O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

PEDRO BATISTA AOS OLHOS DO MONSENHOR MAGALHÃES.


  

Moisés Santos Reis Amaral [1]

 

O QUE FOI O MOVIMENTO DE SANTA BRÍGIDA?

 

A socióloga carioca Maria Isaura Queiroz[2], realizou, em 1955, um estudo que versa sobre a comunidade agrícola e religiosa fundada no sertão baiano nos anos 1940, no qual afirma que Padro Batista, o seu líder religioso, era alagoano. Embora ainda existam algumas dúvidas acerca de onde Pedro Batista da Silva teria nascido, essa é a hipótese mais aceita pelos estudiosos e entusiastas do movimento fundado por ele nas entranhas do sertão baiano, região limítrofe com o Estado de Sergipe.

Maria Isaura Pereira de Queiroz foi uma renomada socióloga brasileira, autora de obras como “A Guerra Santa no Brasil: O movimento messiânico no Contestado” e “O Messianismo no Brasil e no Mundo” Ela também levantou a existência de nove movimentos messiânicos documentados no Brasil, ocorridos a partir de 1820, e analisou tanto os trágicos quanto os “bem-sucedidos”, buscando compreender suas estruturas e dinâmicas.  O messianismo, segundo essa estudiosa, não consiste necessariamente em um apocalipse, mas sim uma ideia de conquista da alegria e do prazer, em contraposição ao catolicismo do litoral, no qual sacerdotes (boa parte dos quais estrangeiros) tentam impor aos roceiros do sertão, sua abordagem dogmática, moral e puritana. O messianismo, nesta perspectiva, expressa o desejo de transformar a vida cotidiana em uma festa perpétua. Esse ponto de vista, embora essencialmente de base católica, envolve  outros elementos característicos da gente sertaneja, como procissões, cavalgadas, desafios de viola, danças ritualísticas e outras formas de manifestação cultural intrínsecas ao habitante da distinta zona sertaneja, marcada fundamentalmente pela cultura do gado vacum.

Batista não comentava sobre sua vida pregressa com os seus romeiros (como ficaram conhecidos os seus seguidores) tomando para si um ar de misticismo, como se tivesse nascido de uma forma extraordinária. O movimento criado e comandado por ele em Santa Brígida era um autêntico representante do messianismo, como os ocorridos em Canudos e em Juazeiro do Norte, por exemplo.

Era um homem vivido, tendo servido ao exército e conhecido o sul e sudeste do país, embora fosse analfabeto. Afirmava que uma visão divina o fizera retornar ao Nordeste e passado, desde então, a peregrinar pelo sertão da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Ficou conhecido por dar conselhos à população e por curar pessoas com orações, isso o trouxe fama entre a gente pobre e simples, de santo milagreiro.

Chegou à Santa Brígida por volta de 1945, na época, a localidade pertencia a Jeremoabo, era um lugarejo de difícil acesso, formado por apenas algumas dezenas de casas esparsadas entre si. Entre a população local, é comum o entendimento de que, no advento da chegada de Pedro Batista, o arruado de Santa Brígida não passava de vinte casas de taipa rodeadas pela caatinga bruta.

Por esse tempo, o Coronel João Gonçalves Sá[3] era o líder político inconteste daquela área e como tal, não o interessava qualquer tipo de instabilidade ou insurreição, o que provavelmente o fez observar com certa atenção a chegada do beato e o crescimento do povoado de Santa Brígida com a vinda de muitas pessoas de todo o Nordeste, atraídas pela figura de Pedro Batista.

A habilidade política e perspicácia de João Sá, todavia, logo o fizeram perceber que poderia ser vantajoso se aliar ao “Padrinho” (como os devotos se referiam ao beato), pois assim poderia, ao mesmo tempo, vigiá-lo de perto e colher os frutos da sua influência frente àquela gente pobre e sem instrução que inflava a população do lugarejo nos anos 1940.

Da relação entre Pedro Batista e João Sá, brotou uma aliança e dessa união surgiram arrendamentos de terras nas quais os romeiros plantavam diversos gêneros agrícolas e o surgimento de uma verdadeira potência regional da produção de Gêneros da agropecuária, o que fez de Santa Brígida um grande polo regional na época.

          Com a mão-de-obra abundante, havia sistemática divisão de trabalho, alguns grupos se encarregavam do serviço de desmatamento, outros do corte da madeira e outros ainda do plantio, essas forças de trabalho organizadas e motivadas pela devoção, eram muito produtivas e as terras locais passaram a gerar muitos frutos.

Toda essa produção era comercializada pelo próprio beato, que se tornou um dos maiores comerciantes de gêneros agrícolas da região. Foram construídos armazéns para estocar o excedente de produção e até um caminhão foi adquirido pela comunidade formada pelo Beato. Nesses armazéns os trabalhadores eram pagos conforme sua produção e função.

O êxodo constante de sertanejos em direção à Santa Brígida, acabou formando ali um grande conglomerado de eleitores para o coronel. Quem chegava, era prontamente registrado como eleitor local e assim, foi-se formando uma comunidade numerosa, o que aumentava significativamente a influência e o poder político do Coronel João Sá.

          Conforme os romeiros iam chegando, eram alojados em um loteamento rural adjacente, acertando prontamente um local para a agricultura de subsistência, uma vez que a maioria dos que chagavam eram agricultores. Os recém-chegados recebiam o apoio da comunidade local para iniciar a sua própria produção.

Esse movimento promoveu uma mudança substancial na estrutura local. As matas foram transformadas em áreas agricultáveis e a comunidade organizou-se em uma espécie de cooperativa de trabalho rural sob o comando de Pedro Batista, na qual mutirões eram organizados e realizavam todo o tipo de trabalho em benefício da coletividade.  A presença de uma liderança com conotações espirituais deu a essas associações de trabalho uma unidade diferenciada, o trabalho coletivo era constante e fecundo.

          Com o crescimento da população de romeiros na localidade, uma divisão social acabou por se formar. Os seguidores de Pedro Batista eram chamados (e assim se identificavam) de Romeiros, enquanto os habitantes locais, nativos, eram chamados de Baianos. Havia certa animosidade entre romeiros e baianos, o que levou a alguns conflitos pontuais. Pedro Batista chegou, conta-se, a proibir a ida de romeiros à missa na igreja dos baianos. Como veremos a seguir, havia muitas diferenças no que diz respeito aos aspectos doutrinários entre baianos e romeiros. Essas diferenças gerarão conflitos com os sacerdotes católicos.

Pedro Batista incentivou a chegada à Santa Brígida de profissionais que ajudassem a desenvolver a região, como professores, comerciantes, enfermeiros e outros, reforçando a ideia de que sua vontade era ver prosperar a comunidade agrícola da qual era líder religioso no sertão baiano.

Assim, buscou empréstimos em agências bancárias e investiu na transformação de Santa Brígida em um grande fornecedor regional de produtos oriundos da agricultura e pecuária. Embora o beato tenha acumulado patrimônio, os recursos oriundos da comercialização desses produtos eram revertidos em benefícios à população, uma vez que não há registro de que o “Padrinho” tenha levado uma vida de luxo, mas, isto sim, que ele tenha desfrutado de uma vida relativamente confortável, noentanto, com bastante simplicidade entre sua gente.

Grandes romarias eram realizadas em Santa Brígida, com centenas de pessoas chegando de vários estados do nordeste para tomar um conselho, buscar cura para uma doença, ou simplesmente para estar perto de Pedro Batista. Parte dos que chegavam ficavam por lá mesmo e contribuíam com o crescimento populacional vertiginoso nos anos áureos da comunidade.

Muitos antigos romeiros do Padre Cícero, quando da sua morte, passaram a caminhar para ouvir os conselhos do beato radicado em terras baianas. Pedro Batista tornou-se, então, uma espécie de substituto do padre cearense.

A comunidade ali formada era cristã, portanto, lá não podia vender bebidas alcoólicas ou cigarros, não havia festas pagãs e o padrão de comportamento era conservador. Não há relatos também de roubos, furtos e violência, andar armado também era sumariamente proibido.

Toda decisão importante, como viajar a trabalho, por exemplo, era antes compartilhada com o beato e só era tomada mediante a sua aprovação. A habilidade do beato em dar conselhos gerava muito poder simbólico em torno de si.

Pedro Batista chegou a possuir ao menos 4 fazendas, pagava impostos e seguia as regras da sociedade da época, o que o diferenciava de Antônio Conselheiro que era monarquista e negava o status quo de sua época.

Em uma dessas fazendas, criou um núcleo colonial onde trabalhadores e suas famílias produziam em benefício próprio. Com a ajuda de recursos federais, o núcleo colonial prosperou tanto que chagava a arrecadar mais que a prefeitura local anualmente, além de possuir infraestrutura como igreja, pousada, escolas, hospitais e veículos para o escoamento da produção

Após sua morte, o vazio de liderança findou por desorganizar as estruturas montadas pelo beato, alguns candidatos a sucessor tentaram assumir seu lugar, o que chegou a gerar violência. Assim, toda a organização e prosperidade construída pelo beato só durou enquanto a sua presença física era percebida. A sua partida representou o começo do fim.

Hoje Santa Brígida é mais uma cidade do interior baiano com suas agruras econômicas e sociais e muito pouco tem daquela comunidade que prosperou em torno da figura de um beato que tinha visão de prosperidade, mas não planejou e nem preparou a comunidade para a sua ausência.

Como era comum nos movimentos messiânicos, havia atritos com a igreja católica. O Monsenhor José de Magalhães e Souza, por exemplo, teve rusgas consideráveis com Pedro Batista e é sobre isso que falaremos agora.

 

O VIGÁRIO PORTUGUÊS:

 

José de Magalhães e Souza nasceu próximo à cidade do Porto, distrito de Amarante, Portugal, a 19 de outubro de 1885. Estudou no seminário de Braga e foi ordenado padre em 1908, quando assumiu a Capela de Nossa Senhora Aparecida, no município de Lousada, ainda em Portugal. No Brasil, antes de chegar a Jeremoabo passou por Morro do Chapéu, onde esteve de 1915 a 1927, sendo nomeado vigário da Matriz de São João Batista de Jeremoabo em 18 de março de 1928.

Os últimos registros conhecidos do Monsenhor Magalhães foram feitos por ele mesmo, no livro de Tombo de 1947 da paróquia de São João Batista, em Jeremoabo. É nesse documento que o vigário faz seu último relato de uma doença desconhecida que o deixava acamado em 1957, dois anos depois, em outubro de 1959, ele registra, em fala em um evento com outros padres, que pediria ao Bispo para passar um longo período em Portugal, na mesma fala, ele informa que, em virtude da idade, temia não ter mais condições de retornar ao Brasil. Tal afirmativa nos possibilita inferir que ele provavelmente retornou à sua terra natal e não voltou mais, tendo falecido por lá.

Quando essa informação foi inserida pelo religioso no livro, ele contava com 74 anos de idade e estava há 46 anos no sertão, contando com sua estadia em Morro do Chapéu (1915 a 1927).

O Monsenhor Magalhães construiu diversas capelas nessa área nordestina e ajudou fortemente no combate à seca, agindo junto às autoridades por vários períodos de estiagem, contudo, sua maior contribuição para o sertão foi, sem sombra de dúvidas, a sua forte atuação como intermediário entre os grupos de cangaceiros e policiais entre 1938 e 1940, período no qual, o religioso se mostrou incansável em sua luta para acabar com o cangaço.

Entre os anos 1940 e 1950, combateu fortemente o movimento messiânico liderado por Pedro Batista, em Santa Brígida, Bahia. O Monsenhor Magalhães julgava as ações do beato como “Fanatismo” e fez dura oposição às suas ações religiosas, sendo um forte crítico do Beato, sobretudo dentro do clero.

          Antes de prosseguir, é importante citar que a sequência desse trabalho está baseada na descoberta dos relatos feitos pelo Monsenhor Magalhães no livro de Tombo de 1947 da igreja de São João Batista, em Jeremoabo, Bahia, documentação descoberta, transcrita e interpretada por esse que vos escreve. O texto foi modificado para que pudesse ser adequado à norma culta da língua Portuguesa, sem, contudo, prejudicar a ideia original de quem o produziu.

          A primeira referência ao nome de Pedro Batista inserida pelo vigário em seus registros, data de dezembro de 1946, onde, aparentemente, ao descrever um velório, escreve o religioso:

 

Fomos dar missão neste lugar isolado de tudo para não progredir um fanatismo daqueles familiares do morto  que tem uma atração por um senhor, Pedro Batista – a quem chama meu “Padrinho Pedro” – que é um freguês que não é nada mal, não deixa o povo que o acompanha dançar nem jogar nem beber nem na ociosidade, mas torna-se um perigo se não houver mais certa cautela pois muitos deles não batizam filhos, não vão à missa e não tomam remédio, pois chegam ao ponto de só tomarem aquilo o que ele benze (dizem) e, enfim, obedecem cegamente aos conselhos dele. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 25)

 

          Nesse primeiro trecho, o Vigário confirma que Santa Brígida era mesmo um lugar completamente ermo em 1946, pouco após a chegada do Beato, confirmando o que dizem as pessoas do lugar até os dias de hoje. Em seguida, afirma que Pedro Batista não é uma pessoa má, pois impõem “Bons Costumes” aos habitantes locais.

          No trecho que se segue, entretanto, o Padre faz contundentes ressalvas acerca do que chama de fanatismo de Pedro e sua gente, ao tempo em que diz estar alertando as autoridades da igreja sobre “os perigos” que o beato e sua gente representam:

 

[...] Enfim é uma espécie de fanatismo o que nós verificamos pelo seguinte: Entrando-se em uma casa, as mulheres nos convidavam a ver as imagens que tinham em casa; e vimos nas paredes uma imagem, digo, um quadro do coração, Nossa Senhora, etc. e tinha também um quadro pequeno – como tem quase todos – do Padre Cícero Romão Batista; e nessa altura um terceiro, no meio dos vários que acompanham. Disse:

- Olha seu padre, conhece este?

- Respondemos: Conhecemos; é o Padre Cícero;

- Ele acrescentou: Olha aqui esse outro!

 

Era outro quadrinho pequenino que tinha mais abaixo e era do tal Pedro Batista, por onde vimos que ser (O homem que apresentou as imagens) bom páreo, trabalhador e sério, mas fanatizado, por assim dizer, por este homem! Este povo só se trata com esse Sr. Pedro, faz cegamente o que ele manda, não querem de modo algum ouvir falar em Cristo-Rei e trazem esta mania com Cristo-Rei. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 28)

 

          No ano seguinte, 1947, embora o vigário se esforçasse para dar um status de normalidade aos procedimentos eclesiásticos realizados em Santa Brígida, era perceptível o ambiente tenso. Aqui, o vigário utiliza pela primeira vez a expressão “Povo do Norte”, se referindo aos seguidores de Batista. No trecho, nota-se que alguns dos romeiros interagem com o padre e até mesmo ajudam em algumas tarefas, mas a tensão, como veremos, aumentará:

 

Abriu-se a missão

Estando tudo preparado como era possível, no dia 6 a noite abriu-se a missão: tinha regular presença da gente de Santa Brígida antiga e algumas do arruado novo, do povo do Norte, que se prostaram a auxiliar em preparar o santuário, deram a madeira e prepararam um CRUZEIRO NOVO e algumas das senhoras auxiliaram muito na casa da hospedagem, levando alguns ovos, alguns presentinhos, deixando água; alguns dos homens riam conversavam com a gente de vez em quando. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 29)

         

Seguindo a descrição do Monsenhor Magalhães, percebemos a desconfiança de ambas as partes, mesmo interagindo entre si: “Nos sermões da noite, os homens ficavam ouvindo e também várias senhoras, se bem que sempre mais afastadas e muito desconfiadas”.

          A animosidade entre Romeiros (ou Povo do Norte, como foram classificados pelo vigário) devia-se, em tese, por questões ligadas à liturgia. Enquanto os romeiros professavam a fé cristã, adoravam seus santos e organizavam seus eventos, o faziam sob a ótica do Beato e o tinham como figura importante dentro de todo esse processo; já o padre, via em tudo aquilo, uma afronta às “leis da igreja”, uma vez que, no sertão das primeiras décadas do século XX, o vigário orbitava entre as principais figuras da sociedade.

          Ao afirmar isso, não estou insinuando que o Monsenhor Magalhães se enciumava de Pedro Batista em virtude de um sentimento pessoal e mesquinho, mas se ressentia com todo aquele “culto” à esta personalidade, por entender que havia ali um exagero (ao que chamou por diversas vezes de fanatismo) e que, para um homem ocupar papel de destaque religioso no seio da sociedade, era preciso ser este nomeado e oficializado pelo clero.

          Isto posto, passamos a compreender melhor a oposição do padre ao culto a Pedro Batista e as suas investidas, no sentido de trazer aquelas pessoas para perto de si e da igreja. Esse procedimento era feito por ele e por alguns padres, como veremos, de uma forma sutil e velada, ao menos na maior parte dessa interação. Aos poucos, o católico vai buscando entre o rebando de Batista, algumas pessoas dispostas a se submeter a procedimentos católicos. Assim, toma nota de cada confissão, casamento ou batizado que consegue realizar entre os romeiros, em uma cruzada para conquistar as mentes e corações daquelas pessoas que acreditava estarem sendo desviadas da fé católica pelo fanatismo.

          No livro, toma nota:

Continuamos a missão havendo regular recurso das pessoas, havendo comunhão das crianças, catecismo, contando-se o ofício de Nossa Senhora na missa da manhã etc.

Auxílio – devo aqui declarar que nesta missão, havendo recurso e auxílio dos senhores João Silva, Benicinho e várias pessoas do norte, que muito se interessaram pelo conforto e para satisfazer aos bons missionários e assim continuou até o dia 10, dia da procissão, conclusão e bençãos. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 30)

         

Mas o Monsenhor Magalhães, como dito, não combatia sozinho a liturgia dos romeiros. Como vários vigários por ali passavam, muitos a convite do próprio Magalhães, revezavam-se nos sermões e no esforço de dirimir a fé dos romeiros no padrinho e atraí-los para o culto católico.

          Uma dessas vozes foi a do vigário de Cícero Dantas, Renato de Andrada Galvão. Padre Renato, como era conhecido no sertão, chegou à Cícero Dantas em 1945, foi um devotado combatente aos efeitos da seca, sempre buscando recursos para seus paroquianos junto às autoridades, como o deputado João da Costa Pinto Dantas Júnior, Neto do Barão de Jeremoabo, com quem trocou diversas cartas, sempre a tratar de assuntos locais.

          O Padre Renato tinha forte ligação com o Monsenhor Magalhães, que o sucedera como vigário de Cícero Dantas entre 1933 e 1936, de 1937 a 1938 e 1943 até março de 1945[4]. Em missão por Santa Brígida, o Padre Renato emite sua opinião aos romeiros, sermão anotado pelo vigário de Jeremoabo:

 

Alerta do Padre Renato: No dia 12, à tardinha e noite, o Padre Renato, missionário, antes das bençãos, disse com toda a certeza todas as verdades, sendo uma verdadeira tristeza para o povo norte – do padrinho Pedro Batista. Disse que agradecia de todo coração o recurso do bom povo do norte, o cuidado de auxiliarem na casa da hospedagem o gosto em prosperarem todos o nosso bom cruzeiro, que foi fixado em frente a capela, mas que – como sacerdote e missionário – não podia deixar de falar com toda a franqueza, dizendo que se andava muito mal o Sr. Pedro Batista, pois abusava da fé deste bom povo, que ele estava errado em não querer falar de Cristo Rei e ir introduzindo esta mania no povo; enfim, censurou os conselhos do Sr. Pedro Batista, enquanto animou a todo o povo do norte a serem bons católicos, que não ouvissem a voz do Sr. Pedro, que dizia para que deixassem de ir a cristo, batizassem e casassem  os seus filhos – enfim, que não se deixassem basear pelo fanatismo que só traz as mais tristes consequências. Enfim, elogiando o povo de fé dos nortistas e o seu gosto pelo trabalho e pela união, mas comunicando-lhes com muita clareza o que é a verdade e o que deveriam fazer se quisessem salvar-se e declarava que tinha de falar assim para o bem das almas e para que, com o seu silêncio, não ficassem procurando que os padres aprovem o erro, que o refutam. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 35)

 

O tom do discurso foi elevado por Renato Galvão. Pelo que se pode ver nos registros, a estratégia do Monsenhor Magalhães era mais velada e sutil, mas o padre Renato busca ser mais incisivo nessa fala. Esse parece ser o tom também adotado por outro vigário da região, Monsenhor Francisco, que veio a suceder ao Monsenhor Magalhães em Jeremoabo a partir de 17 de maio de 1959.

No documentário “O Povo do Velho Pedro”, de 1967, dirigido por Sérgio Muniz, o Monsenhor Francisco faz duras críticas a Pedro e seu povo:

 

Pedro Batista chegou, com o sol às costas, seus adeptos começaram a surgir e ele começou então a pô-los a trabalhar, dentro de poucos anos, após arrendar terras para trabalhar, ele já pôde comprar terras não pequenas, áreas grandes de terras.

Não se pode classificar aquilo ali de religião, acredito eu que Antônio conselheiro talvez não desfrutasse do prestígio que Pedro Batista desfruta diante dos seus adeptos. Os laços sociológicos que nos ligam são os mesmos, nós estamos em um século diferente do de canudos. Não é à toa que se ele mandasse que os homens pegassem em armas, porque noventa por cento dos homens aptos a brigar se armariam e marchariam contra qualquer uma das duas cidades. Jeremoabo ou Paulo Afonso. (Documentário “O Povo do Velho Pedro”. Sérgio Muniz, 1967).

 

            A fala do Monsenhor Francisco segue a linha dura da oposição aos Romeiros dentro da hierarquia da igreja. Nas palavras transcritas acima, contudo, temos algo diferente, pois, foi mais comum, dentro da interpretação da igreja acerca do movimento de Santa Brígida, a comparação de Pedro Batista com o Padre Cícero e seus devotos.

          É importante frisar, com efeito, que o movimento do Padre Cícero do Juazeiro, não representou uma tentativa de ruptura social, mas sim, a aquisição de poder além da média por um religioso que se manteve quase sempre dentro das regras do sistema vigente.

          Já Canudos, foi um movimento de maior impacto político, por fazer oposição ao status quo e comparar Pedro Batista a Antônio Conselheiro pode representar, por parte do Monsenhor Francisco, uma tentativa de atribuir ainda mais periculosidade a Batista e seus seguidores.

          Os anos vão se passando e a relação complexa entre romeiros e a igreja católica segue sendo reportada pelo Monsenhor Magalhães nos livros.

Em julho de 1952, ao relatar a chegada de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, imagem que foi levada à várias localidades como forma de apresentá-la aos fiéis, o padre reporta a chegada à Santa Brígida:

 

Passou a imagem, vinda do santuário em nossa casa e logo rumamos para Santa Brígida, visitar aquele bom povo, mas que tem uma espécie de fanatismo com um tal Sr. Pedro Batista que para eles é um segundo Padre Cícero. Foram ao todo sete carruagens e lá, ao entrar na rua, foi muito bem recebida a peregrina que foi até a pobre capela onde ficou algum tempo para o povo fazer as suas orações. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 89)

 

30 de julho de 1957, contudo, o Monsenhor Magalhães sobe o tom contra os romeiros e seu líder. A relação a partir de aqui vai se deteriorando. O vigário abre a nota com o título “Triste noite”:

 

À noite, enquanto rezávamos o terço, quando estava o povo do fanático Pedro Batista ouvindo na igreja feita por eles e lá fazendo uma tal penitência e assim doentio o povo se aproximou do vigário da freguesia e sem receberem instrução alguma. Não posso mais me conformar com essa tapeação que procuram sempre organizar a todos contra mim, que desde o princípio dizia que aquele homem era perigoso e que era um sínico fanático, querendo fazer com que os seus romeiros se convençam que é um 2° Padre Cícero, em pessoa do padre Cícero e assim fazendo que todos trabalhem para ele, pois na verdade, são uns pobres explorados que não são senhores da vida, fazendo (ilegível) e permitindo que seu povo se  conserve em sua ignorância social que envergonha o nosso tempo, os nossos homens públicos. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 102)

         

E Complementa logo na sequência, reafirma a dificuldade dele, enquanto padre, de lidar com as diferenças dogmáticas de Pedro Batista:

 

Mais uma prova do que digo: No dia da missa de manhã, estando eu a confessar, encontravam-se perto do altar os pobres fanáticos e 4 perto da porta da capela, do lado de dentro; certo que não estariam para aproveitar e sim como os contemporâneos inimigos de cristo, para policiarem o vigário!! Tendo o sacristão descoberto uma linda imagem de Fátima que trouxe de Portugal a “costume” levar uma vez às capelas onde celebrar, peguei e coloquei no centro do altar e nessa altura pessoa de nossa confiança e vários ouviram uma das quatro fanáticas declarar: Olha, Olha, aquela é a tal Fátima, padrinho Pedro não quer que se olhe pois ela é a .... (não digo o nome que os filhos não permitem se chamar sua mãe) do cristo-rei!!! (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 106)

 

          Esse caso da imagem de Nossa Senhora de Fátima, parece ter sido um dos pontos de choque mais contundentes entre as partes. A imagem, como dito, teria sido trazida pelo vigário de uma viagem de férias à Portugal feita no ano anterior e, ao que parece, tinha grande simbologia para este. A negação por parte dos romeiros provavelmente o contrariou profundamente.

          Ainda a respeito da mesma ocasião, questiona:

 

Ora, depois deste, ainda haverá quem queira contemporizar com tal embusteiro!!! Para que no futuro, não acusem o vigário de conivência com o erro, aqui declaro que muitas e muitas vezes falei; expus às autoridades a verdade, lá levei o senhor Bispo D. José Trindade lhe expondo tudo, etc, etc. e agora acabei de me certificar de tudo, dos seus procedimentos fanáticos, enquanto rezávamos o terço a noite a “sofridão” dos fanáticos ao ver-me colocar a imagem de Nossa Senhora de Fátima no centro do altar. Para eterna memória. Vigário José de Magalhães e Souza. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 115)

 

Em fevereiro de 1958, é feito o relato das questões entorno da igreja recém-construída pelos romeiros e a oposição do padre continua, entretanto, como veremos, chega-se a um acordo entre as partes, com a intermediação do engenheiro José Portela, que conta a mesma história no referido documentário de 1967.

 

Santa Brígida – Nota importante: Tendo o Sr. Pedro Batista, que é uma espécie de fanático, levantado uma capela em Santa Brígida, colocou já lá muitas imagens e também uma figura do Padre Cícero e “quantas léguas” a capela estar; vem o Sr. Dr. José “Portela”, engenheiro e diretor do núcleo federal , falar, em nome do Sr. Pedro, falando para ir benzer a capela; expus-lhe a lei da igreja e a proibição de benzer figuras que não sejam carimbadas e este, como bom cristão, compreendeu logo a razão; voltou e fez lá um ótimo apostolado: oferecem todo o apoio para a capela, conseguiu com o Pedro Batista retirar a figura do Padre Cícero da igreja ficando sem nenhum nicho no meio da praça (ilegível) o povo e eu tratei de convidar o Sr. Padre João Evangelista para se colocar lá comigo servindo de testemunha  de tudo e assim para lá seguimos no dia 2 de fevereiro de tarde, havendo missa vespertina, conseguimos: confessar ainda bastante gente, batizar alguns filhos dos fanáticos, uns 4 casamentos desse povo. Foi afinal essa reitoria da igreja que se deve em partes ao apostolado do senhor Dr. José Portela. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 125)

 

Ainda a respeito da capela, anota: “Benzi a capela: Com licença presumida do Sr. Bispo, cuja licença peguei depois de no dia 2, avaliado pelo Reverendo Padre João, procedi a benção da capela, lavrando-se uma ata e assim se sabendo que agora sujeita ao Sr. Bispo”.

          O Padre Magalhães deixou importante documentação histórica em seus registros. Assim foi quando atuou como intermediário para a finalização do cangaço entre 1938 e 1940[5],o foi nesse caso de Santa Brígida. É comum encontrar nesses escritos do vigário português a seguinte fala: “Aqui o lanço para a eterna memória”. Uma expressão, a meu ver, utilizada por quem sabe que participa de algo importante e que, ao registrar, sabe que o fará para que as futuras gerações saibam o que aconteceu. Essa parece ter sido a sua intenção ao transcrever a ata de benção da igreja construída pelos romeiros no livro de tombo, como quem queria garantir que aquele templo ali erguido fosse sempre parte da jurisdição da diocese. Segue a transcrição da ata na íntegra, da forma que está registrada no livro de tombo da Paróquia de São João Batista:

 

Cópia da ata: aos dois dias do mês de fevereiro do ano de mil novecentos e cinquenta e  oito, às 17 horas, Nesta vila de Santa Brígida, sede do distrito de igual nome, no município de Jeremoabo, presente o Reverendo Monsenhor José de Magalhães e Souza, vigário de Jeremoabo, Padre João Evangelista de Paulo Afonso, deputado João de Carvalho Sá, Coronel João Gonçalves de Sá, Manoel de Carvalho, Engenheiro José Alves Portela – administrador “avícola colonial” de Santa Brígida, digo, de Jeremoabo, Pedro Batista da Silva, Dr. Clemeones Gomes Pereira, Vicente de Paula Costa, Leandro Rodrigues Ramos, Antônio Alves Feitosa, subdelegado de polícia, Euclides Marques da Silva, Juiz de Paz, Professora Maria José Gomes da Silva, regente da escola local, Dona Maria das Dores dos Santos, Joana Marques da Silva, Antônio Ribeiro dos Anjos, José Pereira de Carvalho, vereador do município de Jeremoabo, Antônio Maria de Jesus, José (ilegível) da Silva, João Silva Sobrinho, José da Silva – Teve lugar a inauguração da igreja de São Pedro, construída e oferecida ao culto dos fiéis pelo Sr. Pedro Batista da Silva, sendo o oficiante do referido culto o reverendo Monsenhor José de Magalhães e Souza, o qual em eloquente e piedosas palavras, salientou o significação deste momento para os distinos espirituais de Santa Brígida, tendo usado da palavra o deputado Dr. Carvalho Sá, congratulando-se com a população local pelo grande benefício que acaba de alcançar. Terminada a inauguração, deliberando-se lavrar a presente ata que vai por mim escrita e assinada, bem como pelas pessoas acima mencionadas e outros que se acham presentes. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 128)

 

Naquele mesmo dia o padre benzeria as imagens da capela, conforme reportado por ele mesmo.

Em junho de 1959, é registrado os preparativos para a festa do padroeiro. São Pedro foi o santo escolhido em comum acordo entre Pedro Batista e o Padre. Inicialmente, Pedro Batista desejava escolher são Gonçalo, mas o vigário se opôs. Foi necessário a intervenção do engenheiro José Portela para a escolha.

 

Santa Brígida. Onde houve preparação para a festa de São Pedro que teve lugar no dia 29; todo dia padre Jorge juntava os meninos dos chamados romeiros explicando o catecismo íamos fazendo várias coisas assim se tendo a esperança de ir desfazendo o fanatismo com a explicação da doutrina e houve sempre muito respeito aos atos, bem-organizada procissão no dia 29 e graças a Deus, houve regular número de confissões e comunhão de alguns romeiros e assim prosseguiu a festa de São Pedro, a tudo presente Padre Jorge. (Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista, p. 128)

 

          Este último relato feito pelo Monsenhor Magalhães, já é no segundo semestre de 1959, nessa época, o religioso contava com 74 anos e dizia-se casado e doente. É possível que nesse período, ele já não fosse mais tão combativo como o fora no passado.

          Como já referido acima, é provável que ele tenha voltado para Portugal e por lá passado os seus últimos dias. O

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

GONZALES, Olegário Miguel. Bem-aventurança em Santa Brígida, uma comunidade sob a orientação de Pedro Batista. Dissertação, UFBA 2004.

 

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. A importância do distrito baiano de Santa Brígida na sociologia. Dissertação UFRJ, 2001.

 

Documentário O Povo do Velho Pedro. Sério Muniz, 1967.

Livro de Tombo da Paróquia de São Batista. 1947

Livro de Tombo da Paróquia de São Batista. 1937

 

 

 



[1] Graduado em História pela UNIAGES, com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela Uniasselvi e mestre em Ensino de História pela Universidade Federa de Sergipe.

[2] PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. (1957), La guerre sainte au Brésil: le mouvement messianique du Contestado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

[3] João Gonçalves de Sá (Jeremoabo, 25 de novembro de 1882 - 05 de agosto de 1958) foi um pecuarista, Coronel da Guarda Nacional, deputado estadual pelo PSD e ex-prefeito de Jeremoabo. Na política, João Sá foi deputado estadual durante os mandatos de 1915-1916 e 1927-1928, além de ter sido eleito deputado estadual Constituinte pelo PSD de 1947 a 1951. Também ocupou o cargo de prefeito de Jeremoabo por um mandato (1938 - 1943).

 

[4] Fonte: Arquivo documental da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Conselho – Marcelo Souza Reis (administrador).

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