Imagem meramente ilustrativa |
As
práticas políticas que por convenção chamamos de Coronelismo têm
raízes muito profundas na nossa história. Recuando até a primeira república (1889-1930)
desenvolveu-se no país práticas diversas de burlar a legislação eleitoral com vistas
a fortalecer ou preservar os ditames de grupos dominantes.
Os poderes
dos coronéis eram exageradamente vastos e diversos. De acordo com Carvalho (2012),
nas fazendas, a lei como um todo era exercida pelo coronel e seus jagunços e as
pessoas que viviam dentro dos seus domínios não eram cidadãos, mas seus
súditos.
Esse poder
era regrado a amplos acordos políticos com deputados e governadores. Tal hierarquia
funcionava com a troca de favores entre esses e os coronéis (mandatário locais)
e tinham o eleitor na ponta dessa linha. Das lideranças estaduais o coronel
recebia a regalia de indicar entre os seus correligionários o delegado, o juiz
e um leque de servidores públicos. Em troca, garantia o voto daqueles sob o seu
comando. Essa rede de interesses funcionava muito bem, garantindo, por via de
regra, a eleição dos envolvidos.
Em nossa
região, talvez a figura mais proeminente do estereótipo do coronel foi o de
Chiquinho Vieira, patriarca da poderosa família vieira de Cícero Dantas. Os
vieiras”, como o fatimense costumava chamar (Lembro muito da minha avó paterna,
Dona Maria, dizendo: “No tempo dos Vieira” ... ou “esse calçamento foi feito
pelos Vieira”) entram no cenário político da nossa região ainda no início dos
anos 1800. De acordo com SOUZA (2008), o patriarca da família, o Coronel Chiquinho
Vieira, exerceu amplos poderes por aqui até os anos 1940.
Seu
poder era garantido pelas alianças com deputados e “Chefes políticos” estrategicamente
cultivados em cada vila do município, Monte Alverne (Fátima), inclusive, onde a
jovem liderança local, João Maria de Oliveira, fazia oposição ao poderoso chefe
político.
A ocasião
das eleições eram um caso à parte. Na época não havia uma legislação eleitoral
coesa, o que dava margem para movimentações de interesses politiqueiros. O
padre Renato Galvão, em carta ao deputado João da Costa Pinto Dantas, faz queixas
das ações de João Maria na eleição em que foi candidato e da desorganização do
pleito por aqui.
Chiquinho
Vieira, já na velhice, passou o comando político aos filhos e netos. Nessa
perspectiva, teve dois filhos deputados estaduais. A carreira política de um
deles, Accioly Vieira de Andrade, dá uma ideia do poderio da família.
Engenheiro Civil, Accioly foi prefeito de Feira de Santana em 1946, prefeito de
Cipó (1947-1951), Deputado Estadual pela UDN e pela ARENA entre 1959 e 1979. Accioly
Vieira é pai do ex-prefeito de Cícero Dantas, Hélio Vieira, ainda vivo com mais
de 80 anos. Outro descendente de Chiquinho Vieira de carreira proeminente foi
Fernando Andrade (neto) que foi prefeito de Cícero Dantas em duas ocasiões, de
1973 a 1976 e de 1983 a 1988 e deputado estadual de 1999 a 2003.
Ainda de
acordo com Souza (2008), o poderio da família Vieira teve uma baixa em 1960
quando um ex-aliado, o Padre Renato Galvão, rompeu com a família e lançou-se
candidato, elegendo-se com ampla margem o prefeito de Cícero Dantas em 1964. A eleição
do Vigário foi um duro golpe para o clã pois rompeu com um ciclo que na época
já durava quase cem anos.
Consta
que aquela eleição foi especialmente violenta. Em carta ao deputado João da
Costa Pinto Dantas, seu aliado político, o padre Renato relata acontecimentos
como batidas na porta da casa paroquial altas horas da madrugada e uma
conspiração para assassiná-lo, impedindo a sua candidatura. Na missiva assevera
o padre: “Descobri que a empregada que demiti iria envenenar-me”.
O
mandato do Padre Renato ficou marcado por romper com o ciclo dos Vieiras também
em termos administrativos. Amplas obras públicas na cidade fizeram do Padre/Prefeito
uma figura de grande prestígio público. Em Fátima, que na ocasião do seu
mandato já era Vila, a gestão de Renato Galvão foi responsável, por exemplo,
pela construção do Açougue Municipal (1964), ampliação do Colégio onde hoje
funciona a Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima, o gerador a Diesel que trouxe
energia pela primeira vez para essa localidade (1964) e o Poço Municipal (a
Bomba) que foi inaugurada em 1960 por sua influência quando ainda nem era
prefeito.
A
família vieira de Cícero Dantas ainda continuou com o seu legado político
naquela cidade e ainda preserva influência, contudo, nada comparado ao poder
que ostentava no passado.
As práticas
oriundas do coronelismo, naturalmente, ecoaram e, de certa forma, ainda ecoam com
o passar dos anos. O próprio João Maria era filho desse tempo. A sua forma de
gerir trazia muitos resquícios da política coronelista. Era um homem ríspido e
dado a um certo autoritarismo, embora tenha admiradores até os dias de hoje. Seu
modo de enxergar a política não poderia deixar de fazer jus a sua própria
origem como pessoa. Enquanto adversário do coronel Chiquinho vieira, João Maria
herdou práticas peculiares. Na atualidade, alguns políticos da nossa região
ainda resguardam hábitos típicos daquela época como a compra de votos, campanhas
baseadas em grandes cifras e tantas outras práticas que há muito deveriam ter
sido deixadas no passado da nossa gente.
Moisés Santos Reis Amaral,
Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela
Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em
Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.
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