Lampião em Ribeira do Pombal, Bahia. Foto: Alcides Fraga. |
O acervo documental das forças policiais do Estado da Bahia guarda valiosa documentação que remonta aos tempos imperiais, tendo como um dos destaques, os documentos produzidos no transcorrer dos combates contra os grupos de cangaceiros.
Certamente, o nome de Lampião é um dos mais citados nessa papelada produzida por relatórios, ofícios e telegramas. Como se sabe, o primeiro enfrentamento entre uma volante baiana e o grupo de Lampião recém chegado Estado se deu em 27 de dezembro de 1928, quando, na Vila do Massacará, se dá o intenso combate entre o grupo principal de cangaceiros e a força comandada pelo tenente José Joaquim de Miranda, o “Bigode de Ouro”, que faleceu na ocasião.
Um dado interessante acerca desse combate é que o nome “Lampeão” só seria citado oficialmente nos arquivos da polícia da Bahia cerca de 10 dias depois, conforme se depreende do documento a seguir, retirado dos arquivos da PM/BA.
O Sr. Comandante Geral da força, em seu boletim de ontem, louva ao segundo sargento desta unidade, de N° 14, Manoel dos Santos Vieira, pelo motivo heroico com que se portou, na manhã de 7 do corrente no encontro que teve com o celebre bandido Lampeão no lugar denominado abóboras, município de Jaguary. (10 de janeiro de 1920)
Essa demora em oficializar o combate ao grupo de cangaceiros que já atuava há dias em terras baianas pode ser explicada pelo fato de que, para as autoridades policiais do Estado, o cangaço ainda era algo relativamente distante. A Bahia se via como uma área livre do problema e que “cangaço” era problemática específica dos demais estados da região Nordeste.
Esse entendimento, ao que parece, perdurou mesmo com o bando de Lampião andando livremente por povoações e cidades como Pombal (foto acima), Tucano, Euclides da Cunha, Cícero Dantas, Sítio do Quinto e outros.
Ignorar um problema de segurança pública dessa magnitude, contudo, não era possível. Logo, as autoridades baianas foram obrigadas a quebrar a inércia e agir contra o banditismo agora materializado em nomes como Corisco, Mariano, Ezequiel e o próprio Lampião.
Não demorou muito até que as forças policiais começaram a ser montadas, oficiais foram designados a vir ao semiárido e buscar alternativas de combate. Uma das opções para aumentar o contingente, foi o ingresso de locais, homens acostumados ao clima e aos demais desafios dessa região.
As tropas receberam os chamados contratados, homens rudes, cuja única forma de justiça que conheciam era a vingança violenta. Acostumados a uma sociedade marcada pela dureza da vida, eram esses homens violentos, de métodos de atuação verdadeiramente brutais.
Acerca dessa característica dos contratados, Optato Gueiros, oficial alagoano, certa vez afirmou:
Comandei verdadeiras feras. Tínhamos o direito, as vezes, de alistar civis sertanejos, que depois, apesar de serem efetivados como soldados, nada conheciam da disciplina, nem qualquer outra instrução, a não ser o manejo do fuzil para atirar. Uma tropa, composta dessa gente, naquele tempo, só não era mesmo cangaceiro porque não se consentia que matassem e furtassem, mas o desejo de fazer isso alguns deles tinham.
Do trabalho de inteligência da polícia da Bahia, no sentido de combater o banditismo, surgiram os centros de operações da recém-criada companhia de Forças em Operações no Nordeste, sob a sigla FONE. Outra iniciativa da polícia da Bahia, foi a criação de estações de rádio para comunicação das tropas, conforme se pode observar no ofício abaixo:
Por conseguinte, teve início este eficiente serviço com a instalação de três estações apenas, que logo entraram em funcionamento sob entusiasmo geral, contempladas as cidades de Bonfim, Uauá e Jeremoabo.
A área semiárida do estado foi dividida em seis grupos de destacamento com sede em Bonfim, Juazeiro, Uauá, Tucano, Jeremoabo (sede do comando) e Santo Antônio da Glória. Além disso, havia os destacamentos volante, mais ágeis, com mobilidade suficiente para atender rapidamente às diligências.As volantes baianas se celebrizaram pela atuação no cangaço, entre os nomes mais proeminentes estão Zé Rufino e Felipe Borges de Castro.
Enquanto José Osório de Farias, o Zé Rufino, era um autentico caçador, um guerreiro das caatingas acostumado a combater violência com violência, o capitão Felipe Borges de Castro, se notabilizou pelo seu viés humanitário.
Estudioso do tema cangaço e do sertão enquanto palco principal do fenômeno, o Capitão Felipe, como era conhecido, chegou a propor abordagens de não-violência como ferramenta de combate ao cangaço.
Em relatório enviado ao comando, chegou a afirmar:
[...] dos estudos feitos por esse comando, no distrito de Bebedouro, município de Geremoabo, quando de sua viagem daquela zona, resulta falar com segurança acerca do abandono que se encontrava, aquela terra, a infância cujo vida estar condicionada aos horrores do Cangaço criminoso. Não há escolas, nem oficinas, nem arados. Ali, só o bacamarte, conduzido por mãos assassinas, doutrinado exemplifica. IV a escola, para o cujo funcionamento despende o governo certa importância, vive fechada. V – o passatempo favorito das crianças naquela zona, é imitar os cangaceiros nas vestes, nas artes. Merece lembrado um fato há bem pouco tempo ocorrido, em Geremoabo, cujo desfecho fatal, tivemos de lamentar e até agora consterna os corações daquela gente; brincavam Raimundo e Miguel, quando este fingindo-se bandido empunho uma arma encontrada sobre a mesa de jantar, da sua casa de sua residência, e dispara-a, inocentemente, contra o seu companheiro. Eis senão quando, o infeliz moço, estarrecido pela brutal surpresa, ouve ao deflagrar inesperado da arma, o aterrador estampido e, em seguida, vê, diante de si, tombar sem vida, ao solo, o seu amigo e vítima. Sequência senão deste, mas de outros fatos criminosos se tem verificado em Bebedouro, como produto natural do meio. VI – finamente, senhor comandante, para que se tenha, de passagem, uma leve impressão do que seja Bebedouro, atualmente, basta, sabe-lo fornecedor de vinte e dois bandidos cujos nomes vão na relação anexa. VII – saúde e fraternidade. (Ass.) Capitão Felipe Borges de Castro – comandante. (P. 276, 1940).
Esse oficial, chegou a sugerir aos superiores que criassem instituições de correção, onde os sertanejos flagrados em algum envolvimento com cangaceiros, pudessem receber apoio do estado, formação profissional e ser redirecionados para o bom convívio em sociedade, mas suas ideias foram taxadas de utópicas.
O Capitão Felipe Castro, teve importante papel nas entregas do bando de Labareda em 1940, quando, ao lado Monsenhor José de Magalhães e Souza, conseguiu negociar com o arisco Ângelo Roque e seu bando, ação que resultou na rendição desses. Chegou a tentar, ainda na companhia do mesmo religioso, negociar a rendição de Corisco, mas sem êxito.
Relutante em se entregar, Corisco fez pouco caso dos métodos pacíficos do Capitão Felipe e conheceria a brutalidade dos métodos de Zé Rufino meses depois.
Contato |
|
Fone |
75 – 99742891 |
E- mail. |
moisessantosra@gmail.com |
Nenhum comentário:
Postar um comentário