Na
segunda metade do século XIX, uma epidemia de cólera que se originou na Ásia e
já varria a Europa chega a essa região. A doença, causada por uma bactéria, o
vibrião colérico, era mortal e causou enormes prejuízos em todos os lugares por
onde passou.
Nós,
que estamos vivendo esse período de pandemia da Covid-19, temos condições hoje
de compreender melhor o que os nossos antepassados viveram mais de cem anos
atras.
A
cólera é uma doença ligada a questões de saúde pública e se alastrava com muita
facilidade pelas fétidas cidases do dezenove. Ao chegar ao Brasil, provavelmente pelo
Pará, a pandemia já estava em sua terceira onda. É interessante notar que,
naquela época já havia grande trânsito de pessoas e mercadorias pelo mundo,
sobretudo a bordo de navios vapores.
A
disseminação da doença não foi tão rápida quanto foi a do corona vírus que, a
bordo de modernas aeronaves levou apenas alguns meses para atingir 160 países. Entretanto,
causou estragos similares, sobretudo em virtude da ausência de políticas de
saneamento básico da época.
Na
Europa, a Inglaterra foi o país mais atingido, na verdade foi em Londres que se
descobriu que a doença estava ligada a água contaminada. Aqui na Bahia, a cidade
de Salvador ficou à beira do caos. A partir de 1855, a capital foi praticamente
isolada, o sertanejo que levava gado para abastecer o mercado local se recusava
a arriscar a vida, com o tempo percebeu-se que muitos tangedores,
vaqueiros que conduziam o gado, perdiam suas vidas ao retornarem doentes da
capital. A recusa do sertanejo em viajar para Salvador repete-se em outras
regiões que abasteciam a cidade de toda sorte de gêneros alimentícios como
farinha, milho, etc. o que leva a carestia de alimentos e a fome entre os
soteropolitanos. O gado que chegava à capital, por exemplo, era vendido a
preços exorbitantes.
Aqui
no sertão, a doença não tardou a chegar e fazer estragos. Em 1856, o barão de
Jeremoabo, ainda um jovem estudante, relata em seu diário a morte de um criado
da sua família, que faleceu em Jeremoabo. Assim escreve o barão:
Paulo,
criado de meu pai, de grande estima nossa e que nos acompanhou quando éramos
estudantes, (eu e meus irmãos Baldoino e Benício), faleceu no Caritá a 23 de
janeiro de 1856, vítima de Cólera Morbus.
O
trecho acima foi publicado por um trineto do Barão, Álvaro Pinto Dantas de
Carvalho Júnior. Na mesma obra, vê-se as queixas do fidalgo acerca da doença,
onde roga a deus que livre a região do flagelo da cólera.
O gado
que chegava a Salvador era oriundo do vasto “sertão”, inclusive daqui de Fátima,
que à época pertencia à comarca de Jeremoabo de cima. Em algumas cartas
trocadas entre o Barão e o dono da fazenda Maria Preta, Severo Correia de Souza, podemos
notar os trâmites para o envio das enormes boiadas com destino à capital. As viagens
conduzidas por tangedores, como dito, foram prejudicadas e, em alguns momentos,
interrompidas por ausência desses profissionais.
Há
relatos de que a então Vila de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) foi
fortemente impactada por aquela pandemia. De acordo com depoimentos colhidos
por pesquisadores, o número de mortes foi altíssimo no período, até mesmo
sepultamentos coletivos foram realizados no cemitério que fica no morro em
frente à atual igreja da cidade (construída em 1812) em decorrência da
incapacidade de realizar enterros tradicionais para o grande número de vítimas.
Não está
claro, contudo, qual foi o impacto direto na região onde hoje se localiza
Fátima, entretanto, há razões para acreditar que a cólera também atingiu as
fazendas que existiam por aqui. A cólera ainda assombrou essa região em outras
ocasiões. Nos anos 1990, voltou a assustar o fatimense mas foi contida e
praticamente erradicada da maior parte do país.
Moisés Santos Reis Amaral,
Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela
Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em
Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.
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