O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

O Coronelismo na história de Fátima

 

Imagem meramente ilustrativa

As práticas políticas que por convenção chamamos de Coronelismo têm raízes muito profundas na nossa história. Recuando até a primeira república (1889-1930) desenvolveu-se no país práticas diversas de burlar a legislação eleitoral com vistas a fortalecer ou preservar os ditames de grupos dominantes.

Os poderes dos coronéis eram exageradamente vastos e diversos. De acordo com Carvalho (2012), nas fazendas, a lei como um todo era exercida pelo coronel e seus jagunços e as pessoas que viviam dentro dos seus domínios não eram cidadãos, mas seus súditos.

Esse poder era regrado a amplos acordos políticos com deputados e governadores. Tal hierarquia funcionava com a troca de favores entre esses e os coronéis (mandatário locais) e tinham o eleitor na ponta dessa linha. Das lideranças estaduais o coronel recebia a regalia de indicar entre os seus correligionários o delegado, o juiz e um leque de servidores públicos. Em troca, garantia o voto daqueles sob o seu comando. Essa rede de interesses funcionava muito bem, garantindo, por via de regra, a eleição dos envolvidos.

Em nossa região, talvez a figura mais proeminente do estereótipo do coronel foi o de Chiquinho Vieira, patriarca da poderosa família vieira de Cícero Dantas. Os vieiras”, como o fatimense costumava chamar (Lembro muito da minha avó paterna, Dona Maria, dizendo: “No tempo dos Vieira” ... ou “esse calçamento foi feito pelos Vieira”) entram no cenário político da nossa região ainda no início dos anos 1800. De acordo com SOUZA (2008), o patriarca da família, o Coronel Chiquinho Vieira, exerceu amplos poderes por aqui até os anos 1940.

Seu poder era garantido pelas alianças com deputados e “Chefes políticos” estrategicamente cultivados em cada vila do município, Monte Alverne (Fátima), inclusive, onde a jovem liderança local, João Maria de Oliveira, fazia oposição ao poderoso chefe político.

A ocasião das eleições eram um caso à parte. Na época não havia uma legislação eleitoral coesa, o que dava margem para movimentações de interesses politiqueiros. O padre Renato Galvão, em carta ao deputado João da Costa Pinto Dantas, faz queixas das ações de João Maria na eleição em que foi candidato e da desorganização do pleito por aqui.

Chiquinho Vieira, já na velhice, passou o comando político aos filhos e netos. Nessa perspectiva, teve dois filhos deputados estaduais. A carreira política de um deles, Accioly Vieira de Andrade, dá uma ideia do poderio da família. Engenheiro Civil, Accioly foi prefeito de Feira de Santana em 1946, prefeito de Cipó (1947-1951), Deputado Estadual pela UDN e pela ARENA entre 1959 e 1979. Accioly Vieira é pai do ex-prefeito de Cícero Dantas, Hélio Vieira, ainda vivo com mais de 80 anos. Outro descendente de Chiquinho Vieira de carreira proeminente foi Fernando Andrade (neto) que foi prefeito de Cícero Dantas em duas ocasiões, de 1973 a 1976 e de 1983 a 1988 e deputado estadual de 1999 a 2003.

Ainda de acordo com Souza (2008), o poderio da família Vieira teve uma baixa em 1960 quando um ex-aliado, o Padre Renato Galvão, rompeu com a família e lançou-se candidato, elegendo-se com ampla margem o prefeito de Cícero Dantas em 1964. A eleição do Vigário foi um duro golpe para o clã pois rompeu com um ciclo que na época já durava quase cem anos.

Consta que aquela eleição foi especialmente violenta. Em carta ao deputado João da Costa Pinto Dantas, seu aliado político, o padre Renato relata acontecimentos como batidas na porta da casa paroquial altas horas da madrugada e uma conspiração para assassiná-lo, impedindo a sua candidatura. Na missiva assevera o padre: “Descobri que a empregada que demiti iria envenenar-me”.

O mandato do Padre Renato ficou marcado por romper com o ciclo dos Vieiras também em termos administrativos. Amplas obras públicas na cidade fizeram do Padre/Prefeito uma figura de grande prestígio público. Em Fátima, que na ocasião do seu mandato já era Vila, a gestão de Renato Galvão foi responsável, por exemplo, pela construção do Açougue Municipal (1964), ampliação do Colégio onde hoje funciona a Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima, o gerador a Diesel que trouxe energia pela primeira vez para essa localidade (1964) e o Poço Municipal (a Bomba) que foi inaugurada em 1960 por sua influência quando ainda nem era prefeito.

A família vieira de Cícero Dantas ainda continuou com o seu legado político naquela cidade e ainda preserva influência, contudo, nada comparado ao poder que ostentava no passado.

As práticas oriundas do coronelismo, naturalmente, ecoaram e, de certa forma, ainda ecoam com o passar dos anos. O próprio João Maria era filho desse tempo. A sua forma de gerir trazia muitos resquícios da política coronelista. Era um homem ríspido e dado a um certo autoritarismo, embora tenha admiradores até os dias de hoje. Seu modo de enxergar a política não poderia deixar de fazer jus a sua própria origem como pessoa. Enquanto adversário do coronel Chiquinho vieira, João Maria herdou práticas peculiares. Na atualidade, alguns políticos da nossa região ainda resguardam hábitos típicos daquela época como a compra de votos, campanhas baseadas em grandes cifras e tantas outras práticas que há muito deveriam ter sido deixadas no passado da nossa gente.



Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


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