O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Assassinato na Praça Ângelo Lagoa.

 


Era 6 de março de 1970, Fátima ainda era conhecida como “Vila de Fátima” e pertencia ao município de Cícero Dantas. Naquele dia, um marido possessivo entrou em sua casa, na rua “Rua Velha” como chamavam os moradores, sacou sua arma a atirou contra a esposa que costurava em uma velha máquina.

Mortalmente ferida, Adelina Santos Souza, tomba sobre o móvel inerte. O marido assassino, Ananias Santana de Souza, era soldado, servia sob as ordens de Liberino Vicente, ex-volante e delegado do distrito na época.

O crime chocou a pequena localidade, o delegado deu voz de prisão a um companheiro de farda que, mesmo diante do ato brutal que acabara de cometer, não fugiu e não esboçou qualquer reação violenta após o crime. Foi conduzido para uma cela improvisada onde hoje é o Mercadinho JR e aguardou até ser conduzido para a cadeia de Cícero Dantas.

Lá, aguardou até ser submetido a júri popular, que aconteceu no 18 de julho de 1974, alguns fatimenses chegaram a ir assistir ao júri. Condenado por unanimidade a 14 anos de prisão, foi enviado à Salvador, mais precisamente para a penitenciária Lemos de Brito, aonde chegou no dia 23 de setembro de 1974, quatro anos após o crime. O juiz que condenou o réu foi Walter Nogueira Brandão.

Natural do Saco, próximo a Paripiranga, o soldado Ananias Santana Souza contava com 34 anos quando cometeu o crime. Era filho de Francisco José de Souza e Maria Luduvice de Santana, mas vivia em Vila de Fátima, provavelmente em decorrência do trabalho.

Ela era costureira e consta que ele sempre fora um homem muito ciumento e teria sido essa a motivação do crime.

Durante o cumprimento da pena, o advogado alegou que o julgamento teria tido diversos problemas, entre eles, a desconsideração de o crime ter sido cometido em um ato repentino e impensado. Os argumentos da defesa convenceram a juíza Arcy Ferreira Dias que, no dia 21 de novembro de 1975, resolve anular o julgamento.

O réu foi reconduzido à Cícero Dantas, pois, no dia 27 de setembro de 1976, a mesma juíza solicita do diretor da penitenciária uma escolta para a viagem de Ananias.

Novo julgamento é marcado, mas dessa vez o réu é condenado a 16 anos, aumentando ainda mais a sua pena e revelando o quanto esse fato marcou a sociedade local. Seu retorno à penitenciária foi no dia 09 de setembro de 1977.

Sendo considerado um detento de bom comportamento, Ananias recebe o benefício da liberdade condicional em 01 de agosto de 1978 e passou a viver em Alagoinhas, onde atuou como corneteiro no batalhão de polícia local. Sabe-se que morreu naquela cidade em data ignorada.

 

Esse texto teve a valiosa ajuda de Eduardo Pires.

 

Fonte: Arquivo Público da Bahia, seção judiciária, processo-crime. 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Capitão Felipe Castro, o humanista.

 

Enquanto José Osório de Farias, o Zé Rufino, era um autêntico caçador, um guerreiro das caatingas acostumado a combater violência com violência, o capitão Felipe Borges de Castro, se notabilizou pelo seu viés humanitário.

Estudioso do tema cangaço e do sertão enquanto palco principal do fenômeno, o Capitão Felipe, como era conhecido, chegou a propor abordagens de não-violência como ferramenta de combate ao cangaço.

Em relatório enviado ao comando, chegou a afirmar:

 

[...] dos estudos feitos por esse comando, no distrito de Bebedouro, município de Geremoabo, quando de sua viagem daquela zona, resulta falar com segurança acerca do abandono que se encontrava, aquela terra, a infância cujo vida estar condicionada aos horrores do Cangaço criminoso. Não há escolas, nem oficinas, nem arados. Ali, só o bacamarte, conduzido por mãos assassinas, doutrinado exemplifica. IV a escola, para o cujo funcionamento despende o governo certa importância, vive fechada. V – o passatempo favorito das crianças naquela zona, é imitar os cangaceiros nas vestes, nas artes. Merece lembrado um fato há bem pouco tempo ocorrido, em Geremoabo, cujo desfecho fatal, tivemos de lamentar e até agora consterna os corações daquela gente; brincavam Raimundo e Miguel, quando este fingindo-se bandido empunho uma arma encontrada sobre a mesa de jantar, da sua casa de sua residência, e dispara-a, inocentemente, contra o seu companheiro. Eis senão quando, o infeliz moço, estarrecido pela brutal surpresa, ouve ao deflagrar inesperado da arma, o aterrador estampido e, em seguida, vê, diante de si, tombar sem vida, ao solo, o seu amigo e vítima. Sequência senão deste, mas de outros fatos criminosos se tem verificado em Bebedouro, como produto natural do meio. VI – finamente, senhor comandante, para que se tenha, de passagem, uma leve impressão do que seja Bebedouro, atualmente, basta, sabe-lo fornecedor de vinte e dois bandidos cujos nomes vão na relação anexa. VII – saúde e fraternidade. (Ass.) Capitão Felipe Borges de Castro – comandante. (P. 276, 1940).

          Esse oficial, chegou a sugerir aos superiores que criassem instituições de correção, onde os sertanejos flagrados em algum envolvimento com cangaceiros, pudessem receber apoio do estado, formação profissional e ser redirecionados para o bom convívio em sociedade, mas suas ideias foram taxadas de utópicas.

          O Capitão Felipe Castro, teve importante papel nas entregas do bando de Labareda em 1940, quando, ao lado do Monsenhor José de Magalhães e Souza, conseguiu negociar com o arisco Ângelo Roque e seu bando, ação que resultou na rendição desses. Chegou a tentar, ainda na companhia do mesmo religioso, negociar a rendição de Corisco, mas sem êxito.

          Relutante em se entregar, Corisco fez pouco caso dos métodos pacíficos do Capitão Felipe e conheceria a brutalidade dos métodos de Zé Rufino meses depois.

           

         

 

 

 

Você tem hábitos herdados dos Judeus e nem desconfia.


 Quem nunca ouviu dos pais ou avós que não se pode contar estrelas? Contar os astros no céu, de acordo com a tradição popular, faz nascer verrugas; e muitas verrugas ao longo da história, foram classificadas como uma consequência da teimosia das crianças e realizar tal ação.

          Mas de onde vem essa ideia que, nos tempos atuais, até soa como absurdo, ingenuidade?

          E se eu te disser que essa e tantas outras tradições que permearam por séculos e por diferentes gerações, têm origem no judaísmo? Isso mesmo, de acordo com a tradição judaica, o dia começa com o aparecimento da primeira estrela no céu do dia anterior e isso fazia com que os judeus ficassem atentos ao aparecimento do astro no céu noturno. Como a prática do judaísmo foi proibida durante muitos anos em territórios portugueses, temia-se que as crianças apontassem para o céu, para a primeira estrela, e revelasse seu interesse e sua tradição, denunciando assim toda a família que, porventura, praticasse o judaísmo ocultamente. Em virtude disso, criou-se o costume de contar às crianças que, se apontassem estrelas no céu, nasceriam verrugas em sua pele.

Práticas tão comuns ao sertanejo como acreditar que não se deve varrer a casa jogando o lixo pela porta da rua, têm origem no judaísmo. De acordo com a tradição, é pela porta que passam os mortos velados na residência e em sinal de respeito, não se passa com o lixo por ali.

Mas como essas tradições chegaram aos nossos avós e bisavós?

Essa é uma história interessante, que vamos contar a partir de agora:

Fugindo de perseguições religiosas na Europa, muitos judeus se erradicaram no Brasil, boa parte deles, inclusive, vieram ao país como uma forma de punição a partir de 1531, a razão disso está no fato de Portugal, um país católico, proibir a prática do judaísmo em seus domínios, chegando a forçar a conversão destes ao cristianismo, o que deu origem aos “cristãos-novos”.

          Durante o domínio holandês, contudo, no Nordeste do país (1630-1654) os Judeus puderam exercer livremente as suas práticas religiosas, sobretudo no litoral. Isso porque, os holandeses tinham uma prática mais amigável com relação aos israelitas por afinidade religiosa.

          Quando os holandeses foram expulsos do Brasil pelos portugueses, restou aos judeus fugir para Minas Gerais, Voltar para a Europa, ou adentrar os sertões ermos a fim de praticar com mais liberdade as suas tradições religiosas e fugir da perseguição da inquisição.

          No sertão, essas famílias ocuparam diversos setores da sociedade, tornaram-se mascates e viajantes pelas estradas sertanejas, tornaram-se criadores de gado, ovelhas e cabras e se misturaram às populações locais. Sobrenomes como Bezerra, Pereira e Cavalcante, são de origem judia.

          Aos poucos, essas unidades familiares foram se mesclando ao sertanejo caboclo, mas as tradições e características físicas e sociais foram sendo herdadas ao longo das gerações.

          Assim, traços físicos como:

·       Moreno-claro;

·       Cabelos negros;

·       Baixa estatura;

·       Testa curta;

·       Cara alongada;

·       Nariz pontiagudo

 

São características dos judeus que encontramos em muitos sertanejos ainda nos dias atuais.

Importante salientar que, nem todos os que carregam essas características físicas são descendentes de judeus, essa determinação precisa de uma investigação mais abrangente.

Além dos traços físicos, existem também características típicas judaicas como:

·       Grande habilidade para o comércio;

·       Indivíduo desconfiado;

·       Fama de “pão duro”;

 

Achou pouco? ainda tem mais. Muitos dos ditados que pronunciamos hoje em dia de forma automática e natural, tem origens igualmente nas tradições judaicas. vejamos:

 

·       Está pensando na morte da bezerra – Se refere a quem está desatento, com pensamentos distantes;

·       Passar a mão sobre a cabeça – Designa o ato de amenizar, perdoar um erro – Esse ditado origina-se no hábito judaico de abençoar, passando a mão sobre a cabeça descendo pela face;

·       Jogar para o santo – Se refere ao hábito de, antes de ingerir uma bebida, jogar um gole fora – Origina-se da tradição milenar da páscoa dos judeus que costumam reservar um copo de vinho para o profeta Elias, representando o Messias que virá;

·       Vestir a carapuça – Designa aquele que se identificou como culpado – Origina-se na idade média, quando os judeus eram obrigados a usar chapéus pontudos para se identificar;

·       Pedir a bênção – A prática de pedir a benção aos pais ao sair e chegar, remonta a antiga prática sacerdotal, quando os pais abençoam os filhos.

Obviamente, o sertanejo, assim como a maior parte dos brasileiros, é fruto da miscigenação comum ao nosso povo e essas (digamos) heranças aqui ressaltadas, são parte dessa formação social, que se une a outras tradições tão importantes como a indígena, africana, europeia e árabe, todas essas culturas formaram o tempero que produziu o sertanejo típico.

 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Povoado Monte Negro – Fátima/Bahia e a Lei de Terras de 1850.


 

Após a implantação da Lei de terras, que obrigava os posseiros a registrar e pagar pelos registros de terras no Brasil, uma verdadeira romaria se verifica em toda essa região.

          A razão para isso é que, antes da dita lei, todos os ocupantes de terras no Brasil não eram necessariamente donos, tinham apenas o direito concedido pelo império de nela trabalhar.

          Com a vigência da lei de terras (18 de setembro de 1850), todos os posseiros tiveram que buscar a regularização das propriedades, o que levou a uma procura muito grande pelos padres da região, uma vez que os registros só poderiam ser feitos pela igreja, maior representante do estado nos sertões.

          O vigário de Cícero Dantas, Caetano Dias da Silva (Hoje sepultado no altar da igreja de Nosso Senhora do Bom Conselho) foi o responsável pelo registro de um sem-número de fazendas e fazendolas em toda a região.

          Na matriz do Bom Conselho ou de Patrocínio do Coité (atual Paripiranga), o vigário era requisitado para os trâmites de registros, que consistiam quase que exclusivamente na boa fé depositada nos registrantes, isso porque, para registrar uma terra na época, era necessário simplesmente procurar o vigário mais próximo, relatar a compra de uma propriedade, o valor pago e a quem pagou e descrever a área, delimitando os marcos naturais ou artificiais que marcavam as fronteiras da propriedade em questão.

          Assim, no dia 21 de abril de 1859, o vigário Caetano Dias recebe em Cícero Dantas João José Leite, empregado de João Dantas dos Reis, pai do Barão de Jeremoabo, para registrar as fazendas Lages e Tabuleiro, registro que custou aos Dantas dois mil e quinhentos réis.

          Na descrição dos limites das fazendas, um marco natural chama a atenção para quem é de Fátima e região, isso porquê, a fazenda Tabuleiro iniciava, segundo o registrante, na “Serra do Monte Negro” e descia na direção dos tabuleiros das Queimadas.

          Trocando em miúdos, a dita Serra do Montenegro, é a elevação onde hoje se encontra o povoado Monte Negro e a fazenda iniciava ali e rumava na direção do município vizinho de Adustina. Era uma propriedade de 3 léguas de extensão, isto é, cerca de 18 km.

          Além da enormidade da extensão das fazendas, chama a atenção o fato de o povoado Monte Negro ser assim chamado em razão de ter herdado o nome do acidente geográfico no qual está fincado, nome esse, dado ainda pelo colonizador a fim de se situar na vasta paisagem sertaneja.