O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Crimes envolvendo escravos em Cícero Dantas.

 


No último dia 25 de agosto, publiquei aqui no Blog História de Fátima, um texto sobre o impressionante número de homicídios registrados em Cícero Dantas no final do século XIX e início do XX. Como dito na época, essa documentação faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado da Bahia.

            Fazendo nova análise na lista de documentos disponível no site do órgão, decidi fazer um novo recorte e focar em crimes cometidos por escravos ou contra escravos na antiga Vila de Bom Conselho, posteriormente Cícero Dantas, área geográfica que incluía esse nosso torrão querido.

            O objetivo de tal recorte reside em algo que sempre persegui aqui no Blog que é a demonstração de que a história emana de todas as figuras humanas, mesmo as mais modestas e, com efeito, trazer a luz dos nossos conterrâneos a história que conhecemos na escola conectada à história dos nossos antepassados.

            Nesse sentido, sempre vi, enquanto professor de história, a temática da escravidão ser encarada pelas pessoas como algo demasiadamente distante da nossa realidade.

            O tema escravidão não é necessariamente uma novidade aqui no Blog, em outras ocasiões tratamos desse tópico como nos textos sobre a fazenda Maria Preta, Severo Correia e outros. Hoje, especialmente, trataremos dos embates entre cativos e a sociedade local no período que compreende os anos de 1858 e 1888.

            Imersos em uma sociedade altamente dependente da instituição escravidão, os afrodescendentes que chegaram a esta parte do sertão baiano entre os séculos XVIII e XIX na condição de cativos, enfrentaram as dificuldades típicas de seres humanos em tal condição.

            A vida de um escravo no Brasil não carece de maiores explicações, seu sofrimento e angústias já são bem documentados pela historiografia. Dito isso, é interessante notar como diversas formas de resistência eclodiam dentro do sistema, como as fugas, o “corpo mole” para o trabalho, o enfrentamento e, por vezes, a violência.

            Ainda é cedo afirmar com robustez historiográfica que houveram (embora seja provável) crimes cometidos por cativos contra seus senhores ou contra a sociedade em si como forma de resistência. Isso porque, o que tenho em mãos até o momento são as listas que comprovam a existência da documentação, não o documento propriamente dito.

            Isso posto, a partir do material disponível até o momento, é possível depreender que crimes envolvendo escravos em Cícero Dantas e possivelmente aqui em Fátima, existiram e são bem documentados.

            Entre os anos de 1858 e 1888, houveram ao menos 4 homicídios cometidos por escravos ou contra esses. No mesmo período, foi documentado ainda 1 tentativa de homicídio, 5 representações por lesão corporal, 1 furto e um registro de exame cadavérico.

            Focando ainda nos crimes de homicídio, em 1868, um escravo de nome José é representante de um processo de Homicídio contra um certo Joaquim Rabelo, a mesma situação é documentada dez anos antes, em 1858, quando o escravo Gonçalo processa Pedro José de Matos pelo crime de homicídio e em 1888, quando o escravo Martinho representa outro escravo de nome Sérgio pelo mesmo crime. Notem que, em três dos casos relatados acima, são os escravos que abrem o processo contra homens livres, provavelmente representando um parente ou amigo que fora assassinado pelos réus e no último caso é um escravo processando outro por assassinato.

            Os crimes aqui relatados e, sobretudo, as ações judiciais movidas por escravos contra homens livres e provavelmente donos de escravos, nos mostram que, ao menos em nossa região, recorrer à justiça contra quem comete crimes contra si ou contra outrem foi uma forma de resistência bastante utilizada por cativos que aqui viveram na segunda metade do século XIX.

           

           


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