Foto: João de Souza Lima |
A
socióloga carioca Maria Isaura Queiroz, em 1955, fez um estudo sobre a comunidade agrícola e religiosa fundada no sertão baiano nos anos 1940 e afirma
que Padro Batista, o seu líder religioso, era alagoano.
Batista
não comentava sobre sua vida pregressa com os romeiros (como ficaram conhecidos
os seus seguidores) tomando para si um ar de misticismo, como se tivesse
nascido de uma forma extraordinária. O movimento criado e comandado por ele em
Santa Brígida era um autêntico representante do messianismo, como
os ocorridos em Canudos e em Juazeiro do Norte, por exemplo.
Era
um homem vivido, tendo servido ao exército e conhecido o sul e sudeste do país,
embora fosse analfabeto. Afirmava que uma visão divina o fizera retornar ao
Nordeste e passou, desde então, a peregrinar pelo sertão da Bahia, Sergipe,
Alagoas e Pernambuco. Ficou conhecido por dar conselhos à população e por curar
pessoas com orações, isso o trouxe fama entre a gente pobre e analfabeta do
sertão de santo milagreiro.
Por
onde passou, entretanto, levou a desconfiança das autoridades que temiam a
reativação do movimento de Canudos, Chegou a ficar nove meses preso em
Pernambuco.
Chegou
à Santa Brígida por volta de 1945, na época, a localidade pertencia a Jeremoabo,
era um lugarejo de difícil acesso, formado por apenas algumas dezenas de casas
esparsadas entre si.
O
Coronel João Sá era o líder político inconteste daquela área e como tal, não o
interessava qualquer tipo de instabilidade. Mas logo percebeu que poderia se
aliar a Pedro Batista e, ao mesmo tempo que o vigiava de perto, colheu os
frutos da influência do beato.
Dessa
aliança, surgiu arrendamentos de terras nas quais os romeiros plantavam
diversos gêneros agrícolas, o que fez de Santa Brígida um grande polo agrícola
na época.
Com
a mão-de-obra abundante, havia sistemática divisão de trabalho, alguns grupos se
encarregavam do serviço de desmatamento, outros da madeira e outros ainda do
plantio, essas forças de trabalho organizadas e motivadas eram muito produtivas.
Toda
essa produção era comercializada pelo próprio beato, que se tornou um dos
maiores comerciantes de gêneros agrícolas da região. Foram construídos armazéns
para estocar o excedente de produção e até um caminhão foi adquirido pela
comunidade. Nesses armazéns os trabalhadores eram pagos conforme sua produção e
função.
O
êxodo constante de sertanejos em direção à Santa Brígida, acabou formando ali
um grande conglomerado de eleitores para o coronel. Quem chegava, era
prontamente registrado como eleitor local e assim, foi-se formando uma
comunidade numerosa, o que aumentava significativamente a influência e o poder
político do Coronel João Sá.
Conforme
os romeiros iam chegando, eram alojados em um loteamento rural adjacente,
acertando prontamente um local para a agricultura de subsistência, uma vez que
a maioria dos que chagavam eram agricultores. Os recém-chegados recebiam o
apoio da comunidade local para iniciar a sua própria produção.
Esse
movimento promoveu uma mudança substancial na estrutura local. As matas foram
transformadas em áreas agricultáveis e a comunidade organizou-se em uma espécie
de cooperativa de trabalho rural sob o comando de Pedro Batista, na qual
mutirões eram organizados e realizavam todo o tipo de trabalho em benefício da
coletividade. A presença de uma liderança
com conotações espirituais deu a essas associações de trabalho uma unidade
diferenciada, o trabalho coletivo era constante e produtivo.
Com o crescimento da população de romeiros
na localidade, uma divisão social acabou por se formar. Os seguidores de Pedro
Batista eram chamados (e assim se identificavam) de Romeiros, enquanto os habitantes
locais, nativos, eram chamados de Baianos. Havia certa animosidade entre
romeiros e baianos, o que levou a alguns conflitos pontuais. Pedro Batista
chegou a proibir a ida de romeiros à missa na igreja dos baianos.
Pedro
Batista incentivou a chegada à Santa Brígida de profissionais que ajudassem a
desenvolver a região como professores, comerciantes, enfermeiros e outros,
reforçando a ideia de que sua vontade era ver prosperar a comunidade agrícola
da qual era líder religioso no sertão baiano.
Assim,
buscou empréstimos em agências bancárias e investiu na transformação de Santa
Brígida em um grande fornecedor regional de produtos oriundos da agricultura e
pecuária. Embora o beato tenha acumulado patrimônio, os recursos oriundos da
comercialização desses produtos eram revertidos em benefícios à população.
Grandes
romarias eram realizadas em Santa Brígida, com centenas de pessoas chegando de
vários estados do nordeste para tomar um conselho, buscar cura para uma doença,
ou simplesmente para estar perto de Pedro Batista. Parte dos que chegavam
ficavam por lá mesmo e contribuíam com o crescimento populacional vertiginoso
nos anos áureos da comunidade.
Muitos
antigos romeiros do Padre Cícero, quando da sua morte, passaram a caminhar para
ouvir os conselhos do beato radicado em terras baianas. Pedro Batista tornou-se,
então, uma espécie de substituto do padre cearense.
A
comunidade era cristã, não podia vender bebidas alcoólicas, não haviam festas
pagãs e o padrão de comportamento era conservador. Não há relatos também de
roubos, furtos e violência.
Toda
decisão importante, como viajar a trabalho, por exemplo, era antes compartilhada
com o beato e só era tomada mediante a sua aprovação. A habilidade do beato em
dar conselhos gerava muito poder simbólico em torno de si.
Pedro
Batista chegou a possuir ao menos 4 fazendas, pagava impostos e seguia as
regras da sociedade da época, o que o diferenciava de Conselheiro que era
monarquista e negava a república.
Em
uma dessas fazendas criou um núcleo colonial onde trabalhadores e suas famílias
produziam em benefício próprio. Com a ajuda de recursos federais, o núcleo colonial
prosperou tanto que chagava a arrecadar mais que a prefeitura local anualmente,
além de possuir infraestrutura como igreja, pousada, escolas, hospitais e
veículos para o escoamento da produção
Como
era comum nos movimentos messiânicos, haviam atritos com a igreja católica. O Monsenhor
José de Magalhães e Souza, por exemplo, teve rusgas consideráveis com Pedro
Batista, que não cobrava pelos “serviços espirituais” e desautorizava a igreja
Após
sua morte, o vazio de liderança findou por desorganizar as estruturas montadas
pelo beato, alguns candidatos a sucessor tentaram assumir seu lugar, o que
chegou a gerar violência. Assim, toda a organização e prosperidade construída
pelo beato só durou enquanto a sua presença física era percebida. A sua partida
representou o começo do fim.
Hoje
Santa Brígida é mais uma cidade do interior baiano com suas agruras econômicas e
sociais e muito pouco tem daquela comunidade que prosperou em torno da figura de
um beato que tinha visão de prosperidade, mas não planejou e nem preparou a
comunidade para a sua ausência.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
GONZALES,
Olegário Miguel. Bem-aventurança em Santa Brígida, uma comunidade sob a
orientação de Pedro Batista. Dissertação, UFBA 2004.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. A importância do distrito baiano
de Santa Brigida na sociologia. Dissertação UFRJ, 2001.
MOISÉS REIS é professor, historiador e escritor. Reside em Fátima, BA. É mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Contato: 75 999742891
e-mail. moisessantosra@gmail.com
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