O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Movimento Messiânico de Santa Brígida – Bahia.

Foto: João de Souza Lima

 

A socióloga carioca Maria Isaura Queiroz, em 1955, fez um estudo sobre a  comunidade agrícola e religiosa fundada no sertão baiano nos anos 1940 e afirma que Padro Batista, o seu líder religioso, era alagoano.

Batista não comentava sobre sua vida pregressa com os romeiros (como ficaram conhecidos os seus seguidores) tomando para si um ar de misticismo, como se tivesse nascido de uma forma extraordinária. O movimento criado e comandado por ele em Santa Brígida era um autêntico representante do messianismo, como os ocorridos em Canudos e em Juazeiro do Norte, por exemplo.

Era um homem vivido, tendo servido ao exército e conhecido o sul e sudeste do país, embora fosse analfabeto. Afirmava que uma visão divina o fizera retornar ao Nordeste e passou, desde então, a peregrinar pelo sertão da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Ficou conhecido por dar conselhos à população e por curar pessoas com orações, isso o trouxe fama entre a gente pobre e analfabeta do sertão de santo milagreiro.

Por onde passou, entretanto, levou a desconfiança das autoridades que temiam a reativação do movimento de Canudos, Chegou a ficar nove meses preso em Pernambuco.

Chegou à Santa Brígida por volta de 1945, na época, a localidade pertencia a Jeremoabo, era um lugarejo de difícil acesso, formado por apenas algumas dezenas de casas esparsadas entre si.

O Coronel João Sá era o líder político inconteste daquela área e como tal, não o interessava qualquer tipo de instabilidade. Mas logo percebeu que poderia se aliar a Pedro Batista e, ao mesmo tempo que o vigiava de perto, colheu os frutos da influência do beato.

Dessa aliança, surgiu arrendamentos de terras nas quais os romeiros plantavam diversos gêneros agrícolas, o que fez de Santa Brígida um grande polo agrícola na época.

 

Com a mão-de-obra abundante, havia sistemática divisão de trabalho, alguns grupos se encarregavam do serviço de desmatamento, outros da madeira e outros ainda do plantio, essas forças de trabalho organizadas e motivadas eram muito produtivas.

Toda essa produção era comercializada pelo próprio beato, que se tornou um dos maiores comerciantes de gêneros agrícolas da região. Foram construídos armazéns para estocar o excedente de produção e até um caminhão foi adquirido pela comunidade. Nesses armazéns os trabalhadores eram pagos conforme sua produção e função.

O êxodo constante de sertanejos em direção à Santa Brígida, acabou formando ali um grande conglomerado de eleitores para o coronel. Quem chegava, era prontamente registrado como eleitor local e assim, foi-se formando uma comunidade numerosa, o que aumentava significativamente a influência e o poder político do Coronel João Sá.

          Conforme os romeiros iam chegando, eram alojados em um loteamento rural adjacente, acertando prontamente um local para a agricultura de subsistência, uma vez que a maioria dos que chagavam eram agricultores. Os recém-chegados recebiam o apoio da comunidade local para iniciar a sua própria produção.

Esse movimento promoveu uma mudança substancial na estrutura local. As matas foram transformadas em áreas agricultáveis e a comunidade organizou-se em uma espécie de cooperativa de trabalho rural sob o comando de Pedro Batista, na qual mutirões eram organizados e realizavam todo o tipo de trabalho em benefício da coletividade.  A presença de uma liderança com conotações espirituais deu a essas associações de trabalho uma unidade diferenciada, o trabalho coletivo era constante e produtivo.

          Com o crescimento da população de romeiros na localidade, uma divisão social acabou por se formar. Os seguidores de Pedro Batista eram chamados (e assim se identificavam) de Romeiros, enquanto os habitantes locais, nativos, eram chamados de Baianos. Havia certa animosidade entre romeiros e baianos, o que levou a alguns conflitos pontuais. Pedro Batista chegou a proibir a ida de romeiros à missa na igreja dos baianos.

Pedro Batista incentivou a chegada à Santa Brígida de profissionais que ajudassem a desenvolver a região como professores, comerciantes, enfermeiros e outros, reforçando a ideia de que sua vontade era ver prosperar a comunidade agrícola da qual era líder religioso no sertão baiano.

Assim, buscou empréstimos em agências bancárias e investiu na transformação de Santa Brígida em um grande fornecedor regional de produtos oriundos da agricultura e pecuária. Embora o beato tenha acumulado patrimônio, os recursos oriundos da comercialização desses produtos eram revertidos em benefícios à população.

Grandes romarias eram realizadas em Santa Brígida, com centenas de pessoas chegando de vários estados do nordeste para tomar um conselho, buscar cura para uma doença, ou simplesmente para estar perto de Pedro Batista. Parte dos que chegavam ficavam por lá mesmo e contribuíam com o crescimento populacional vertiginoso nos anos áureos da comunidade.

Muitos antigos romeiros do Padre Cícero, quando da sua morte, passaram a caminhar para ouvir os conselhos do beato radicado em terras baianas. Pedro Batista tornou-se, então, uma espécie de substituto do padre cearense.

A comunidade era cristã, não podia vender bebidas alcoólicas, não haviam festas pagãs e o padrão de comportamento era conservador. Não há relatos também de roubos, furtos e violência.

Toda decisão importante, como viajar a trabalho, por exemplo, era antes compartilhada com o beato e só era tomada mediante a sua aprovação. A habilidade do beato em dar conselhos gerava muito poder simbólico em torno de si.

Pedro Batista chegou a possuir ao menos 4 fazendas, pagava impostos e seguia as regras da sociedade da época, o que o diferenciava de Conselheiro que era monarquista e negava a república.

Em uma dessas fazendas criou um núcleo colonial onde trabalhadores e suas famílias produziam em benefício próprio. Com a ajuda de recursos federais, o núcleo colonial prosperou tanto que chagava a arrecadar mais que a prefeitura local anualmente, além de possuir infraestrutura como igreja, pousada, escolas, hospitais e veículos para o escoamento da produção

Como era comum nos movimentos messiânicos, haviam atritos com a igreja católica. O Monsenhor José de Magalhães e Souza, por exemplo, teve rusgas consideráveis com Pedro Batista, que não cobrava pelos “serviços espirituais” e desautorizava a igreja

Após sua morte, o vazio de liderança findou por desorganizar as estruturas montadas pelo beato, alguns candidatos a sucessor tentaram assumir seu lugar, o que chegou a gerar violência. Assim, toda a organização e prosperidade construída pelo beato só durou enquanto a sua presença física era percebida. A sua partida representou o começo do fim.

Hoje Santa Brígida é mais uma cidade do interior baiano com suas agruras econômicas e sociais e muito pouco tem daquela comunidade que prosperou em torno da figura de um beato que tinha visão de prosperidade, mas não planejou e nem preparou a comunidade para a sua ausência.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

GONZALES, Olegário Miguel. Bem-aventurança em Santa Brígida, uma comunidade sob a orientação de Pedro Batista. Dissertação, UFBA 2004.

 

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. A importância do distrito baiano de Santa Brigida na sociologia. Dissertação UFRJ, 2001.


MOISÉS REIS é professor, historiador e escritor. Reside em Fátima, BA. É mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 

Contato: 75 999742891

e-mail. moisessantosra@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário