No último dia 25 de agosto,
publiquei aqui no Blog História de Fátima, um texto sobre o
impressionante número de homicídios registrados em Cícero Dantas no final do
século XIX e início do XX. Como dito na época, essa documentação faz parte do
acervo do Arquivo Público do Estado da Bahia.
Fazendo nova análise na lista de documentos disponível no
site do órgão, decidi fazer um novo recorte e focar em crimes cometidos por
escravos ou contra escravos na antiga Vila de Bom Conselho, posteriormente
Cícero Dantas, área geográfica que incluía esse nosso torrão querido.
O objetivo de tal recorte reside em algo que sempre
persegui aqui no Blog que é a demonstração de que a história emana de todas as
figuras humanas, mesmo as mais modestas e, com efeito, trazer a luz dos nossos
conterrâneos a história que conhecemos na escola conectada à história dos nossos
antepassados.
Nesse sentido, sempre vi, enquanto professor de história,
a temática da escravidão ser encarada pelas pessoas como algo demasiadamente
distante da nossa realidade.
O tema escravidão não é necessariamente uma novidade aqui
no Blog, em outras ocasiões tratamos desse tópico como nos textos sobre a fazenda
Maria Preta, Severo Correia e outros. Hoje, especialmente,
trataremos dos embates entre cativos e a sociedade local no período que
compreende os anos de 1858 e 1888.
Imersos em uma sociedade altamente dependente da
instituição escravidão, os afrodescendentes que chegaram a esta parte do sertão
baiano entre os séculos XVIII e XIX na condição de cativos, enfrentaram as
dificuldades típicas de seres humanos em tal condição.
A vida de um escravo no Brasil não carece de maiores
explicações, seu sofrimento e angústias já são bem documentados pela
historiografia. Dito isso, é interessante notar como diversas formas de
resistência eclodiam dentro do sistema, como as fugas, o “corpo mole” para o trabalho,
o enfrentamento e, por vezes, a violência.
Ainda é cedo afirmar com robustez historiográfica que
houve (embora seja provável) crimes cometidos por cativos contra seus
senhores ou contra a sociedade em si como forma de resistência. Isso porque, o
que tenho em mãos até o momento são as listas que comprovam a existência da
documentação, não o documento propriamente dito.
Isso posto, a partir do material disponível até o
momento, é possível depreender que crimes envolvendo escravos em Cícero Dantas
e possivelmente aqui em Fátima, existiram e são bem documentados.
Entre os anos de 1858 e 1888, houve, ao menos, 4
homicídios cometidos por escravos ou contra esses. No mesmo período, foi
documentado ainda 1 tentativa de homicídio, 5 representações por lesão
corporal, 1 furto e um registro de exame cadavérico.
Focando ainda nos crimes de homicídio, em 1868, um
escravo de nome José é representante de um processo de Homicídio contra um
certo Joaquim Rabelo, a mesma situação é documentada dez anos antes, em 1858,
quando o escravo Gonçalo processa Pedro José de Matos pelo crime de homicídio e
em 1888, quando o escravo Martinho é assassinado por outro escravo de nome Sérgio. Notem que, em três dos casos relatados acima, são os escravos que
abrem o processo contra homens livres, provavelmente representando um parente
ou amigo que fora assassinado pelos réus e no último caso é um escravo processando
outro por assassinato.
Os crimes aqui relatados e, sobretudo, as ações judiciais
movidas por escravos contra homens livres e provavelmente donos de escravos,
nos mostram que, ao menos em nossa região, recorrer à justiça contra quem
comete crimes contra si ou contra outrem foi uma forma de resistência bastante
utilizada por cativos que aqui viveram na segunda metade do século XIX.
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