O foco desse blog é a pesquisa da história do Sertão baiano.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Sertão violento, assassinato em Bom Conselho, 1874.

 


Um grupo de 4 homens, entre eles dois peritos amadores, deixa Bom Conselho (atual cidade de Cícero Dantas) após o almoço em direção à fazenda Cajazeiras, tinham a ingrata missão de periciar o corpo de uma menina de doze anos, brutamente assassinada a pauladas.

Era 19 de abril de 1874, e a cena encontrada na casa de João Sacerdote do Nascimento foi terrível. No alpendre da simples casa de taipa, o corpo franzino de uma menina branca estava estendido, tinha a cabeça esfacelada por golpes de um porrete de tal modo que os peritos Manoel Joaquim da Silva e Joaquim Dantas de Miranda não tiveram condições de precisar quantos golpes foram o suficiente para produzir tamanho estrago.

Além dos peritos, estiveram na ocasião do exame de Corpo de Delito o subdelegado e o escrivão, responsável por produzir as primeiras linhas dessa história ocorrida há mais de 150 anos.

O assassino, José D’Assunção, era primo da vítima. Censão, como era conhecido, era tido como um toleirão, era um homem bem mais velho que aparentemente se apaixonou pela prima de 12 anos. Na época, era comum que uma menina se casasse tão jovem, entretanto, para a ira de Censão, a opinião da pretendente era levada em consideração.

Ana morava somente com a mãe e o irmão Antônio, pois seu pai, na época, já havia falecido, conforme consta no processo crime identificado como 03/85/42, de posse do Arquivo Público do Estado da Bahia. Sua frieza frente as investidas do pretendente o levaram a elaborar um plano para o assassinato, mostrando que ações violentas de homens rejeitados infelizmente não são exclusividades do nosso tempo.

Os registros nos permitem concluir que Censão havia planejado o fato, era um homem imaturo para o seu tempo, o que lhe rendeu o adjetivo “toleirão”, mas era dotado de um temperamento perverso e calculista. Durante as agressões à menina Ana, não deu qualquer chance de defesa à vítima, fulminando-a com brutalidade.

Os irmãos haviam passado aquela noite na casa do seu tio José Martins e pela manhã seguiam calmamente pela estrada em direção à casa da mãe, sendo abordados durante esse trajeto.

Entre os depoimentos que constam no processo, a descrição do menino Antônio é de longe o mais detalhado e impactante. Perguntado, respondeu ter entre 8 a 9 anos, ser filho de Pedro Borges Souza de Andrade e Maria do Espírito Santo. Disse que, vindo da casa do seu tio José Martins para a casa de sua mãe, com sua irmã Ana, foi surpreendido pelo assassino que saiu do mato, era seu primo, Francisco da Assunção, conhecido por todos como Censão.

Este, teria perguntado a Ana a razão da sua frieza e se ela desejava se casar com ele. Diante da recusa da moça, Censão, tomado de ódio, avançou sobre Ana e desferiu algumas pancadas em sua cabeça. Ainda tomando como base o depoimento do menino Antônio, Ana caiu em decorrência das pancas e pediu socorro a ele. Foi nesse momento que o menino avançou sobre Censão, homem feito, com idade estimada entre 36 e 37 anos.

Antônio segurou firmemente a arma do agressor, diante da insistência do menino em não soltar o porrete, a fúria de Censão se volta agora para ele que é violentamente atingido na cabeça e cai a sangrar.

Ao se desvencilhar do garoto, o assassino se volta para Ana, agarra-a pelos cabelos e arrasta para o mato onde conclui o crime. Diante da impossibilidade de defender ele mesmo sua irmã, Antônio corre até a casa do seu tio para pedir ajuda.

É através de outra testemunha que sabemos do que ocorre em seguida. Francisco estevão, então com 60 anos de idade, natural do Bom Conselho afirma que, estando na casa de João Sacerdote, afirmou que José Martins chegou ao local informando que o menino Antônio esteva em sua casa, lavado em sangue, e dizia que Censão tinha matado a sua irmã.

Todos seguem até a casa de José Martins e, junto com Antônio, decidem ir até o lugar do crime. Ao chegar ao trecho indicado da estrada, perceberam logo o local por onde Ana tinha sido arrastada e depois de muito procurarem, encontraram o cadáver em cima de uma moita de capim, os ferimentos na cabeça da menina faziam sair a massa encefálica, mas ela ainda respirava. Tomada nos braços, Ana foi levada agonizando para a casa de João sacerdote, onde morre não muito tempo depois.

Cenção foi jugado e preso pelo seu crime e cumpriu pena em Jeremoabo, não se sabe as circunstâncias da sua morte, mas é possível inferir que morreu enquanto cumpria pena, provavelmente de alguma enfermidade. A perícia em seu corpo é datada de 19 de junho de 1875, cerca de um ano após a morte de Ana.

A cajazeira, palco do terrível acontecimento, pertence ao município de Cícero Dantas, fica nas imediações do povoado Trindade e, de acordo com o pesquisador Marcelo Reis, não é mais habitada, uma vez que seus antigos moradores hoje vivem nas cidades vizinhas. Ainda de acordo com Marcelo, seu avô lembra da antiga cruz que marcava o local da morte, mas hoje toda a área foi transformada em pasto e a localização da cruz não é mais conhecida.


Moisés Reis, Professor há 24 anos do município de Fátima, Licenciado em História pela Uniages com especialização em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor das obras: Manual Didático do Professor de História - O Nazista - Fátima: Traços da sua Histórias - O Embaixador da Paz - Maria Preta: Escravismo no sertão baiano – Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade - da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense.


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