O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Bom Conselho violento.

 

Era 28 de agosto de 1903, entardecer na Vila de Bom Conselho, quando 40 homens armados chegam à casa do juiz da local, o magistrado Antônio Pedreira Cerqueira, conhecido como Dr. Pedreira. Aqueles homens estavam sob as ordens do então comissário de polícia, Pedro Correia de Sousa e traziam um cavalo arreado.

          Entraram na casa do juiz alheios aos gritos dos filhos e da esposa e arrancaram a autoridade de dentro da residência fazendo-o montar no animal sobressalente sob as ordens do comissário que afirmava não ser mais possível ao magistrado atuar no Bom Conselho. Conduziram-no por longo caminho até o engenho Camurciatá, propriedade do barão de Jeremoabo, no município de Itapicuru. Dois dias depois, a família do juiz deixou a vila para encontra-lo.

          Toda essa ação foi capitaneada pelos Correias e Vieiras, duas famílias que se unem em laços históricos antigos em Cícero Dantas. Mas o que teria motivado tamanha violência? O que poderia ter levado à expulsão forçosa do juiz da cidade pelos mandatários locais?

          De acordo com o historiador Marcelo Reis, o juiz Pedreira, havia libertado um homem, preso injustamente. Ocorre que esse indivíduo era um desafeto antigo de Manoel Vieira de Andrade, o Mané Vieira.

          Para fins didáticos e para situar esse indivíduo na atual família Vieira de Cícero Dantas, Mané Vieira era pai de Chiquinho Vieira, que, por sua vez, é o avô do ex-prefeito de Cícero Dantas, Hélio Vieira, ainda vivo nos dias de hoje.

          A soltura do desafeto, teria levado a uma reação em cadeia que, de acordo com depoimentos colhidos por Marcelo Reis, levaria ao trágico suicídio de Mané Vieira.

          A ação realizada em Bom Conselho repercutiu na imprensa baiana. Na edição de 14 de agosto de 1903, o jornal da capital CORREIO DO BRASIL, noticiava com grande alarde os fatos.

          De oposição ao governador Severino Vieira, o periódico tratou de culpar o governo do estado pelo ato violente e de citar motivações eleitoreiras. Fazendo a defesa incisiva do magistrado deposto, o texto cobra a exoneração do comissário de polícia e afirma: “O Dr. Pedreira tinha o pecado de não ser um magistrado político”.

          Na edição de 16 de setembro, o mesmo veículo de informação afirma que no interior da Bahia, essas arbitrariedades não eram novidades, cita o caso do juiz de Monte Santos que, meses antes, tinha se mudado às pressas da comarca por medo da violência.

          O próprio Antônio Pedreira publicaria artigo no mesmo jornal afirmando que, no calor do momento, ele mesmo teria solicitado aos seus algozes que o levassem para a propriedade do Barão em Itapicuru e que não voltaria ao Bom Conselho pois isto seria, em suas palavras: “Morte certa”.

          Mesmo após a repercussão negativa do fato, o comissário de polícia Pedro Correia, que era membro da poderosa família e tio do promotor local, foi mantido no cargo pelo governador. Sabendo disso, o jornal acusa Severino Vieira de ter, ele mesmo, planejado a ação em conluio com seus correligionários locais.

          O sertão sempre foi palco de atos violentos, com a ausência do estado nos primórdios da colonização, as pessoas aprenderam a fazer justiça com as próprias mãos, a arma sempre ao alcance, foi um recurso recorrente para a vingança ou para a coerção.

          Os homens que arquitetaram a expulsão do juiz, acreditavam ter o direito de impor pela via da força os seus interesses. Nos dias atuais, coagir um juiz a deixar a comarca é um ato quase impensado, mas para os nossos ancestrais, fazia parte do jogo de interesses.

 

Moisés Reis, Professor há 24 anos do município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História - O Nazista - Fátima: Traços da sua Histórias - O Embaixador da Paz - Maria Preta: Escravismo no sertão baiano – Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade - da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense.


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