na oportunidade, a elite local se mostrava indignada com a proposta da província de Sergipe de estender o seu território até as margens do rio Real. Se essa proposta tivesse sido acatada, toda a área que envolve a margem esquerda do Real até o São Francisco seria passada a Sergipe, mais que dobrando o seu tamanho atual.

          Com essa demarcação, as fronteiras sergipanas abarcariam municípios como Macururé, Campo Formoso, Curaçá, Rio Real, Ribeira do Amparo, Ribeira do Pombal, Tucano, Euclides da Cunha, Paulo Afonso, Glória, Jeremoabo, Fátima, Adustina, Cícero Dantas, Paripiranga e muitos outros.

          Essa novela, contudo, não se encerraria por aí. Segundo Carregosa (2019), em finais do século XIX e início do século XX, houve um fortalecimento dos interesses sergipanos nesta região com a chegada do padre João de Matos Freire de Carvalho, natural do vizinho município sergipano de Simão Dias, à paróquia de Patrocínio de Coité (Paripiranga). As ações do vigário em favor da anexação desta área em litígio por Sergipe foram significativas. Segundo este autor, a partir de 1904, o religioso fez um estudo no Instituto Histórico Geográfico do Estado de Sergipe (IHGS) que culminou em um manifesto publicado em 14 de setembro de 1904 em Paripiranga em favor da anexação. “O vigário teria feito viagem pelo sertão com binóculo, mapa e documentos históricos dos verdadeiros limites” (CARREGOSA, 2019, P. 152).    

A Viagem a que o autor se refere é uma visita feita pelo padre João de Matos à Serra do Capitão, localizada no atual município de Adustina, este também integrante da zona de contestação explicitada no mapa, em 22 de dezembro de 1904. Na oportunidade, o vigário se convenceu de que essas terras deveriam pertencer geograficamente à Sergipe.

A atuação do padre, de acordo com Carregosa, provocou o protesto das lideranças locais que não estavam interessadas nos resultados oriundos deste litígio. Tendo o intendente de Patrocício do Coité à época, Joaquim de Matos, e representantes do poder legislativo municipal, encaminhado um manifesto ao governador da Bahia, José Marcelino, comunicando a intenção das autoridades políticas de Paripiranga de permanecer habitantes do estado da Bahia. O decreto foi encaminhado pelo governador para publicação em diário oficial na edição de 20 de novembro de 1904.

O referido autor nos conta ainda que, em 1913, quando inicia-se as discussões para o desmembramento do município de Coité do vizinho Anápolis (atual Simão Dias), a situação toma proporções maiores e mais graves. Na época, militares sergipanos chegaram a ocupar áreas do território baiano, levando o intendente do Coité a telegrafar para o então governador da Bahia J.J Seabra em 6 de janeiro de 1914.

A notícia da ocupação sergipana enfureceu a cúpula do poder político baiano incluindo o então senador Ruy Barbosa que protestou com veemência acerca da atitude sergipana. O governador Seabra reagiu e o conflito foi provavelmente evitado nos bastidores da política sob a tutela da forte influência baiana no Rio de janeiro. Quando os cinquenta praças da polícia baiana chegaram à Paripiranga, as tropas de Sergipe já haviam se retirado.

O governo Seabra, envia então um emissário para a região, Braz do Amaral, fez meticulosa análise da situação local, reunindo-se com políticos de ambos os lados entre 1913 e 1914 e concluindo que a Bahia precisava “cuidar melhor da região” para evitar novas investidas do estado vizinho. O conflito, no entanto, foi definitivamente encerrado por Getúlio Vargas que decidiu a questão em favor da Bahia como uma espécie de agradecimento pelo envio de tropas baianas para combater ao lado do governo federal na guerra de 1932 contra os paulistas.

          Braz do Amaral foi um personagem importante nessas disputas. Trabalhando para o governo Seabra, o médico fez viagens ao Rio de Janeiro nos anos 1920 para visitar arquivos e produziu um relatório que veio a legitimar grandes áreas de terras em litígio favorecendo a Bahia.


Moisés Reis, Professor há 24 anos do município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História - O Nazista - Fátima: Traços da sua Histórias - O Embaixador da Paz - Maria Preta: Escravismo no sertão baiano – Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade - da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense.



 

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quarta-feira, 12 de março de 2025

Corisco na Fazenda Barriguda.

 

Corisco.

A Fazenda Barriguda é hoje parte da sede do município de Fátima, fica próximo ao Pisa Macio e faz fronteira com a Maria Preta. No século XIX, essa propriedade foi adquirida pela família Dantas, em 1856, ela aparece registrada em nome de João Dantas dos Reis, pai do Barão de Jeremoabo.

          A propriedade foi herdade pelo Barão e após a sua morte, em 27 de outubro de 1903, passou ao seu filho mais velho que ficou com essa fazenda e mais 34 propriedades no sertão baiano.

          Quando o cangaço passa a ser uma dura realidade para a Bahia, a partir do final de 1928, quando Lampião e sete dos seus homens cruzam o São Francisco e passam a atuar mais ativamente em território baiano, João da Costa Pinto Dantas era o maior proprietário de terras da região e como tal, foi assediado por cangaceiros que tentavam extorquir dinheiro do rico fazendeiro.


João da Costa Pinto Dantas.

Uma das formas clássicas de extorsão por parte dos cangaceiros era o envio de bilhetes com um linguajar rústico, dotado de ameaças sutis ao destinatário. Foi o que Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco) em 1932, quando, de local ignorado, envia a João Dantas a seguinte correspondência, transcrita por André Dantas, descendente do barão:

 

          Ilmo Exmo Sr Dotor  joão da Costa pinto dantas u fim desta carta he somente pedir A Vx que mi mande a cantia de 5$000000 Cinco Conto de Reis se o Sr não ignora porquei não possoo trabalha .................. sustentar meus rapazes se o governo não me deixa trabalha portanto peço mi mande como Sem falta espero resposta tão logo que Receba eu procuro para a fazenda Barriguda

 

Sem mais nada

Cristino Gomes da Silva

Vulgo Curisco



          Para nós, fatimenses, a novidade neste bilhete está em sua parte final, que tem a finalidade de combinar com o destinatário, o local de entrega do dinheiro solicitado pelo bandido Corisco. Como se pode observar no texto, Corisco combina a entrega na Fazenda Barriguda, o que demonstra que ele e seu grupo se encontrava nas proximidades.

          Esse documento, com efeito, é a primeira evidência clara da presença do Diabo Loiro, segundo homem na hierarquia do cangaço, em terras Fatimenses. Essas informações, como dito, foram retiradas do processo movido pelos advogados de João da Costa Pinto Dantas contra Lampião. Esse documento me foi gentilmente enviado pelo amigo Robério Santos.

         

Moisés Reis, Professor há 24 anos do município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História - O Nazista - Fátima: Traços da sua Histórias - O Embaixador da Paz - Maria Preta: Escravismo no sertão baiano – Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade - da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense.


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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A despedida de Correinha da Zabumba.

 

            No último domingo, 2 de janeiro de 2025, Fátima foi palco de uma genuína manifestação cultural que marcou a despedida do mais famoso vaqueiro da cidade. Enquanto vivo, Pedro Correia de Andrade, ou simplesmente Correinha da Zabumba, com era conhecido, dedicou sua vida às expressões da cultura do gado.

          Descendente de antigos vaqueiros e criadores de gado, Correinha, estava sempre acompanhado de algo que demonstrasse o seu apreço a essa arte. Assim, organizou inúmeras missas de vaqueiro, com aboiadores, zabumbas e flautas que soavam ao som do pífano.

          Já na velhice, escreveu cartas e deixou bem claro aos familiares que não queria tristeza em seu velório, recomendou que chamassem cantadores de forró, aboiadores e que em sua despedida houvesse festa.

          Quem já precisou enterrar um ente querido pode imaginar o sacrifício que foi para os familiares que, mesmo enlutados, precisaram cumprir com esse último compromisso, mesmo chorosos, os filhos e filhas, netos e demais parentes fizeram valer a última vontade de Correinha.

Seu sepultamento refletiu o que foi a sua vida, a cidade encheu-se de uma estranha alegria com a presença de carros de boi, vaqueiros montados e trajados coma clássica indumentária, ouviu-se o som inconfundível do berrante de sua filha Marlene, o foguetório insistente, o forró cantado em carros de som que anunciavam o momento singular.

Não se esperava menos do dia em que Fátima teria que se despedir de Correinha, sua família fez valer a personalidade irreverente e única do velho vaqueiro que agora descansa em paz ao lado da sua esposa Nininha. Seu repouso, contudo, não foi no tradicional cemitério dos Correias na Lagoa da Volta, localidade habitada pela família a quase duzentos anos. Questões familiares que não nos cabem discussão impediram esse final.

Toda a família e a comunidade fatimense se despediu do corpo físico de Correinha neste domingo, mas o seu legado e a memória que deixou pra traz continuará povoando o imaginário popular, suas histórias engraçadas continuarão a ser contadas e a tradição já segue adiante com suas filhas e netas.

          As gerações futuras certamente contarão histórias sobre o dia em que a cidade parou para ver um sepultamento diferente de tudo o que já se viu, diferente como foi a vida do seu personagem principal.