O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

De Fátima ao Padre Cícero (Conexões)

Cícero Romão Batista, o Padre Cícero do Juazeiro, nasceu 1844 no Crato, no estado do Ceará. Foi ordenado padre ainda em 1870 na capital daquele estado, Fortaleza.

Pode parecer estranho à maioria das pessoas, mas o jovem Cícero Romão não era bem visto pela gerência do seminário. A sua religiosidade diferenciava-se dos demais por sustentar crenças em visões e profecias, o que não era aceito pela igreja católica. Dizia-se que aquilo se assemelharia mais ao curandeirismo do que aos dogmas do catolicismo.

Mesmo com tais obstáculos, ao ser ordenado padre, logo ganhou fama de milagreiro entre a gente simples do sertão. Um caso em particular, ocorrido no Juazeiro em 1894 fez do Padre Cícero um homem santo na visão dos fiéis. Durante uma missa, ao entregar a hóstia a um fiel esta teria virado sangue, fato testemunhado pelos devotos e que teria se repetido por mais de uma vez.

Esse episódio transformou não só a vida do padre, mas também da cidade de Juazeiro do Norte por conta do número de fiéis que passaram a frequentar a cidade. Mas a fama do padre ainda incomodava a igreja, tanto é que naquele mesmo ano (1894) foi punido pela Santa Sé, sendo suspenso do sacerdócio. O fato encorajou o padre a ir ao vaticano em 1898 para protestar contra aquela situação.

Mas sua fama só crescia. Em 1911 o distrito de Juazeiro foi elevado a município e o padre torna-se prefeito da cidade, seria aquela apenas mais uma de suas inúmeras conexões políticas.

Tamanha era a popularidade do padre que em 1915, chega ao juazeiro o Sírio Benjamin Abrahão Botto. O árabe que se tornaria célebre por filmar Lampião e seu grupo nas caatingas desse nordeste é retratado pelo historiador Frederico Pernambucano de Melo como um aproveitador, que fez uso da boa fé do padre para se dar bem na vida.

Durante a celebração de uma missa no Juazeiro, o Padre Cícero não pôde deixar de notar entre os caboclos calcinados pelo sol do sertão aquele homem branco, de boa estatura e bem vestido. Ao final do culto, o padre pediu a um de seus assessores que averiguassem quem era aquela figura. Ao ser interpelado pelos ajudantes do padre, Benjamim teria respondido: “Diga ao meu padrinho que sou da terra do nosso senhor Jesus Cristo”.

Aquela apresentação fez de Benjamim o secretário especial do padre, morando na casa paroquial da cidade até a morte do religioso. Ainda de Acordo com Frederico Pernambucano de Melo, o sírio andava sempre muito bem vestido, com terno de casimira e sapatos importados. Tal era a sua esperteza que, com a morte do padre em 1934, teria tirado uma mecha de cabelo do cadáver para transformar e suvenir e ganhar dinheiro.


após o episódio da morte do Padre Cícero, benjamim fez bom uso do prestígio que o vigário tinha junto aos bandos de cangaceiros, sobretudo Lampião. Virgulino Ferreira da Silva era devoto do padre Cícero e chegou a visita-lo inúmeras vezes. O cangaceiro Volta Seca, que morou na cidade vizinha de Novo Triunfo, relatou que viu o capitão Virgulino chorar e ser acometido por uma profunda tristeza que durou dias ao saber da morte do Padre.

Ciente disso, Benjamim Abraão muniu-se de uma câmera de vídeo e saiu em busca de realizar inéditas imagens dos cangaceiros. Foi motivo de constrangimento para as volantes saberem que um gringo teria levado poucas semanas para encontrar Lampião e seu bando no meio do mato para filmá-los em seu “habitat natural”. O filme de Benjamim Abrão é considerado uma joia do acervo cinematográfico do cangaço. Descontraídos os cangaceiros, inclusive Maria Bonita e Lampião posam para as fotos e deixam-se filmar sem preocupações, afinal, aquele homem era o assessor do já falecido Padim Ciço.

O evento com o bando de Lampião ocorreu em 1936 mas Benjamim não parou por aí, fez diversas fotografias de cangaceiros e volantes, registrando com entusiasmo aquela guerra ocorrida na caatinga. Naquele mesmo ano, em Poço Redondo, Sergipe, Benjamim encontra a volante do Tenente Zé Rufino, no encalço do cangaceiro Mariano. O sírio pede autorização ao tenente que se deixa fotografar. Entre aqueles homens estava o fatimense Liberino Vicente, flagrado ao lado do afamado matador de cangaceiros, criando assim a conexão entre o Padre Cícero do Juazeiro e Fátima.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


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