O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

terça-feira, 18 de maio de 2021

A pandemia de cólera que assolou a região no século XIX.


Na segunda metade do século XIX, uma epidemia de cólera que se originou na Ásia e já varria a Europa chega a essa região. A doença, causada por uma bactéria, o vibrião colérico, era mortal e causou enormes prejuízos em todos os lugares por onde passou.

Nós, que estamos vivendo esse período de pandemia da Covid-19, temos condições hoje de compreender melhor o que os nossos antepassados viveram mais de cem anos atras.

A cólera é uma doença ligada a questões de saúde pública e se alastrava com muita facilidade pelas fétidas cidases do dezenove. Ao chegar ao Brasil, provavelmente pelo Pará, a pandemia já estava em sua terceira onda. É interessante notar que, naquela época já havia grande trânsito de pessoas e mercadorias pelo mundo, sobretudo a bordo de navios vapores.

A disseminação da doença não foi tão rápida quanto foi a do corona vírus que, a bordo de modernas aeronaves levou apenas alguns meses para atingir 160 países. Entretanto, causou estragos similares, sobretudo em virtude da ausência de políticas de saneamento básico da época.

Na Europa, a Inglaterra foi o país mais atingido, na verdade foi em Londres que se descobriu que a doença estava ligada a água contaminada. Aqui na Bahia, a cidade de Salvador ficou à beira do caos. A partir de 1855, a capital foi praticamente isolada, o sertanejo que levava gado para abastecer o mercado local se recusava a arriscar a vida, com o tempo percebeu-se que muitos tangedores, vaqueiros que conduziam o gado, perdiam suas vidas ao retornarem doentes da capital. A recusa do sertanejo em viajar para Salvador repete-se em outras regiões que abasteciam a cidade de toda sorte de gêneros alimentícios como farinha, milho, etc. o que leva a carestia de alimentos e a fome entre os soteropolitanos. O gado que chegava à capital, por exemplo, era vendido a preços exorbitantes.

Aqui no sertão, a doença não tardou a chegar e fazer estragos. Em 1856, o barão de Jeremoabo, ainda um jovem estudante, relata em seu diário a morte de um criado da sua família, que faleceu em Jeremoabo. Assim escreve o barão:

Paulo, criado de meu pai, de grande estima nossa e que nos acompanhou quando éramos estudantes, (eu e meus irmãos Baldoino e Benício), faleceu no Caritá a 23 de janeiro de 1856, vítima de Cólera Morbus.

O trecho acima foi publicado por um trineto do Barão, Álvaro Pinto Dantas de Carvalho Júnior. Na mesma obra, vê-se as queixas do fidalgo acerca da doença, onde roga a deus que livre a região do flagelo da cólera.

O gado que chegava a Salvador era oriundo do vasto “sertão”, inclusive daqui de Fátima, que à época pertencia à comarca de Jeremoabo de cima. Em algumas cartas trocadas entre o Barão e o dono da fazenda Maria Preta, Severo Correia de Souza, podemos notar os trâmites para o envio das enormes boiadas com destino à capital. As viagens conduzidas por tangedores, como dito, foram prejudicadas e, em alguns momentos, interrompidas por ausência desses profissionais.

Há relatos de que a então Vila de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) foi fortemente impactada por aquela pandemia. De acordo com depoimentos colhidos por pesquisadores, o número de mortes foi altíssimo no período, até mesmo sepultamentos coletivos foram realizados no cemitério que fica no morro em frente à atual igreja da cidade (construída em 1812) em decorrência da incapacidade de realizar enterros tradicionais para o grande número de vítimas.

Não está claro, contudo, qual foi o impacto direto na região onde hoje se localiza Fátima, entretanto, há razões para acreditar que a cólera também atingiu as fazendas que existiam por aqui. A cólera ainda assombrou essa região em outras ocasiões. Nos anos 1990, voltou a assustar o fatimense mas foi contida e praticamente erradicada da maior parte do país.


Moisés Santos Reis Amaral, Professor há 19 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe.


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