Moisés
Santos Reis Amaral [1]
O
QUE FOI O MOVIMENTO DE SANTA BRÍGIDA?
A
socióloga carioca Maria Isaura Queiroz[2], realizou, em 1955, um
estudo que versa sobre a comunidade agrícola e religiosa fundada no sertão
baiano nos anos 1940, no qual afirma que Padro Batista, o seu líder religioso,
era alagoano. Embora ainda existam algumas dúvidas acerca de onde Pedro Batista
da Silva teria nascido, essa é a hipótese mais aceita pelos estudiosos e
entusiastas do movimento fundado por ele nas entranhas do sertão baiano, região
limítrofe com o Estado de Sergipe.
Maria
Isaura Pereira de Queiroz foi uma renomada socióloga brasileira, autora de
obras como “A Guerra Santa no Brasil: O movimento messiânico no Contestado” e
“O Messianismo no Brasil e no Mundo” . Ela
também levantou a existência de nove movimentos messiânicos documentados no
Brasil, ocorridos a partir de 1820, e analisou tanto os trágicos quanto os “bem-sucedidos”,
buscando compreender suas estruturas e dinâmicas. O messianismo, segundo essa estudiosa, não
consiste necessariamente em um apocalipse, mas sim uma ideia de conquista da
alegria e do prazer, em contraposição ao catolicismo do litoral, no qual sacerdotes
(boa parte dos quais estrangeiros) tentam impor aos roceiros do sertão, sua
abordagem dogmática, moral e puritana. O messianismo, nesta perspectiva,
expressa o desejo de transformar a vida cotidiana em uma festa perpétua. Esse
ponto de vista,
embora essencialmente de base católica, envolve outros elementos característicos da gente
sertaneja, como procissões, cavalgadas, desafios de viola,
danças ritualísticas e outras formas de manifestação cultural intrínsecas ao
habitante da distinta zona sertaneja, marcada fundamentalmente pela cultura do
gado vacum.
Batista
não comentava sobre sua vida pregressa com os seus romeiros (como ficaram
conhecidos os seus seguidores) tomando para si um ar de misticismo, como se
tivesse nascido de uma forma extraordinária. O movimento criado e comandado por
ele em Santa Brígida era um autêntico representante do messianismo, como os
ocorridos em Canudos e em Juazeiro do Norte, por exemplo.
Era
um homem vivido, tendo servido ao exército e conhecido o sul e sudeste do país,
embora fosse analfabeto. Afirmava que uma visão divina o fizera retornar ao
Nordeste e passado, desde então, a peregrinar pelo sertão da Bahia, Sergipe,
Alagoas e Pernambuco. Ficou conhecido por dar conselhos à população e por curar
pessoas com orações, isso o trouxe fama entre a gente pobre e simples, de santo
milagreiro.
Chegou
à Santa Brígida por volta de 1945, na época, a localidade pertencia a
Jeremoabo, era um lugarejo de difícil acesso, formado por apenas algumas
dezenas de casas esparsadas entre si. Entre a população local, é comum o
entendimento de que, no advento da chegada de Pedro Batista, o arruado de Santa
Brígida não passava de vinte casas de taipa rodeadas pela caatinga bruta.
Por
esse tempo, o Coronel João Gonçalves Sá[3] era o líder político
inconteste daquela área e como tal, não o interessava qualquer tipo de
instabilidade ou insurreição, o que provavelmente o fez observar com certa
atenção a chegada do beato e o crescimento do povoado de Santa Brígida com a vinda
de muitas pessoas de todo o Nordeste, atraídas pela figura de Pedro Batista.
A
habilidade política e perspicácia de João Sá, todavia, logo o fizeram perceber
que poderia ser vantajoso se aliar ao “Padrinho” (como os devotos se referiam ao
beato), pois assim poderia, ao mesmo tempo, vigiá-lo de perto e colher os
frutos da sua influência frente àquela gente pobre e sem instrução que inflava
a população do lugarejo nos anos 1940.
Da
relação entre Pedro Batista e João Sá, brotou uma aliança e dessa união surgiram
arrendamentos de terras nas quais os romeiros plantavam diversos gêneros
agrícolas e o surgimento de uma verdadeira potência regional da produção de
Gêneros da agropecuária, o que fez de Santa Brígida um grande polo regional na
época.
Com a mão-de-obra abundante, havia
sistemática divisão de trabalho, alguns grupos se encarregavam do serviço de
desmatamento, outros do corte da madeira e outros ainda do plantio, essas
forças de trabalho organizadas e motivadas pela devoção, eram muito produtivas
e as terras locais passaram a gerar muitos frutos.
Toda
essa produção era comercializada pelo próprio beato, que se tornou um dos
maiores comerciantes de gêneros agrícolas da região. Foram construídos armazéns
para estocar o excedente de produção e até um caminhão foi adquirido pela
comunidade formada pelo Beato. Nesses armazéns os trabalhadores eram pagos
conforme sua produção e função.
O
êxodo constante de sertanejos em direção à Santa Brígida, acabou formando ali
um grande conglomerado de eleitores para o coronel. Quem chegava, era
prontamente registrado como eleitor local e assim, foi-se formando uma
comunidade numerosa, o que aumentava significativamente a influência e o poder
político do Coronel João Sá.
Conforme
os romeiros iam chegando, eram alojados em um loteamento rural adjacente,
acertando prontamente um local para a agricultura de subsistência, uma vez que
a maioria dos que chagavam eram agricultores. Os recém-chegados recebiam o
apoio da comunidade local para iniciar a sua própria produção.
Esse
movimento promoveu uma mudança substancial na estrutura local. As matas foram
transformadas em áreas agricultáveis e a comunidade organizou-se em uma espécie
de cooperativa de trabalho rural sob o comando de Pedro Batista, na qual
mutirões eram organizados e realizavam todo o tipo de trabalho em benefício da
coletividade. A presença de uma liderança com conotações espirituais
deu a essas associações de trabalho uma unidade diferenciada, o trabalho
coletivo era constante e fecundo.
Com o crescimento da população de romeiros na
localidade, uma divisão social acabou por se formar. Os seguidores de Pedro
Batista eram chamados (e assim se identificavam) de Romeiros, enquanto os
habitantes locais, nativos, eram chamados de Baianos. Havia certa animosidade
entre romeiros e baianos, o que levou a alguns conflitos pontuais. Pedro
Batista chegou, conta-se, a proibir a ida de romeiros à missa na igreja dos
baianos. Como veremos a seguir, havia muitas diferenças no que diz respeito aos
aspectos doutrinários entre baianos e romeiros. Essas diferenças gerarão
conflitos com os sacerdotes católicos.
Pedro
Batista incentivou a chegada à Santa Brígida de profissionais que ajudassem a
desenvolver a região, como professores, comerciantes, enfermeiros e outros,
reforçando a ideia de que sua vontade era ver prosperar a comunidade agrícola
da qual era líder religioso no sertão baiano.
Assim,
buscou empréstimos em agências bancárias e investiu na transformação de Santa
Brígida em um grande fornecedor regional de produtos oriundos da agricultura e
pecuária. Embora o beato tenha acumulado patrimônio, os recursos oriundos da
comercialização desses produtos eram revertidos em benefícios à população, uma
vez que não há registro de que o “Padrinho” tenha levado uma vida de luxo, mas,
isto sim, que ele tenha desfrutado de uma vida relativamente confortável,
noentanto, com bastante simplicidade entre sua gente.
Grandes
romarias eram realizadas em Santa Brígida, com centenas de pessoas chegando de
vários estados do nordeste para tomar um conselho, buscar cura para uma doença,
ou simplesmente para estar perto de Pedro Batista. Parte dos que chegavam
ficavam por lá mesmo e contribuíam com o crescimento populacional vertiginoso
nos anos áureos da comunidade.
Muitos
antigos romeiros do Padre Cícero, quando da sua morte, passaram a caminhar para
ouvir os conselhos do beato radicado em terras baianas. Pedro Batista
tornou-se, então, uma espécie de substituto do padre cearense.
A
comunidade ali formada era cristã, portanto, lá não podia vender bebidas
alcoólicas ou cigarros, não havia festas pagãs e o padrão de comportamento era
conservador. Não há relatos também de roubos, furtos e violência, andar armado
também era sumariamente proibido.
Toda
decisão importante, como viajar a trabalho, por exemplo, era antes
compartilhada com o beato e só era tomada mediante a sua aprovação. A
habilidade do beato em dar conselhos gerava muito poder simbólico em torno de
si.
Pedro
Batista chegou a possuir ao menos 4 fazendas, pagava impostos e seguia as
regras da sociedade da época, o que o diferenciava de Antônio Conselheiro que
era monarquista e negava o status quo de sua época.
Em
uma dessas fazendas, criou um núcleo colonial onde trabalhadores e suas
famílias produziam em benefício próprio. Com a ajuda de recursos federais, o
núcleo colonial prosperou tanto que chagava a arrecadar mais que a prefeitura
local anualmente, além de possuir infraestrutura como igreja, pousada, escolas,
hospitais e veículos para o escoamento da produção
Após
sua morte, o vazio de liderança findou por desorganizar as estruturas montadas
pelo beato, alguns candidatos a sucessor tentaram assumir seu lugar, o que
chegou a gerar violência. Assim, toda a organização e prosperidade construída
pelo beato só durou enquanto a sua presença física era percebida. A sua partida
representou o começo do fim.
Hoje
Santa Brígida é mais uma cidade do interior baiano com suas agruras econômicas e
sociais e muito pouco tem daquela comunidade que prosperou em torno da figura
de um beato que tinha visão de prosperidade, mas não planejou e nem preparou a
comunidade para a sua ausência.
Como
era comum nos movimentos messiânicos, havia atritos com a igreja católica. O
Monsenhor José de Magalhães e Souza, por exemplo, teve rusgas consideráveis com
Pedro Batista e é sobre isso que falaremos agora.
O
VIGÁRIO PORTUGUÊS:
José
de Magalhães e Souza nasceu próximo à cidade do Porto, distrito de Amarante,
Portugal, a 19 de outubro de 1885. Estudou no seminário de Braga e foi ordenado
padre em 1908, quando assumiu a Capela de Nossa Senhora Aparecida, no município
de Lousada, ainda em Portugal. No Brasil, antes de chegar a Jeremoabo passou
por Morro do Chapéu, onde esteve de 1915 a 1927, sendo nomeado vigário da
Matriz de São João Batista de Jeremoabo em 18 de março de 1928.
Os
últimos registros conhecidos do Monsenhor Magalhães foram feitos por ele mesmo,
no livro de Tombo de 1947 da paróquia de São João Batista, em Jeremoabo. É
nesse documento que o vigário faz seu último relato de uma doença desconhecida
que o deixava acamado em 1957, dois anos depois, em outubro de 1959, ele registra,
em fala em um evento com outros padres, que pediria ao Bispo para passar um
longo período em Portugal, na mesma fala, ele informa que, em virtude da idade,
temia não ter mais condições de retornar ao Brasil. Tal afirmativa nos
possibilita inferir que ele provavelmente retornou à sua terra natal e não voltou
mais, tendo falecido por lá.
Quando
essa informação foi inserida pelo religioso no livro, ele contava com 74 anos
de idade e estava há 46 anos no sertão, contando com sua estadia em Morro do
Chapéu (1915 a 1927).
O
Monsenhor Magalhães construiu diversas capelas nessa área nordestina e ajudou
fortemente no combate à seca, agindo junto às autoridades por vários períodos
de estiagem, contudo, sua maior contribuição para o sertão foi, sem sombra de
dúvidas, a sua forte atuação como intermediário entre os grupos de cangaceiros
e policiais entre 1938 e 1940, período no qual, o religioso se mostrou
incansável em sua luta para acabar com o cangaço.
Entre
os anos 1940 e 1950, combateu fortemente o movimento messiânico liderado por
Pedro Batista, em Santa Brígida, Bahia. O Monsenhor Magalhães julgava as ações
do beato como “Fanatismo” e fez dura oposição às suas ações religiosas, sendo
um forte crítico do Beato, sobretudo dentro do clero.
Antes de prosseguir, é importante
citar que a sequência desse trabalho está baseada na descoberta dos relatos
feitos pelo Monsenhor Magalhães no livro de Tombo de 1947 da igreja de São João
Batista, em Jeremoabo, Bahia, documentação descoberta, transcrita e
interpretada por esse que vos escreve. O texto foi modificado para que pudesse
ser adequado à norma culta da língua Portuguesa, sem, contudo, prejudicar a
ideia original de quem o produziu.
A primeira referência ao nome de Pedro
Batista inserida pelo vigário em seus registros, data de dezembro de 1946, onde,
aparentemente, ao descrever um velório, escreve o religioso:
Fomos dar
missão neste lugar isolado de tudo para não progredir um fanatismo daqueles
familiares do morto que tem uma atração
por um senhor, Pedro Batista – a quem chama meu “Padrinho Pedro” – que é um
freguês que não é nada mal, não deixa o povo que o acompanha dançar nem jogar
nem beber nem na ociosidade, mas torna-se um perigo se não houver mais certa
cautela pois muitos deles não batizam filhos, não vão à missa e não tomam
remédio, pois chegam ao ponto de só tomarem aquilo o que ele benze (dizem) e,
enfim, obedecem cegamente aos conselhos dele. (Livro de Tombo da Paróquia de
São João Batista, p. 25)
Nesse primeiro trecho, o Vigário
confirma que Santa Brígida era mesmo um lugar completamente ermo em 1946, pouco
após a chegada do Beato, confirmando o que dizem as pessoas do lugar até os
dias de hoje. Em seguida, afirma que Pedro Batista não é uma pessoa má, pois
impõem “Bons Costumes” aos habitantes locais.
No trecho que se segue, entretanto, o
Padre faz contundentes ressalvas acerca do que chama de fanatismo de Pedro e
sua gente, ao tempo em que diz estar alertando as autoridades da igreja sobre
“os perigos” que o beato e sua gente representam:
[...] Enfim
é uma espécie de fanatismo o que nós verificamos pelo seguinte: Entrando-se em
uma casa, as mulheres nos convidavam a ver as imagens que tinham em casa; e
vimos nas paredes uma imagem, digo, um quadro do coração, Nossa Senhora, etc. e
tinha também um quadro pequeno – como tem quase todos – do Padre Cícero Romão
Batista; e nessa altura um terceiro, no meio dos vários que acompanham. Disse:
- Olha seu
padre, conhece este?
- Respondemos:
Conhecemos; é o Padre Cícero;
- Ele
acrescentou: Olha aqui esse outro!
Era outro
quadrinho pequenino que tinha mais abaixo e era do tal Pedro Batista, por onde
vimos que ser (O homem que apresentou as imagens) bom páreo, trabalhador e
sério, mas fanatizado, por assim dizer, por este homem! Este povo só se trata
com esse Sr. Pedro, faz cegamente o que ele manda, não querem de modo algum ouvir
falar em Cristo-Rei e trazem esta mania com Cristo-Rei. (Livro de Tombo da
Paróquia de São João Batista, p. 28)
No ano seguinte, 1947, embora o
vigário se esforçasse para dar um status de normalidade aos
procedimentos eclesiásticos realizados em Santa Brígida, era perceptível o
ambiente tenso. Aqui, o vigário utiliza pela primeira vez a expressão “Povo do
Norte”, se referindo aos seguidores de Batista. No trecho, nota-se que alguns
dos romeiros interagem com o padre e até mesmo ajudam em algumas tarefas, mas a
tensão, como veremos, aumentará:
Abriu-se
a missão
Estando
tudo preparado como era possível, no dia 6 a noite abriu-se a missão: tinha
regular presença da gente de Santa Brígida antiga e algumas do arruado novo, do
povo do Norte, que se prostaram a auxiliar em preparar o santuário, deram a
madeira e prepararam um CRUZEIRO NOVO e algumas das senhoras auxiliaram muito
na casa da hospedagem, levando alguns ovos, alguns presentinhos, deixando água;
alguns dos homens riam conversavam com a gente de vez em quando. (Livro de
Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 29)
Seguindo
a descrição do Monsenhor Magalhães, percebemos a desconfiança de ambas as
partes, mesmo interagindo entre si: “Nos sermões da noite, os homens ficavam
ouvindo e também várias senhoras, se bem que sempre mais afastadas e muito
desconfiadas”.
A animosidade entre Romeiros (ou Povo
do Norte, como foram classificados pelo vigário) devia-se, em tese, por questões
ligadas à liturgia. Enquanto os romeiros professavam a fé cristã, adoravam seus
santos e organizavam seus eventos, o faziam sob a ótica do Beato e o tinham
como figura importante dentro de todo esse processo; já o padre, via em tudo
aquilo, uma afronta às “leis da igreja”, uma vez que, no sertão das primeiras
décadas do século XX, o vigário orbitava entre as principais figuras da
sociedade.
Ao afirmar isso, não estou insinuando
que o Monsenhor Magalhães se enciumava de Pedro Batista em virtude de um
sentimento pessoal e mesquinho, mas se ressentia com todo aquele “culto” à esta
personalidade, por entender que havia ali um exagero (ao que chamou por
diversas vezes de fanatismo) e que, para um homem ocupar papel de destaque
religioso no seio da sociedade, era preciso ser este nomeado e oficializado
pelo clero.
Isto posto, passamos a compreender
melhor a oposição do padre ao culto a Pedro Batista e as suas investidas, no
sentido de trazer aquelas pessoas para perto de si e da igreja. Esse
procedimento era feito por ele e por alguns padres, como veremos, de uma forma
sutil e velada, ao menos na maior parte dessa interação. Aos poucos, o católico
vai buscando entre o rebando de Batista, algumas pessoas dispostas a se
submeter a procedimentos católicos. Assim, toma nota de cada confissão,
casamento ou batizado que consegue realizar entre os romeiros, em uma cruzada
para conquistar as mentes e corações daquelas pessoas que acreditava estarem
sendo desviadas da fé católica pelo fanatismo.
No livro, toma nota:
Continuamos
a missão havendo regular recurso das pessoas, havendo comunhão das crianças,
catecismo, contando-se o ofício de Nossa Senhora na missa da manhã etc.
Auxílio –
devo aqui declarar que nesta missão, havendo recurso e auxílio dos senhores
João Silva, Benicinho e várias pessoas do norte, que muito se interessaram pelo
conforto e para satisfazer aos bons missionários e assim continuou até o dia
10, dia da procissão, conclusão e bençãos. (Livro de Tombo da Paróquia de São
João Batista, p. 30)
Mas
o Monsenhor Magalhães, como dito, não combatia sozinho a liturgia dos romeiros.
Como vários vigários por ali passavam, muitos a convite do próprio Magalhães, revezavam-se
nos sermões e no esforço de dirimir a fé dos romeiros no padrinho e atraí-los
para o culto católico.
Uma dessas vozes foi a do vigário de
Cícero Dantas, Renato de Andrada Galvão. Padre Renato, como era conhecido no
sertão, chegou à Cícero Dantas em 1945, foi um devotado combatente aos efeitos
da seca, sempre buscando recursos para seus paroquianos junto às autoridades,
como o deputado João da Costa Pinto Dantas Júnior, Neto do Barão de Jeremoabo,
com quem trocou diversas cartas, sempre a tratar de assuntos locais.
O Padre Renato tinha forte ligação com
o Monsenhor Magalhães, que o sucedera como vigário de Cícero Dantas entre 1933
e 1936, de 1937 a 1938 e 1943 até março de 1945[4]. Em missão por Santa
Brígida, o Padre Renato emite sua opinião aos romeiros, sermão anotado pelo
vigário de Jeremoabo:
Alerta do
Padre Renato: No dia 12, à tardinha e noite, o Padre Renato, missionário, antes
das bençãos, disse com toda a certeza todas as verdades, sendo uma verdadeira
tristeza para o povo norte – do padrinho Pedro Batista. Disse que agradecia de
todo coração o recurso do bom povo do norte, o cuidado de auxiliarem na casa da
hospedagem o gosto em prosperarem todos o nosso bom cruzeiro, que foi fixado em
frente a capela, mas que – como sacerdote e missionário – não podia deixar de
falar com toda a franqueza, dizendo que se andava muito mal o Sr. Pedro Batista,
pois abusava da fé deste bom povo, que ele estava errado em não querer falar de
Cristo Rei e ir introduzindo esta mania no povo; enfim, censurou os
conselhos do Sr. Pedro Batista, enquanto animou a todo o povo do norte a serem
bons católicos, que não ouvissem a voz do Sr. Pedro, que dizia para que
deixassem de ir a cristo, batizassem e casassem os seus filhos – enfim, que não se deixassem
basear pelo fanatismo que só traz as mais tristes consequências. Enfim,
elogiando o povo de fé dos nortistas e o seu gosto pelo trabalho e pela união,
mas comunicando-lhes com muita clareza o que é a verdade e o que deveriam fazer
se quisessem salvar-se e declarava que tinha de falar assim para o bem das
almas e para que, com o seu silêncio, não ficassem procurando que os padres
aprovem o erro, que o refutam. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista,
p. 35)
O
tom do discurso foi elevado por Renato Galvão. Pelo que se pode ver nos
registros, a estratégia do Monsenhor Magalhães era mais velada e sutil, mas o
padre Renato busca ser mais incisivo nessa fala. Esse parece ser o tom também
adotado por outro vigário da região, Monsenhor Francisco, que veio a suceder ao
Monsenhor Magalhães em Jeremoabo a partir de 17 de maio de 1959.
No
documentário “O Povo do Velho Pedro”, de 1967, dirigido por Sérgio Muniz, o
Monsenhor Francisco faz duras críticas a Pedro e seu povo:
Pedro
Batista chegou, com o sol às costas, seus adeptos começaram a surgir e ele
começou então a pô-los a trabalhar, dentro de poucos anos, após arrendar terras
para trabalhar, ele já pôde comprar terras não pequenas, áreas grandes de
terras.
Não se
pode classificar aquilo ali de religião, acredito eu que Antônio conselheiro
talvez não desfrutasse do prestígio que Pedro Batista desfruta diante dos seus
adeptos. Os laços sociológicos que nos ligam são os mesmos, nós estamos em um
século diferente do de canudos. Não é à toa que se ele mandasse que os homens
pegassem em armas, porque noventa por cento dos homens aptos a brigar se
armariam e marchariam contra qualquer uma das duas cidades. Jeremoabo ou Paulo
Afonso. (Documentário “O Povo do Velho Pedro”. Sérgio Muniz, 1967).
A fala do Monsenhor
Francisco segue a linha dura da oposição aos Romeiros dentro da hierarquia da
igreja. Nas palavras transcritas acima, contudo, temos algo diferente, pois,
foi mais comum, dentro da interpretação da igreja acerca do movimento de Santa
Brígida, a comparação de Pedro Batista com o Padre Cícero e seus devotos.
É importante frisar, com efeito, que o
movimento do Padre Cícero do Juazeiro, não representou uma tentativa de ruptura
social, mas sim, a aquisição de poder além da média por um religioso que se
manteve quase sempre dentro das regras do sistema vigente.
Já Canudos, foi um movimento de maior
impacto político, por fazer oposição ao status quo e comparar Pedro
Batista a Antônio Conselheiro pode representar, por parte do Monsenhor
Francisco, uma tentativa de atribuir ainda mais periculosidade a Batista e seus
seguidores.
Os anos vão se passando e a relação
complexa entre romeiros e a igreja católica segue sendo reportada pelo
Monsenhor Magalhães nos livros.
Em
julho de 1952, ao relatar a chegada de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima,
imagem que foi levada à várias localidades como forma de apresentá-la aos
fiéis, o padre reporta a chegada à Santa Brígida:
Passou a imagem,
vinda do santuário em nossa casa e logo rumamos para Santa Brígida, visitar
aquele bom povo, mas que tem uma espécie de fanatismo com um tal Sr. Pedro
Batista que para eles é um segundo Padre Cícero. Foram ao todo sete carruagens
e lá, ao entrar na rua, foi muito bem recebida a peregrina que foi até a pobre
capela onde ficou algum tempo para o povo fazer as suas orações. (Livro de
Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 89)
30
de julho de 1957, contudo, o Monsenhor Magalhães sobe o tom contra os romeiros
e seu líder. A relação a partir de aqui vai se deteriorando. O vigário abre a
nota com o título “Triste noite”:
À noite,
enquanto rezávamos o terço, quando estava o povo do fanático Pedro Batista
ouvindo na igreja feita por eles e lá fazendo uma tal penitência e assim doentio
o povo se aproximou do vigário da freguesia e sem receberem instrução alguma.
Não posso mais me conformar com essa tapeação que procuram sempre organizar a
todos contra mim, que desde o princípio dizia que aquele homem era perigoso e
que era um sínico fanático, querendo fazer com que os seus romeiros se convençam
que é um 2° Padre Cícero, em pessoa do padre Cícero e assim fazendo que todos
trabalhem para ele, pois na verdade, são uns pobres explorados que não são
senhores da vida, fazendo (ilegível) e permitindo que seu povo se conserve em sua ignorância social que
envergonha o nosso tempo, os nossos homens públicos. (Livro de Tombo da
Paróquia de São João Batista, p. 102)
E
Complementa logo na sequência, reafirma a dificuldade dele, enquanto padre, de
lidar com as diferenças dogmáticas de Pedro Batista:
Mais uma
prova do que digo: No dia da missa de manhã, estando eu a confessar, encontravam-se
perto do altar os pobres fanáticos e 4 perto da porta da capela, do lado de
dentro; certo que não estariam para aproveitar e sim como os contemporâneos
inimigos de cristo, para policiarem o vigário!! Tendo o sacristão descoberto
uma linda imagem de Fátima que trouxe de Portugal a “costume” levar uma vez às
capelas onde celebrar, peguei e coloquei no centro do altar e nessa altura
pessoa de nossa confiança e vários ouviram uma das quatro fanáticas declarar:
Olha, Olha, aquela é a tal Fátima, padrinho Pedro não quer que se olhe pois ela
é a .... (não digo o nome que os filhos não permitem se chamar sua mãe) do
cristo-rei!!! (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 106)
Esse caso da imagem de Nossa Senhora
de Fátima, parece ter sido um dos pontos de choque mais contundentes entre as
partes. A imagem, como dito, teria sido trazida pelo vigário de uma viagem de
férias à Portugal feita no ano anterior e, ao que parece, tinha grande
simbologia para este. A negação por parte dos romeiros provavelmente o
contrariou profundamente.
Ainda a respeito da mesma ocasião,
questiona:
Ora,
depois deste, ainda haverá quem queira contemporizar com tal embusteiro!!! Para
que no futuro, não acusem o vigário de conivência com o erro, aqui declaro que
muitas e muitas vezes falei; expus às autoridades a verdade, lá levei o senhor
Bispo D. José Trindade lhe expondo tudo, etc, etc. e agora acabei de me
certificar de tudo, dos seus procedimentos fanáticos, enquanto rezávamos o
terço a noite a “sofridão” dos fanáticos ao ver-me colocar a imagem de Nossa
Senhora de Fátima no centro do altar. Para eterna memória. Vigário José de
Magalhães e Souza. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 115)
Em
fevereiro de 1958, é feito o relato das questões entorno da igreja recém-construída
pelos romeiros e a oposição do padre continua, entretanto, como veremos, chega-se
a um acordo entre as partes, com a intermediação do engenheiro José Portela,
que conta a mesma história no referido documentário de 1967.
Santa
Brígida – Nota importante: Tendo o Sr. Pedro Batista, que é uma espécie de
fanático, levantado uma capela em Santa Brígida, colocou já lá muitas imagens e
também uma figura do Padre Cícero e “quantas léguas” a capela estar; vem o Sr.
Dr. José “Portela”, engenheiro e diretor do núcleo federal , falar, em nome do
Sr. Pedro, falando para ir benzer a capela; expus-lhe a lei da igreja e a
proibição de benzer figuras que não sejam carimbadas e este, como bom cristão, compreendeu
logo a razão; voltou e fez lá um ótimo apostolado: oferecem todo o apoio para a
capela, conseguiu com o Pedro Batista retirar a figura do Padre Cícero da
igreja ficando sem nenhum nicho no meio da praça (ilegível) o povo e eu tratei
de convidar o Sr. Padre João Evangelista para se colocar lá comigo servindo de
testemunha de tudo e assim para lá
seguimos no dia 2 de fevereiro de tarde, havendo missa vespertina, conseguimos:
confessar ainda bastante gente, batizar alguns filhos dos fanáticos, uns 4
casamentos desse povo. Foi afinal essa reitoria da igreja que se deve em partes
ao apostolado do senhor Dr. José Portela. (Livro de Tombo da Paróquia de São
João Batista, p. 125)
Ainda
a respeito da capela, anota: “Benzi a capela: Com licença presumida do Sr.
Bispo, cuja licença peguei depois de no dia 2, avaliado pelo Reverendo Padre
João, procedi a benção da capela, lavrando-se uma ata e assim se sabendo que
agora sujeita ao Sr. Bispo”.
O Padre Magalhães deixou importante
documentação histórica em seus registros. Assim foi quando atuou como
intermediário para a finalização do cangaço entre 1938 e 1940[5],o foi nesse caso de Santa
Brígida. É comum encontrar nesses escritos do vigário português a seguinte
fala: “Aqui o lanço para a eterna memória”. Uma expressão, a meu ver, utilizada
por quem sabe que participa de algo importante e que, ao registrar, sabe que o
fará para que as futuras gerações saibam o que aconteceu. Essa parece ter sido
a sua intenção ao transcrever a ata de benção da igreja construída pelos
romeiros no livro de tombo, como quem queria garantir que aquele templo ali
erguido fosse sempre parte da jurisdição da diocese. Segue a transcrição da ata
na íntegra, da forma que está registrada no livro de tombo da Paróquia de São
João Batista:
Cópia da
ata: aos dois dias do mês de fevereiro do ano de mil novecentos e cinquenta
e oito, às 17 horas, Nesta vila de Santa
Brígida, sede do distrito de igual nome, no município de Jeremoabo, presente o
Reverendo Monsenhor José de Magalhães e Souza, vigário de Jeremoabo, Padre João
Evangelista de Paulo Afonso, deputado João de Carvalho Sá, Coronel João
Gonçalves de Sá, Manoel de Carvalho, Engenheiro José Alves Portela –
administrador “avícola colonial” de Santa Brígida, digo, de Jeremoabo, Pedro
Batista da Silva, Dr. Clemeones Gomes Pereira, Vicente de Paula Costa, Leandro
Rodrigues Ramos, Antônio Alves Feitosa, subdelegado de polícia, Euclides
Marques da Silva, Juiz de Paz, Professora Maria José Gomes da Silva, regente da
escola local, Dona Maria das Dores dos Santos, Joana Marques da Silva, Antônio
Ribeiro dos Anjos, José Pereira de Carvalho, vereador do município de
Jeremoabo, Antônio Maria de Jesus, José (ilegível) da Silva, João Silva
Sobrinho, José da Silva – Teve lugar a inauguração da igreja de São Pedro,
construída e oferecida ao culto dos fiéis pelo Sr. Pedro Batista da Silva,
sendo o oficiante do referido culto o reverendo Monsenhor José de Magalhães e
Souza, o qual em eloquente e piedosas palavras, salientou o significação deste
momento para os distinos espirituais de Santa Brígida, tendo usado da palavra o
deputado Dr. Carvalho Sá, congratulando-se com a população local pelo grande
benefício que acaba de alcançar. Terminada a inauguração, deliberando-se lavrar
a presente ata que vai por mim escrita e assinada, bem como pelas pessoas acima
mencionadas e outros que se acham presentes. (Livro de Tombo da Paróquia de São
João Batista, p. 128)
Naquele
mesmo dia o padre benzeria as imagens da capela, conforme reportado por ele
mesmo.
Em
junho de 1959, é registrado os preparativos para a festa do padroeiro. São
Pedro foi o santo escolhido em comum acordo entre Pedro Batista e o Padre.
Inicialmente, Pedro Batista desejava escolher são Gonçalo, mas o vigário se opôs.
Foi necessário a intervenção do engenheiro José Portela para a escolha.
Santa
Brígida. Onde houve preparação para a festa de São Pedro que teve lugar no dia
29; todo dia padre Jorge juntava os meninos dos chamados romeiros explicando o
catecismo íamos fazendo várias coisas assim se tendo a esperança de ir
desfazendo o fanatismo com a explicação da doutrina e houve sempre muito
respeito aos atos, bem-organizada procissão no dia 29 e graças a Deus, houve
regular número de confissões e comunhão de alguns romeiros e assim prosseguiu a
festa de São Pedro, a tudo presente Padre Jorge. (Livro de Tombo da Paróquia de
São João Batista, p. 128)
Este último relato feito pelo
Monsenhor Magalhães, já é no segundo semestre de 1959, nessa época, o religioso
contava com 74 anos e dizia-se casado e doente. É possível que nesse período,
ele já não fosse mais tão combativo como o fora no passado.
Como já referido acima, é provável que
ele tenha voltado para Portugal e por lá passado os seus últimos dias. O
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
GONZALES,
Olegário Miguel. Bem-aventurança em Santa Brígida, uma comunidade sob a
orientação de Pedro Batista. Dissertação, UFBA 2004.
QUEIROZ,
Maria Isaura Pereira de. A importância do distrito baiano de Santa Brígida
na sociologia. Dissertação UFRJ, 2001.
Documentário
O Povo do Velho Pedro. Sério Muniz, 1967.
Livro
de Tombo da Paróquia de São Batista. 1947
Livro
de Tombo da Paróquia de São Batista. 1937
[1] Graduado em História pela UNIAGES, com
especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela Uniasselvi e mestre
em Ensino de História pela Universidade Federa de Sergipe.
[2] PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura.
(1957), La guerre sainte au Brésil: le mouvement messianique du Contestado. São
Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
[3] João Gonçalves de Sá (Jeremoabo, 25 de novembro de
1882 - 05 de agosto de 1958) foi um pecuarista, Coronel da Guarda
Nacional, deputado estadual pelo PSD e ex-prefeito de Jeremoabo. Na
política, João Sá foi deputado estadual durante os mandatos de 1915-1916 e
1927-1928, além de ter sido eleito deputado estadual Constituinte pelo PSD de
1947 a 1951. Também ocupou o
cargo de prefeito de Jeremoabo por um mandato (1938 - 1943).
[4]
Fonte: Arquivo documental da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Conselho –
Marcelo Souza Reis (administrador).
[5] Reis, Moisés Santos: O Embaixador da
Paz, Como o vigário de Jeremoabo Arquitetou as Entregas de 1938. Oxente,
Paulo Afonso, Bahia. 2023.
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