O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

O povoado Tabua é o mais antigo de Fátima?


 

Aspecto atual da capela da Tabua. Fonte: Página Povoado Tabua.

          Por mais de uma vez ouvi essa pergunta de diversas pessoas, o que aponta que essa ideia já é propagada há muitos anos entre os habitantes locais e pessoas com contato na região do arruado denominado Tabua, parte do município de Fátima, próximo à fronteira com o município sergipano de Poço Verde.

          Diante desses questionamentos, fui investigar mais a fundo essa ideia a fim de dirimir as dúvidas e buscar fundamentos históricos que confirmem ou neguem essa ideia.

          Em anos de pesquisa, nunca tinha me deparado com nenhuma evidência histórica que pudesse fundamentar isso e como busco ser o mais fiel possível à ciência histórica, a minha resposta para os que me questionavam ser a Tabua o povoado mais velho de Fátima sempre permeou o viés das fontes históricas e da ausência de evidências para afirmar isso de forma segura, sem correr o risco de afirmar algo que não se sustente e que, no futuro, possa ser negado pelo surgimento de novas evidência. Afinal, como eu sempre digo, a história não pode servir aos interesses de ninguém.

          Tomando como base as únicas fontes que conheço que podem citar esse povoamento, busquei atentamente por qualquer texto ou documento que pudesse trazer novas informações, tendo sempre como base aquilo o que a oralidade das pessoas nos oferece.

          Assim, fui buscar nos registros eclesiásticos de terras se havia alguma menção ao povoado no século XIX. Essa documentação, nos mostra os registros de compra e venda de propriedades naquele século, em nome de quem uma determinada área estava registrada.

          Assim, constatei que, em 1856, essa área constava ter dois proprietários e ser uma área dividida em duas propriedades distintas: Tabua de Cima, de propriedades de Manoel Joaquim de Santa Ana (originalmente o sobrenome Santana se escrevia assim, separado) e Tabua de baixo em nome de Paulo Cardoso de Menezes.

          Essa não é necessariamente uma novidade, visto que outras áreas que hoje pertencem ao município de Fátima, têm seus registros já nessa época e até mesmo anteriores a isso.

          As informações mais significativas na tentativa de elucidar essa dúvida, contudo, estão nos registros dos livros de Tombo da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, em Cícero Dantas.

          Observando atentamento os escritos produzidos pelo vigário José de Magalhães e Souza, podemos tirar informações muito importantes acerca desse assunto.

          A primeira menção ao local Tabua existente nessa documentação, data de outubro de 1931, quando o padre Magalhães registra simplesmente ter visitado o local em desobriga. Desobriga era como se chamavam as missões dos padres católicos a localidades remotas da sua área de influência. Nessas visitas à pessoas distantes da matriz, se realizavam rituais católicos como batizados, crismas, casamentos, etc.

          Essa foi, aparentemente, a primeira passada desse religioso em particular pelo local, o que inaugurou uma surpreendente sequência de vistas posteriores. Entre 1931 e 1937, o padre Magalhães registrou um total de 10 situações nas quais esteva na Tabua em desobriga.

          Em uma dessas visitas, uma informação crucial é registrada pelo religioso. Em fevereiro de 1935, o padre registra que celebrou na capela da localidade e esse registro nos revela que a capela da Tabua é mais antiga que a própria igreja de Fátima, uma vez que o primeiro registro de uma missa na área que hoje é a zona urbana do município é datada de 20 de outubro de 1935 e essa missa, provavelmente, foi celebrada em casa de particulares, não numa capela.

          Abaixo, uma lista com as datas das visitas à Tabua registrada pelo Padre Magalhães:

 

1-    Outubro de 1931;

2-    Janeiro, junho e novembro de 1932;

3-    Janeiro e agosto de 1934;

4-    Fevereiro, abril e novembro de 1935;

5-    Novembro de 1937.

 

Essa sequência de desobrigas, provavelmente significa que, na região da Tabua dos anos 1930, existia uma (ou mais de uma) família com boas condições financeiras e com boas relações com o Padre Magalhães, que os visitava com certa frequência. Tomando como base a distância que o vigário percorria de Cícero Dantas, muitas vezes montado a cavalo, para acessar a área, é possível depreender que havia ali algum atrativo importante, como boa receptividade dos moradores, bom local de pouso, bom número de pessoas a quem oferecer os serviços eclesiásticos, etc.

Todas essas informações, entretanto, não confirmam ser a Tabua o povoado mais antigo de Fátima, visto que localidades como Pedrinhas, Laje da Boa Vista, Cutia, Maria Preta e mesmo a área urbana do município, têm povoamento confirmado muito anterior a isso, já na segunda metade do século XIX.

Há indício, contudo, que a área do atual povoado Tabua, pode ter surgido em virtude de uma antiga rota entre Itapicuru e o sertão baiano, passando por Poço Verde. Se isso é verdade, pode ser que o arruado atual tenha surgido entre o final do século e XVIII e início do XIX, mas tudo isso ainda não passa de especulação e carece de robustez histórica.

Esse estudo, contudo, confirma, que a capela da Tabua foi erguida em algum momento entre 1931 e 1935, caracterizando aquele templo religioso como a capela mais antiga do município, ao menos até o presente momento. Desse título, a Tabua já pode se orgulhar.

 

Moisés Reis, Professor há 22 anos do Município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História, O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, e da HQ Histórias do Cangaço.

 

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