Um dos
elementos mais emblemáticos do povo nordestino é a sua origem miscigenada e não
apenas do ponto de vista étnico, mas, sobretudo, vê-se simbioses em sua
diversidade cultural.
O
vaqueiro nordestino é a representação viva das origens plurais deste povo pois,
em sua gênese, tem raízes ibéricas, já que os povos que habitam e habitaram
aquela península europeia, sempre nutriram forte paixão pela tauromaquia, sendo
as touradas um patrimônio cultural na Espanha e em países latino-americanos
colonizados por estes, como México e Colômbia, por exemplo, e em menor escala,
na parte mais oeste da península, nas terras lusitanas, sendo que em Portugal a
tourada com final trágico (morte do touro) foi proibida no ano de 1928, medida
relaxada posteriormente. Até a presente data persiste em locais com forte
tradição que ainda se permite tal prática legalmente. No Brasil, temos a farra
do boi em Santa Catarina, herança dos colonos açorianos, a vaquejada, cavalgadas
e Pegas-de-Boi aqui no nordeste.
Nada
disso se compara a lida diária do vaqueiro, verdadeira reminiscência da
colonização portuguesa nestas terras, que para muitos tem origens puramente
ibérica, portanto, europeia.
Neste
breve texto, se buscará mostrar influências islâmicas nesta prática, sendo que,
como é sabido, povos mouros (norte-africanos) e árabes estiveram presentes na
Península Ibérica por mais de sete séculos, tempo mais que suficiente para
imprimir profundas marcas nos costumes e tradições daquela região.
O
domínio islâmico começou a enfrentar resistência com o início das cruzadas, que
eram expedições militares insufladas pelos altos clérigos católicos com o fito
de retomarem a Terra Santa (Jerusalém) dos muçulmanos, e isto se deu no século
XI, época do início da chamada Reconquista Ibérica e só veio a cabo no ano de
1492, quando cai o Reino de Granada, último bastião islâmico na península.
Seria ingênuo pensar que sete séculos de presença de um povo não deixassem
marcas indeléveis na cultura local e, obviamente, a cultura islâmica está
presente tanto na Península Ibérica, quanto nos povos conquistados por estes, a
exemplo dos povos latino-americanos.
Temos
um manancial de costumes e palavras de origem árabe, como por exemplo, a
azulejaria, o cavaquinho brasileiro que é um ‘descendente’ do alaúde árabe, os
vendedores ambulantes, famosos mascates, também são uma herança daquele povo,
assim como o costume de colocar um lenço sobre a cabeça, cultivado por
distintas senhoras nordestinas.
No campo das palavras temos inúmeros exemplos,
como, açafrão, açougue, açúcar, açude, armazém, arroz, alface, alicate,
almofada, alvará, café, nora, xadrez, zero e tantas outras. A matemática é um
dos campos mais fecundos desta herança cultural, basta lembrar que usamos os práticos
números hindu-arábicos em vez dos complicados algarismos romanos.
Mas,
retomando o foco, no Nordeste, desde os primórdios da colonização, vimos que a
expansão para os sertões se deu na lida do gado, na cultura do vaqueiro e,
assim, atingimos os rincões destas terras adustas, quando os vaqueiros,
funcionários da casa da Torre da dinastia D’ávila, adentraram o assim
denominado “Sertão”, em busca de terras para a criação de gado.
O vaqueiro em seu canto tradicional, o aboio,
traz sua vida dura no seu cantar, ele se lamenta ao emitir um conjunto de sons,
inclusive alguns sons guturais que incrivelmente encontram eco na cultura
islâmica do chamamento às cinco orações diárias, pilar da fé islâmica que é
proferida diariamente nos minaretes das mesquitas pelos muezins ou almuadens.
Na
época inicial da colonização no Brasil haviam inúmeros ‘cristãos novos’ que
eram judeus e muçulmanos recém convertidos a fé cristã e, que muitas vezes só o
haviam feitos para escaparem dos horrores da tenebrosa Inquisição Católica, que
lançava a fogueira os hereges e infiéis, sendo que a morte rápida no fogo era
um alento, já que muitas vezes o indivíduo vítima desse atroz tribunal
religioso sofria torturas indizíveis para confessar seus supostos desvios para
com a fé católica. Assim, o lamento do vaqueiro, é uma reminiscência, um som
atávico de povos oprimidos que queriam expressar sua fé livremente e tinham que
emular uma fé alheia para sobreviver.
Séculos
mais tarde tivemos nova leva de islâmicos no Brasil, agora escravizados, que
vieram sobretudo da região onde hoje é a Nigéria, dentre estes temos os famosos
malês, que protagonizaram uma revolta que sacudiu a Bahia. Escravos de traços
culturais muito fortes e duradouros que resistiram ao tempo, chegando, inclusive
e com as naturais variações, a esta nossa região do semiárido baiano, por
exemplo.
A
cultura de um povo é rica e, não se pode usar reducionismos para narrar
histórias plurais. O eurocentrismo tenta anular tudo que não parte do velho continente,
mas, o brasileiro é a simbiose do nativo indígena, do colonizador europeu e do
escravo africano, entretanto, o próprio europeu é fruto de misturas que se
processaram ao longo de séculos de contatos com povos de diversas matrizes.
Essa
nossa formação étnico-cultural nos moldou tal qual o somos hoje, carregados de
ressignificações culturais construídas e reconstruídas ao longo dos séculos,
foi essa conjuntura que nos fez resistente as intempéries climáticas,
carregados de tradições e rancores religiosos e preenchidos por uma sólida
identificação com as nossas tradições e costumes.
FONTES:
AL-JERRAHI,
Haiji Sheikh Muhammad Ragip. HISTÓRIA DA PRESENÇA ISLÂMICA NO BRASIL - Um breve
relato, 2003. Disponível em: <http://www.masnavi.org/jerrahi/Artigos___Palestras/Historia_da_presenca_Islamica_/historia_da_presenca_islamica_.html> Acesso em: 18 de mar. de 2021.
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